Com mais de 90 títulos, “O Amor, a Morte e as Paixões” se destaca pela pluralidade de gêneros e temáticas dos filmes. A 8ª edição fica em cartaz até 25 de fevereiro, no Shopping Bougainville

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A abertura da mostra, que segue até o dia 25 de fevereiro, foi dia 11, com a produção nacional “Casa Grande” | Foto: Divulgação

Encontro. A palavra que botou na cabeça era “encontro”. Queria porque queria algo que significasse a palavra, num jeito que todos os sentidos fossem contemplados, apreciando também todos os sentidos. Daí que os ouvidos se atentaram aos ruídos da película colorida, brilhando na tela que cheirava a pipoca. Fazia frio, para alguns, a sala escura do cinema. Nada que um abraço não resolvesse os poucos minutos gastos ali.

O hall, muitas vezes lugar de passagem, dava espaço para espera. Os celulares na mão anunciavam uma ou outra mensagem no visor “Já está aí? O filme começou? Cadê você?”. Foi o que quis, já no auge da mostra e que, na contramão da modernidade, abandonassem os aparelhos para se dedicar a ouvir e ver uma história, assim que os trailers começassem. Foi o que disse Lisandro. E a tal história de encontro fazia, então, mais sentido.

Em 2001, botou também o nome de “Amor, a morte, as paixões e o sexo” na ideia que teve. Abandonou “o sexo”, que já estava no amor, nas paixões e nas pequenas mortes –– deliciando do francês, afinal “la petite mort” é orgasmo em livre tradução. E os franceses marcaram presença na mostra, nos cartazes espalhados pelo hall. Era um jeito de mudar o consumo do aprazível e encontrar o desconforto. Cinema de arte.

E ainda pontua as mesmas ideias, já em 2015, um certo Gerson. Junto a Lisandro, deu à luz uma mostra que já sopra velinhas de oitava edição. E a festa é tão simples e encantadora quanto à “Última Crônica” de Sabino. Traz consigo recortes tão cotidianos que deliram, encantam, desconsertam em frames e mais frames de mais de 90 rolos a serem rodados em mais de 350 sessões. O tempo fica curto, assim, e o jeito acaba sendo escolher os favoritos, arranjar uma desculpa para o chefe, chamar alguém amado e se esbaldar de refrigerante e pipoca amanteigada.

Os 14 dias, que começaram a correr no dia 12 de fevereiro, primeiro dia da mostra, preenchem as salas de cinema do Bougainville com um público, que tem aumentado a cada ano. O shopping dá lugar para outras compras. Os filmes recheados de explosões, choros fáceis, riso garantido, vai cedendo a cadeira para outras verdades, mais próximas de qualquer cidadão do mundo. É esse o desconforto que diz Gerson dos Santos, para melhor apresentá-lo. O alimento ali serve não aos bolsos, filhos do cinema comercial, e sim à alma. “Eu espero a inconformidade, na mostra, para alimentar a alma”, compartilha.

Inconformidade é o que dá vida àquilo tudo ali. Desde a ideia, que é fiapinho e vira texto, plano, projeto, esboço, sketch, ensaio, cena, filme, trailer, a todo o mais, comum a qualquer pré, pós e produção. A diferença está na ideia, está em quem a apoia. O cinema de arte tem disso. A dificuldade de materializar um filme é muito maior. Muitas vezes, foge à indústria cinematográfica e entra noutros circuitos. O apoio, então, vem de leis de incentivo à cultura, numa grande maioria. A pluralidade se faz aí.

É que não há crivo tão estreito. A criatividade se potencializa quando foge ao que visa somente o lucro. E isso envolve países do globo todo. As várias vozes se entremeiam à amplitude das três palavras-tema da mostra, lapidando obra-prima: a diversidade. França, Reino Unido, Hungria, Irã, Japão, Argentina, Itália, Suíça, Brasil, Áustria, México, Estados Unidos, Alemanha, Polônia, Austrália, Bélgica, Dinamarca, Uruguai e outras nacionalidades marcam a origem dos filmes.

Lisandro Nogueira, para também fazer uma melhor apresentação, ressalta tal qualidade (a diversidade), que chega às histórias, aos gêneros. Tem drama, comédia, romance, suspense, documentário, faroeste –– tem para quem quiser, o que quiser. As cinco salas do cinema Lumière, que tem realizado a mostra, oferecem possibilidades do meio-dia às 21 horas. Os ingressos têm valor único: R$ 10. E ainda é possível fazer paradas em várias sessões, com passaporte de variadas quantidades de ingresso. A ideia é atrair.

Atrair para algo além-província. Se a aposta em arte rendeu oito aniversários, cada vez mais bem celebrados (tem filme ilustre, premiado em Cannes, Veneza, Berlim, Sundance, indicados para o Oscar), a cidade ganha mais enquanto metrópole que abriga um circuito com 20 longas inéditos em território nacional. Não obstante, o local tem sim seu espaço e apresenta uma seleção de curtas produzidos por gente “da terra”. Ainda dá para aproveitar: no próximo dia 18 de fevereiro, sete curtas goianos ganham as telas da sala 3.

O bate-papo informal, aquela coisa de “E aí? Você gostou do filme?”, que sempre acontece após as letrinhas subirem, está garantido –– só que um pouco mais formal. O professor Luiz Alberto de Miranda convidou uma galera para debater alguns filmes. Psicanalistas, antropólogos, jornalistas e cineastas já foram garimpados para programação, que é mais que boa alternativa para quem quer aproveitar o carnaval em Goiânia. E, ó, “O amor, a morte e as paixões” termina uma semana após a quarta-feira de cinzas, no dia 25.

Tudo começou na quinta-feira, 11, e foi no hall mesmo, por onde várias pessoas circularam e se acumularam, a espera de que a fita começasse a rodar. Era abertura da mostra. E lá estava Marcello Novaes para pôr “Casa Grande” nas telas. O filme é o primeiro em que o ator vivencia um grande papel cinematográfico. E o atônico está para lá de presente numa história talvez não tão comum, mas típica a incomodar interrogações em quem assiste. Ao dizer que o filme cai perfeitamente em um momento de crise financeira que se anuncia no Brasil e no mundo, Marcello, diferente do personagem que vive no filme, sabe bem que as dificuldades estão aí e é preciso enfrentá-las.

Para isso, é preciso encontrar uma coisa que surge sem alarde e que grita quando se mostra: a inconformidade. Assim, nada melhor que “O amor, a morte e as paixões”.