Num país onde os intelectuais e artistas eram reverenciados como “entes superiores”, e no qual a população era educada para reverenciar suas teorias e atitudes, o mundo cultural teve maiores responsabilidades pelo colaboracionismo com o nazismo

França tomada pela Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial. A ocupação durou de maio de 1940 a dezembro de 1944 | Foto: André Zucca
França tomada pela Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial. A ocupação durou de maio de 1940 a dezembro de 1944 | Foto: André Zucca

Carlos Russo Jr.
Especial para o Jornal Opção

Ao contrário do que se possa pensar, para a maioria dos burgueses parisienses, a ocupação nazista que durou quatro anos (1940 /1944) não foi tão má quanto poderia parecer, afirma John Gerassi , o biógrafo mais importante de Sartre.

O metrô funcionava bem, os teatros faziam sucesso, os bares e os restaurantes viviam cheios. É bem verdade que o café não era mais o mesmo, que a bebida tinha uma qualidade discutível, que a suástica drapejava sobre as Tulherias, sobre a Câmara dos Deputados e sobre o Palácio de Luxemburgo. Também é verdade que a tropa alemã descia diariamente os Champs-Élysées, sempre ao meio-dia e meia, marchando a passo de ganso; que a Torre Eiffel amanhecera, num dia de verão de 1940, adornada com um V gigantesco, acompanhado por um cartaz que dizia: “Deutschland siegt auf Allen Fronten”, ou “A Alema­nha vence em todas as frentes”.

Ainda assim, os burgueses co­miam muito bem, graças tanto às ligações mantidas ente a cidade e o campo, quanto ao mercado negro, tolerado e mancomunado com a autoridade de ocupação.

Em Paris, a “Festa Continuou”, diz Alan Riding, em referência ao círculo intelectual e artístico daquela cidade então considerada, até pelos ocupantes nazistas, a capital cultural do mundo. A rigor, não houve nada no mundo do entretenimento e das artes de Paris que tenha sofrido durante a ocupação; a festa simplesmente seguira adiante. Os cinemas, por exemplo, viviam cheios, pese o banimento das películas norte-americanas e do jazz, porque, de acordo com um jornal colaboracionista, tinham um sabor “negro-judeu”.

E os comportamentos individuais? Num país onde os intelectuais e artistas eram reverenciados co­mo “entes superiores”, e no qual a população era educada para reverenciar suas teorias e atitudes, o mundo cultural teve maiores responsabilidades pelo colaboracionismo com o nazismo, graças a essa influência.

O editor Bernard Grasset, o primeiro a editar Proust em 1913, chegou quase a implorar a Joseph Goebbels o direito de publicar na França a ‘obra magistral’ do sumo sacerdote da propaganda nazista” | Foto: Wikipédia Commons
O editor Bernard Grasset, o primeiro a editar Proust em 1913, chegou quase a implorar a Joseph Goebbels o direito de publicar na França a ‘obra magistral’ do sumo sacerdote da propaganda nazista” | Foto: Wikipédia Commons

Alguns cantores como Maurice Chevalier e Édith Piaf realizaram tournées musicais nos campos de prisioneiros de guerra franceses, com cachês pagos pelos nazistas, fornecendo propaganda do “bom tratamento” dado a eles pelos carcereiros. Escritores como Céline colaboraram ativamente na França e na Itália fascista. As atrizes Danielle Darrieux e Viviane Ro­man­ce esqueciam as barbáries praticadas pelos nazistas enquanto re­alizavam turismo através da pátria do nacional-socialismo hitlerista.

Coco Chanel vivia em sua suíte no Ritz com um alto oficial alemão. Le Corbusier, canonizado em vida como modernista por arquitetos do mundo inteiro no pós-guerra, inclusive no Brasil, grudou nas autoridades de ocupação em busca de verbas para seus projetos; afirmou, tentando agradar ao governo de ocupação, que “a sede dos judeus por dinheiro havia corrompido o país”.

O esperto André Gide disse: “Prefiro não escrever nada hoje, que possa me deixar arrependido amanhã”, o autor que ganharia o Nobel em 1947. Outros artistas adotaram atitudes semelhantes, calaram-se e procuraram pouco aparecer. Pablo Picasso optou por permanecer em Paris durante a ocupação, vendendo discretamente seus quadros, e recusou-se, por covardia, a assinar uma petição pela liberdade de um amigo, o poeta Max Jacob, preso pela Gestapo — documento que até mesmo colaboracionistas assinaram. Jacob morreu no infame campo de concentração de Drancy.

O editor Bernard Grasset, o primeiro a editar Proust em 1913, chegou quase a implorar a Joseph Goebbels o direito de publicar na França a “obra magistral” do sumo sacerdote da propaganda nazista.

Sacha Guitry, ator e cineasta de re­nome no pós-guerra, tornou-se ín­timo do embaixador do III Reich, Ot­to Abetz; Tino Rossi, um dos me­lhores tenores de sua época, in­ter­pretou na Ópera de Paris para a al­ta oficialidade das tropas de ocupação.

Os escritores Drieu de La Rochelle e Robert Brasillach viajaram a Nuremberg para aplaudirem Goebbels. Os artistas plásticos Derain, Vlaminck e Maillot cruzaram o Reno para receberem me­dalhas por seus trabalhos, outorgadas pelos invasores da França.

A censura era feroz. Em 1941, nada menos que duas mil obras e mais de oitocentos e cinquenta escritores haviam sido banidos e todos os editores, com exceção de Émile-Paul, o aprovaram. O Presidente da Associação dos Editores Franceses, René Philippon disse “que essas disposições (listas de proibições), não criam grande problema para a atividade editorial, pelo contrário, possibilitam o desenvolvimento do pensamento autenticamente francês… e estimulam a união dos povos.”

Gallimard, o editor de Sartre, nomeou Drieu de La Rochele editor da prestigiada revista “Nouvelle Revue Française”, a qual editou traduções de escritores nazistas. É verdade que se livrou de editar “Les Décombres”, um lixo literário de exaltação aos “heróis do nazismo”, escrito por Lucien Ra­ba­net, que terminou publicada por Éditions Denoël.

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Sacha Guitry, ator e cineasta de renome no pós-guerra, tornou-se íntimo do embaixador do III Reich, Otto Abetz” | Foto: Bibliothèque nationale de France
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Le Corbusier, canonizado em vida como modernista por arquitetos do mundo inteiro no pós-guerra, inclusive no Brasil, grudou nas autoridades de ocupação em busca de verbas para seus projetos; afirmou, tentando agradar ao governo de ocupação, que ‘a sede dos judeus por dinheiro havia corrompido o país’” | Foto: Willy Rizzo

É bem verdade que muitos intelectuais e artistas recusaram-se a trabalhar na França ocupada. Foi o caso do indignado Jean Renoir, diretor de obras-primas como “A Regra do Jogo”, que preferiu se refugiar nos Estados Unidos a filmar na França, no que foi seguido pelos seus colegas René Clair, Max Max Ophüls e Duvivier, assim como pelos atores Michele Morgan, Jean-Pierre Aumont e Marcel Dalio.

Uns poucos, bem poucos, como o ator Jean Gabin e o es­critor Albert Ca­mus, incorporaram-se aos maquis, e colaboraram na resistência armada. Do mesmo modo que Jean Gué­he­n­no e Jean Bruller passaram a es­crever na clandestinidade fundando as clandestinas Editions de Minuit. Disse o filósofo Ge­orges Politzer, amigo de Sartre, em 1941: “Hoje, na França, literatura legal significa literatura de traição”.

No entanto, a maioria dos artistas e dos intelectuais, como o fez quase toda a burguesia francesa, simplesmente continuou sua vida normal, tentando ganhar o pão de cada dia, como se os alemães não existissem, e assim o fi­zeram escritores como Georges Simenon, Jean Paulhan e Aragon.

A divisão clássica sobre a conduta dos franceses durante os anos da ocupação, entre heroísmo e covardia, que permanece em vigor até hoje em romances e filmes, a começar pelo inevitável “Casablanca” é pura ficção. De um lado estariam os cidadãos decentes e patriotas, que optaram pela Resistência e vão combater o invasor na clandestinidade; no outro ficariam os colaboradores ou traidores, que continuam levando sua vida de sempre, convivendo em paz com o ocupante e ajudando-o a governar. Riding, entretanto, assim como Gerassi, recusam-se a aceitar essa divisão. Seus livros revisitam a vida real da gente real na Paris ocupada — e aí entramos numa zona de sombra onde é inútil procurar respostas em preto e branco.

Depois da guerra, Sartre tentaria explicar: “Durante quatro anos, nosso futuro nos foi roubado”. “Todos os nossos atos eram provisórios, seu significado limitado ao dia em que eram cometidos”. É verdade que havia uma Resistência, mas ela “afetava muito pouco a História, tinha mais um valor simbólico; é por isso que tantos resistentes entravam em desespero: sempre os símbolos! Uma rebelião simbólica numa cidade simbólica — só que as torturas eram reais”. E ainda: “O que era terrível não era sofrer e morrer, mas sofrer e morrer em vão… durante esse período, pouca gente se comportou na França com coragem e precisamos compreender que a Resistência ativa estava limitada a uma minoria que se oferecia deliberadamente e sem esperanças ao martírio, o que basta para resgatar nossas fraquezas”.

Segunda parte

Em 1939, quando a URSS invadiu a Finlândia, anexando dez por cento do território que lhe era fronteiriço, a apenas 17 quilômetros de distância de Leningrado, os deputados burgueses da França sentiram-se autorizados a cassarem seus colegas comunistas legitimamente eleitos, o que para muitos desses significou o encarceramento.

Coco Chanel  vivia em sua suíte  no Ritz com um alto oficial alemão” | Foto: kristen stewart
Coco Chanel
vivia em sua suíte
no Ritz com um alto oficial alemão” | Foto: kristen stewart

Em março de 1940, tropas alemãs atravessaram a Dinamarca e derrotaram as unidades anglo-franco-norueguesas que defendiam a No­ruega. Maio de 1940, as divisões Panzers alemãs invadiram a Holanda, a Bélgica e Luxem­bur­go. No dia 4 de junho, foi a vez do drama de Dun­quer­que. Em 6 de julho, as tropas francesas evaporaram. Em 14 de ju­lho, como prometera um ano antes Hitler, as tro­pas alemãs entraram em Paris sem encontrar qualquer resistência.

O velho Marechal Pétain, investido no posto de Comandante Su­pre­mo da França derrotada e desmoralizada, negociou um armistício com os nazistas. Um governo francês estabeleceu-se em Vichy, e uma fronteira foi erguida entre a parcela da França ocupada militarmente, que, logicamente, incluía Paris e um “novo Es­tado provisório”. No dia 9 de julho, a As­sembleia Nacional Francesa, transportada para Vichy, decidiu por 468 votos contra 80, dar poderes a Pétain para promulgar uma nova constituição. Entre aqueles que optaram por um Estado Fascista havia nada menos que 88 deputados do Partido Socialista Francês (somente 29 tiveram a hombridade de se oporem). Édouard Herriot, que seria saudado como um dos grandes patriotas franceses depois da libertação, condecorado pessoalmente pelo general De Gaulle, e eleito Presidente da Assembleia Nacional, sequer teve a coragem de votar “não”. Absteve-se!

A palavra colaboracionismo deriva do francês “collaborationniste”; foi introduzida pelo próprio Mare­chal Pétain no linguajar político. Em discurso radiofônico pronunciado em outubro de 1940, exortou os franceses a colaborarem com o invasor nazista. Desde então, a palavra significou uma forma de traição dos cidadãos de um país ocupado por inimigos. A atitude oposta ao colaboracionismo — a luta contra o opressor — passou a ser representada historicamente pelos movimentos de resistência.

“A colaboração com o nazismo foi um fator de desagregação, e é sempre uma decisão individual e, nunca, uma posição de classe social… Seria uma injustiça dizer que ‘a burguesia é uma classe de colaboracionistas’, mas é possível e necessário julgar essa classe pelo fato de praticamente todos os colaboracionistas terem vindo de suas fileiras.” (Sartre). O escritor católico François Mauriac, Nobel de Literatura de 1952, escreveu em 1943 que “apenas a classe operária ficara fiel à pátria”.

As delações aconteciam todo o tempo na França ocupada. Simone de Beauvoir conta alguns casos por ela vivenciados pessoalmente, por exemplo, o de Bella, “a tcheca que vivia com o pintor Jausion, que foi presa pela Gestapo, denunciada pelo futuro sogro” e jogada para morrer num campo de concentração. Fer­nando Gerassi, que lutara na Es­pa­nha Republicana e residia na França, foi denunciado pelo famoso pintor russo, Nicolas de Staël ( hoje seus quadros alcançam somas superiores a um milhão de dólares); Staël vivia em Montpar­nasse e agia como provocador à soldo da polícia. Em depressão, suicidou-se em 1955.

André Gide, o Editor da Gal­limard, escreveu em seu diário, de­siludido: “A colaboração com a Alemanha me pareceria aceitável, até mesmo desejável, se eu tivesse a certeza de que seria honesta. Chego a imaginar que estaríamos melhor como súditos da Ale­manha, com todas as suas dolorosas humilhações, que a disciplina de Vichy nos quer impor”.

Estando Blum, prisioneiro dos nazistas, o Partido Socialista tinha um líder na pessoa Daniel Mayer. Em sua bela residência de Mar­selha, assim como na da escritora Colette Audry, em Grenoble, o nome “resistence” era proibido de ser pronunciado.

A polícia francesa, a Milícia de Vichy, como era chamada, comandada pelo francês Joseph Darnand, ao qual foi dada a insígnia de SS, fez muito mais pela Gestapo do que a Gestapo esperava dela e com muito mais zelo que qualquer alemão.

Em 1952, Sartre reconheceria que “os comunistas estavam travando a luta justa e os anticomunistas eram a mesma canalha que traíra a França em 1938 e em 1940”. Foi quando ele escreveu “somos meio abortos, meias-porções, meio animais. Só o que podemos fazer é trabalhar para que os que vierem depois de nós não se pareçam conosco”.

Os fascistas modernos são todos aqueles  que usam o seu poder, ou que assim o usariam  se o tivessem, para silenciar a dissensão, o contraditório, em favor de seu lucro ou de sua glória pessoal.” (Jean-Paul Sartre) | Foto: Clarín
Os fascistas modernos são todos aqueles
que usam o seu poder, ou que assim o usariam
se o tivessem, para silenciar a dissensão, o contraditório, em favor de seu lucro ou de sua glória pessoal.” (Jean-Paul Sartre) | Foto: Clarín

Antes mesmo que determinados fatos fossem conhecidos, já era aparente, sem dúvida, que a mai­o­ria dos po­liciais, dos fun­cionários pú­blicos fran­ceses, havia zelosa e alegremente perseguido ju­deus, promovido infiltrações nos gru­pos de resistência, feito fortunas graças a subornos e gratificações oferecidas por a­gentes de Hitler.

Em 1974, Louis Malle provocou es­­cândalo na França com o filme “La­com­be Lu­cien”, ou “Co­­mo alguém se transforma num colaborador”.

Como conta Gil­les Perrault em “Lire”, n. 141, pu­bli­cada em 1987: “No final de 1943, para cada agente da Abwehr ou da Gestapo estacionado em Paris havia entre 40 e 50 agentes franceses. Foram eles que as­sestaram os golpes mais duros na Re­sistência… Nenhu­ma profissão, ne­nhum corpo do Estado foi poupado”.

“Depois da Libertação, a Comissão encarregada de investigar a Colaboração ao Invasor Nazista descobriu que a podridão chegava tão alto e estava tão disseminada que recebeu or­dens para fechar todos os casos, com base no argumento, no mínimo discutível, de que o moral da nação, já bastante abalado, não resistiria ao choque de revelações tão abrangentes…” O digno Comissário Clos, o chefe das investigações, exclamou: “Mas trata-se de um câncer generalizado!”. O governo era exercido pelo general De Gaule, o primeiro ministro. De quem partira a ordem para o sumiço dos arquivos que jamais foram revelados?

Somente para contradizer parcialmente Jules Romains, para quem “os homens são como as abelhas, pois seu produto vale mais do que eles”, muitos intelectuais foram mortos, por se negarem a colaborar e a participar na resistência armada ou política contra o inimigo invasor e o nazifascismo . Do grupo mais próximo da “Aca­de­mia”, podemos citar o filósofo Georges Politzer, que foi preso e torturado até a morte pela Ges­ta­po; o também filósofo Jean Ca­vaillés, líder dos maquis, preso, torturado e carregado para o fuzilamento; Yvone Picard e Antoine Bourla ambos alunos do Lycée Pasteur, mortos num campo de concentração; Alfredo Peron, preso pela polícia francesa, morreu sob tortura nas mãos da Gestapo.

O célebre comboio de 24 de janeiro de 1943 levou para Aus­chwitz resistentes franceses (ju­deus, não-judeus e comunistas na sua maioria) entre os quais viúvas de fuzilados como Maï Politzer, esposa de Georges Politzer, Hélène Solomon, filha do grande sábio Paul Langevin e mulher do escritor Jacques Solomon.

Para heróis como eles, como Jean Moullin, assim como mi­lha­res de outros, talvez possamos parafrasear o filósofo que dis­se que “o segredo de cada ser hu­mano não é o Complexo de É­dipo ou de Electra, ou, mes­mo, de inferioridade, mas o li­mi­te de sua liberdade, sua capacidade de resistir à dor e à mor­te”.

Para cada alemão morto pela resistência, o Exército invasor executava 50 civis. Ao final da guerra calculou-se que 60 mil franceses foram deportados para campos de concentração dos quais jamais retornaram. Além desses, mais de 30 mil homens, mulheres e até mesmo crianças foram fuzilados, ou morreram na forca, ou sob tortura.

Sartre, que havia sido mobilizado em 1940, ficou detido em um campo de prisioneiros até 1941. Quando saiu, conseguiu retornar às atividades no Liceu e, com Merleau-Ponty, Simone e alguns outros amigos e alunos, formou um pequeno grupo de “resistência intelectual” e o batizaram de “Socialismo e Liberdade”, com o objetivo de lutarem pela liberdade e prepararem a sociedade do futuro, necessariamente livre e socialista. O grupo escreveu e distribuiu dezenas de panfletos e até mesmo elaborou uma “constituição” para quando os nazistas fossem derrotados. Seu local de encontros e trabalho predileto era o Café de Flore. O grupo esvaziou-se em fins de 1942 por não conseguir agrupar outros intelectuais a suas ideias e pelo medo disseminado.

“Lettres Françaises”, revista fundada em 1942/ 1943 pelo comunista Claude (Morgan) Lecomte, foi o órgão de imprensa dos escritores resistentes ao nazismo. A revista literária obteve enorme repercussão e foi aberta a todos, com edição de 20 mil exemplares mensais antes da Libertação e 200 mil seis meses após, enquanto Lecomte esteve à sua testa. Ele convidou Sartre a contribuir em 1943. Em um de seus artigos para a revista, escreveu Sartre: “Para aqueles que transportaram mensagens, cujos conteúdos ignoravam, bem como todos os que partiram para o combate, o mesmo destino: prisão, deportação, morte. Em nenhum Exército nunca existiu tamanha igualdade de riscos tanto para o soldado quanto para o generalíssimo”.

O “Comitê Nacional dos Escritores”, associado à “Lettres Françaises”, também patrocinado pelos comunistas, transformou-se num instrumento importante de resistência da França ocupada, cumprindo com o que fora predito pelo filósofo Georges Politzer, antes de sua morte: “Hoje, na França, literatura legal significa literatura de traição”.

A revista “Combat”, porta-voz da Resistência, foi fundada em 1942 e dirigida por Camus. Nela, Sartre, Beauvoir e Camus atuaram em conjunto. A gráfica da revista somente caiu quando um membro do grupo, sob tortura, a abriu antes de ser assassinado, menos de um mês antes da libertação de Paris, em 1944. Mas o “Maquis” foi informado e Camus conseguiu com que todos fossem evacuados.

Em agosto de 1944 a França estava livre dos invasores nazistas. Depois de algum tempo, a maioria dos franceses começou a esquecer aqueles tempos malditos. Os “salauds” (bastardos) se apressaram em ocupar de volta os seus lugares, seus assentos na burocracia e a emitir as mesmas ordens que davam cinco anos antes. Vieram, então, as guerras coloniais da Indochina (1945) e da Argélia (1954), em que o Exército Francês tornou-se ele o invasor, seus corpos de elite disseminaram o terror e a tortura.

Novas traições aos ideais de humanidade que as mentes lúcidas jamais perdoariam. Sartre foi uma dessas consciências. Importante nos dias de hoje é revisitarmos a sua definição de fascismo: “os fascistas modernos são todos aqueles que usam o seu poder, ou que assim o u­sariam se o tivessem, para silenciar a dis­sensão, o contraditório, em favor de seu lucro ou de sua glória pessoal”. Por esse motivo ele, a “consciência odiada de seu século”, enxergava fascistas em todos os Partidos e instituições políticas; em todos os países, como nos EUA, na União Soviética, na China, e, sem dúvida, na França.

Carlos Russo Jr. é escritor.