A Terrível Intimidade de Maxwell Sim, de Jonathan Coe, escancara a solidão do homem moderno
29 maio 2022 às 00h00
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Protagonista do romance do escritor britânico é um cidadão comum com dificuldade de se relacionar com as outras pessoas
Mariza Santana
Max é um cidadão inglês comum. Ele foi abandonado pela esposa e a filha, é órfão por parte de mãe e tem um pai ausente, que mora na Austrália. Teve uma crise depressiva e está afastado temporariamente, por indicação médica, do emprego sem importância que exerce em uma loja de departamentos. Sozinho, sem ânimo para reagir aos revezes da vida, não tem perspectiva e enfrenta dificuldades para se relacionar com outras pessoas. Este é o protagonista do romance “A Terrível Intimidade de Maxwell Sim” (Record, 416 páginas, tradução de Christian Schwartz), do escritor Jonathan Coe.
No Facebook, Max só tem 70 amigos. Além disso, logo no início ele admite ter criado um endereço de e-mail falso somente para poder acompanhar, incógnito, o que sua ex-mulher, uma aspirante a escritora, está fazendo na sua nova vida em uma cidade distante no norte da Inglaterra. Antes mesmo de voltar de uma viagem frustrada a Sidney, para visitar o pai, se encontra ainda mais triste e isolado, mas no voo de volta à Inglaterra começa a conhecer novos personagens que vão mudar sua vida, ou pelo menos, a influenciar de alguma maneira.
Entretanto, surge uma oportunidade, oferecida ao protagonista por seu único amigo, de participar de uma campanha de marketing de uma fabricante de escova de dente. Max seria um dos quatro vendedores que levariam o lançamento da empresa, uma escova ecológica, para um dos extremos da Grã-Bretanha.
No caso do nosso anti-herói, ele teria de fazer a viagem de carro para o extremo norte, até a ilha mais remota da Escócia. E nessa trajetória, Max vai redescobrindo pedaços de sua vida, histórias do passado do seu pai, o relacionamento com a família do amigo de infância. Em alguns momentos, fica sabendo mais sobre si a partir dos relatos escritos por outras pessoas. Entretanto, tudo isso não deixa de ser um processo de autodescoberta que tem um desfecho pouco usual, com o autor usando a metalinguagem como forma criativa de desenvolver a narrativa.
“A Terrível Intimidade de Maxwell Sim” é, portanto, uma parábola perfeita sobre a vida moderna, conforme definiu muito bem o jornal “The Observer”, do Reino Unido. Mostra a angústia e a solidão do homem moderno, que conta com o que há de mais moderno na tecnologia, mas muitas vezes não sabe se relacionar diretamente com as outras pessoas, a não ser da forma virtual.
O protagonista do romance chega a dar o nome de Emma à voz feminina que o orienta no sistema de navegação do carro, e conversar com ela como se aquela inteligência artificial fosse um ser humano. E ainda é capaz de se surpreender porque percebe que a Emma nunca muda o tom de voz, está sempre calma, mesmo quando ele, intencionalmente, desobedece ao seu comando e segue por um caminho rodoviário distinto do indicado.
Para pessoas que não gostam de dirigir carro como eu, chamou minha atenção esse trecho do livro, no qual Max faz referência ao seu amigo: “ (…) O problema do Stuart, até onde consigo me lembrar, era o seguinte. Enquanto a maioria das pessoas, olhando o vaivém dos carros em uma rua movimentada, veria apenas o funcionamento normal e adequado de um sistema de tráfego, Stuart enxergava aquilo como uma sucessão de acidentes em potencial. Via os carros se arremessando uns contra os outros a velocidades consideráveis e deixando de se chocar por centímetros — o tempo todo, a cada poucos segundos e repetidamente ao longo do dia. ‘Aqueles carros todos’, ele dizia, ‘conseguindo não bater um nos outros por um triz. Como é que as pessoas podem aguentar isso?’” Quem se identifica com essa análise de Stuart?
Jonathan Coe é escritor e romancista inglês, e tem 60 anos de idade. Seu trabalho apresenta preocupação com questões políticas, embora a mensagem seja transmitida de forma cômica, principalmente como uma sátira. “A Terrível Intimidade de Maxwell Sim” demonstra o talento do autor em transformar um personagem comum, até enfadonho e desinteressante, em um caleidoscópio de emoções e sensações, imerso nessa sociedade líquida em que vivemos, como dizia o filósofo polonês Zigmunt Bauman. E nos convida a refletir como isso afeta nossos relacionamentos.
Mariza Santana é jornalista e crítica literária. Email: [email protected]