Em seu mais recente livro de contos. “A Solidão Do Livro Emprestado”, jornalista e escritor mostra rara sensibilidade para tratar das relações afetivas e de poder entre os indivíduos

André Giusti: jornalista e escritor já conta em sua bagagem com oito livros, entre crônica, poesia e conto. Foto: Divulgação

Geraldo Lima
Especial para o Jornal Opção

André Giusti, jornalista e escritor, nascido no Rio de Janeiro, mas residente há um bom tempo em Brasília (DF), é prosador de mão-cheia, além de poeta que nos arrebata com seus poemas viscerais. Já conta em sua bagagem literária com a publicação de oito livros, entre crônica, poesia e conto [está concluindo a elaboração do seu primeiro romance]. Dono de uma prosa enxuta, ele já deu mostra suficiente de que constrói, sem pressa, uma obra literária caracterizada principalmente pelo olhar sensível e crítico sobre as relações humanas. É o que podemos constatar no seu mais recente lançamento, o livro de contos “A Solidão do Livro Emprestado” (Editora Penalux, 2ª edição, 2018).

“A Solidão Do Livro Emprestado”, cuja primeira edição foi feita pela 7Letras, em 2003, compõe-se de onze contos, onze narrativas em que o autor, munido de domínio técnico, sarcasmo, ironia, humor e uma rara sensibilidade para tratar das relações afetivas e de poder entre os indivíduos, nos conduz de modo firme e inexorável pelos meandros das ações humanas.

Em dois contos, “Inocente senhor” e “Alvorada”, Giusti explora, sarcástica e criticamente, a questão política.  Os dois contos são narrados em primeira pessoa, o que nos permite captar, pela voz e pelo olhar de seus protagonistas, um deputado e o Presidente da República, um recorte singular do controverso e corrompido mundo da política nacional.  No primeiro conto, temos um deputado enfrentando um processo de cassação e, ao mesmo tempo, a pressão psicológica e moral exercida pelas palavras de uma fiel eleitora. “Desesperado, busquei a firmeza de olhar meus pares como até bem pouco conseguia, mas na figura de cada um deles eu não fugia da imagem nítida da negra desgraçada que gritava inocente, senhor, inocente” [pág. 80].  Já no segundo, um acuado presidente da República, em resposta às críticas dos opositores, toma uma drástica decisão que extrapola as suas responsabilidades como chefe de Estado. “Eu era um homem questionado, posto em xeque, açodado a responder de uma forma ou de outra. […] Em determinadas ocasiões, tudo me parecia ridículo e, talvez, isso explicasse o meu anseio de reagir à altura, de um jeito bem ridículo também” [pág. 114].

Mas é quando explora a temática amorosa que André Giusti consegue atingir um grau maior de realização literária. Nesses textos, em que imperam a paixão e as atitudes irracionais provocadas por ela, somos capturados desde o início da narrativa e levados a torcer por um final feliz para os amantes, o que nem sempre acontece, já que Giusti, longe de almejar a construção de uma prosa água com açúcar, nos mostra, sem ilusões, a precariedade dos relacionamentos humanos. Em “Álcool & nicotina”, por exemplo, ele nos mostra um casal que se conhece numa das barcas que fazem o traslado Niterói-Rio de Janeiro. O romance começa lindamente e vamos então acompanhando a rotina desse casal, que tem tudo para dar certo. Queremos que dê certo! Mas aí entra a habilidade do autor para quebrar nossas expectativas, e o que passamos a assistir, entre o riso e a tristeza, é o desgaste contínuo da relação. “A partir daí os diálogos encurtaram e o silêncio aumentou entre os dois” [pág. 13].

Título: A Solidão do Livro Emprestado

Autor: André Giusti

Editora: Penalux

Valor: R$ 40,00

Ainda no campo das relações afetivas, podemos citar, como ótima realização literária, o conto “Maverick V8”. Nesse conto, o autor parece prestar homenagem à sua paixão por carros antigos, ao mesmo tempo em que nos apresenta, num tom comovente, a relação conflituosa entre um pai e um filho. “A hostilidade temperava o espírito das raras conversas” [pág. 132]. Dessa convivência marcada pela carência afetiva do filho, o único momento de carinho que lhe fica gravado na memória é do dia em que o pai coloca-o no colo e deixa-o manobrar o volante do Maverick ao longo da rua. Mas, presos a uma relação tensa e de pouco afeto, tudo tende a acabar mal: “Eu, com quatro ou cinco anos, me desfazia em berreiros, querendo prosseguir no divertimento. Irritado, meu pai gritava, ordenando que eu calasse a boca” [pág. 131].

A maioria das histórias compostas por André Giusti se passa no subúrbio carioca, e essa é uma das marcas mais visíveis da sua obra literária. Creio que o Rio de Janeiro já devia tê-lo reconhecido como um dos seus autores mais representativos. É nítido o carinho e o cuidado com que ele lida com esse espaço urbano, povoando-o com figuras humanas inesquecíveis, como o tímido poeta do conto “Histórias de Amor”: excessivamente tímido, o jovem tenta conquistar a mulher por quem está apaixonado através de poemas publicados num tosco jornal de poesia. É rir e se emocionar com as trapalhadas e tentativas do jovem vate apaixonado. “A julgar pela idade, metade dos que estavam ali presenciaram a semana de 22. De rosto ainda meio imberbe, tênis vermelho e camiseta do AC/DC, eu estava deslocado. Mas o que importava era o jornal e meu poema para ela, com meu nome, mesmo que na última página, no canto embaixo à esquerda, ao lado do anúncio da sapataria do bairro” [pág. 31].

Ler “A Solidão do Livro Emprestado” é, sem dúvida, uma rara oportunidade de se humanizar, tanto pela intensidade dos sentimentos que perpassam as relações afetivas, quanto pelo olhar crítico e sensível do autor ao registrar as relações de poder que marcam a nossa sociedade.

Geraldo Lima é escritor, dramaturgo e roteirista.