A participação de Goiás na Revolução Constitucionalista de 1932
14 julho 2024 às 00h00
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Frederico Vitor
Especial para o Jornal Opção
Feriado em São Paulo, o dia 9 de julho celebra o 92º aniversário da Revolução Constitucionalista de 1932, a maior guerra civil deflagrada no Brasil no século 20.
O conflito, que opôs o Estado de São Paulo contra o governo provisório de Getúlio Vargas, alçado ao poder pela via das armas após a vitória da Revolução de 1930, durou 85 dias. O resultado foi um número de mortes (634 do lado paulista e 1.050 das forças federais) superior ao saldo de pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB) caídos (450 mortos) durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), nos campos de batalha na Itália.
Pouco é comentado, mas o evento armado que, apesar de concentrado em São Paulo, mobilizou quase todo o País. Além do território paulista, as demais unidades federativas também estiveram indireta e diretamente envolvidas neste conflito, inclusive Goiás. O Governo Provisório de Vargas, além de forças federais do Exército, movimentou tropas de quase todas as regiões no esforço de guerra, conhecidos como batalhões provisórios (milícias estaduais e contingentes das Forças Públicas, semelhantes as atuais Polícias Militares estaduais), para conter os paulistas e seu ímpeto de demolição da Revolução de 1930.
De acordo com o historiador Hernâni Donato, autor do livro “História da Revolução de 32” (2002), o quadro mais completo acerca do número de tropas mobilizadas foram: “De São Paulo foram alistados ao redor de 60.000 voluntários, enquanto a mobilização do Governo Provisório alinhou cerca de 350.000 combatentes, entre efetivos do Exército, da Marinha, das Forças Públicas estaduais leais a Vargas, além de ‘provisórios’, ‘patriotas’ e outros”.
Neste contexto, Goiás não ficou livre do envio de tropas para lutar ao lado das trincheiras varguistas contra os paulistas. Sob o tacão do interventor Pedro Ludovico Teixeira, foi organizado os chamados “batalhões de voluntários”.
No que concerne às tropas federais situadas em Goiás, à época, o 6º Batalhão de Caçadores (6º BC), unidade do Exército sediada na cidade de Ipameri — atualmente 23ª Companhia de Engenharia de Combate —, localizada no Sudeste do Estado, encaminhou contingentes que travaram combates em Pouso Alegre, Eleutério, Itapira, Mogi-Mirim, Jaguari e Campinas.
Tropas despreparadas
O historiador americano e brasilianista Stanley Hilton, autor da obra “1932 — A Guerra Civil Brasileira” (1982), descreve que em 22 de julho foi estabelecido sob comando do coronel Manuel Rabelo, unidades policiais de Mato Grosso e Goiás, com alguns poucos elementos da Força Pública Mineira (atualmente Polícia Militar de Minas Gerais). Tal contingente estaria incumbido de interceptar e neutralizar as tropas constitucionalistas posicionadas no Sul de Mato Grosso, que eram comandadas pelo general Bertoldo Klinger, o mesmo que anos antes havia realizado uma cruzada sobre o território goiano à caça da Coluna Prestes (1924-1927).
O autor brasilianista chama a atenção para o despreparo e o alto grau de improviso em que as forças estaduais foram organizadas em batalhões provisórios para reprimir o levante paulista de 1932, incluindo as forças goianas. Hilton descreve que, “salvo a falta de conhecimentos militares, as unidades provisórias, sobretudo as do Norte e Nordeste, careciam de quase tudo no tocante a armamentos e equipamentos”.
A obra “Memórias” de Pedro Ludovico Teixeira (2013), traz um parco, porém importante relato de suas deliberações para o conflito de 1932. É possível notar que o homem forte de Vargas em Goiás economiza nas palavras para narrar o envio de esforço de guerra goiano para sufocar o movimento armado que se insurgiu contra o Governo Provisório instaurado em 1930.
O interventor narra que sob sua ordem foi enviado à fronteira de Mato Grosso — na porção onde atualmente é o Estado do Mato Grosso do Sul —, além da Força Pública Militar de Goyaz (Polícia Militar de Goiás), mais de dois mil civis, comandados por Domingo Velasco, Atanagildo França, Manoel Balbino de Carvalho e Diógenes Sampaio. De Minas Gerais, mais precisamente do extremo Oeste do Triângulo Mineiro, o contingente goiano cruzou o Rio Paranaíba rumo ao interior do território mato-grossense.
“Ficamos ao lado do governo federal, contra a Revolução de São Paulo. Não podia ser de outra forma, porque atrás do desejo de constitucionalização do país, atrás dessa bandeira que era forte, muito expressiva, estavam os decaídos da Revolução de 1930”, ressalta Ludovico em seu livro de memórias.
Goianos em armas
A obra “Câmara Filho — O Revoltoso que Promoveu Goiás” (1989), de José Asmar, traz ricos relatos da mobilização dos batalhões de voluntários e a luta travada pela frente goiana nos campos de batalhas da Revolução de 1932. O livro toma por base as memórias do jornalista Joaquim Câmara que vivenciou a guerra como major e líder de um destacamento goiano.
O livro contém uma passagem com um rico relato retirado de um telegrama enviado pelo comandante-geral das tropas goianas, Domingos Vellasco, ao interventor Pedro Ludovico, acerca do choque entre forças rebeldes constitucionalistas entrincheiradas no Sul do então Estado do Mato Grosso com a tropa de Goiás, em 12 de agosto de 1932: “A 1ª Companhia do Batalhão Goiano, constituído pela Força Pública, após cerrado tiroteio, conseguiu transpor o Paranaíba, em direção a Santana, fazendo quatro prisioneiros. Foram feridos dois goianos, levemente; e, gravemente, o soldado Francisco Pinto de Oliveira, que faleceu quando era transportado a essa cidade, sendo enterrado em São Francisco de Sales. O capitão Diniz escreveu-me dizendo o seguinte, sobre nossas forças em operações: É uma tropa muito boa, na qual se sobressaem elementos extraordinários. Em juízo, honra nossa terra e enche-me de orgulho, como comandante de suas tropas em operações”, relata.
A obra de Asmar relata a desmobilização dos líderes ‘militares’ goianos, tal como Câmara Filho e Domingos Vellasco que, por meio de decreto, são dispensados dos postos investidos nas forças goianas ao término do conflito. Digno de nota é o relato da indenização à família do combatente goiano Francisco Pinto de Oliveira, morto durante as escaramuças em território do Mato Grosso. Segundo o autor, “o interventor aprovou requerimento de Maria Joaquina de Jesus, mãe do voluntário morto em combate, pedindo uma pensão”.
Talvez o livro com os mais ricos detalhes da odisseia dos soldados goianos de 32 seja “Goiás de Ontem — Memórias Militares e Políticas”, uma autobiografia de Lindolpho Emiliano dos Passos. Inclusive, tal obra foi magistralmente resenhada n Jornal Opção pelo promotor de Justiça, doutor em História pela UFG, Jales Guedes Coelho Mendonça, em companhia do mestre e doutor em Agronomia pela UFG Nilson Jaime e pelo mestre em História pela UFG e pesquisador Thalles Murilo Vaz Costa.
Origens da guerra
Tendo como lema de campanha a constitucionalização, tradicionalmente, a historiografia traz como principal motivo da insurreição armada dos paulistas o desejo imediato de conseguir a convocação de uma nova Constituinte que, promulgada uma nova Carta Magna, esta, por sua vez, deveria favorecer a autonomia sobre a administração do Estado de São Paulo (bem como as das demais unidades da federação) a qual foi arrancada das mãos paulistas por uma política de orientação centralista posta em prática pelos vencedores da Revolução de 1930.
Nesse sentido, a Revolução de 1932 foi motivada pela ânsia da elite cafeicultora paulista, organicamente reunida do Partido Republicano Paulista (PRP), de reaver o controle dos rumos de São Paulo. Foi uma guerra de verdade, de duas potências que se mobilizaram quase totalmente para o conflito. O confronto armado que mobilizou brasileiros de praticamente todas as regiões foi detonado dentro de um quadro político de grande instabilidade.
Em relação a Goiás, bem como a participação do Estado nesse evento armado, pouco se verifica a respeito na historiografia goiana. O tema é tido como “árido” e sem muita importância, já que os desdobramentos do conflito e seu resultado nada alterou a ordem vigente após 24 de outubro de 1930 (data do triunfo da Revolução de 1930). No entanto, é fato que Goiás enviou tropas para lutar ao lado das trincheiras varguistas contra os constitucionalistas paulistas e, mesmo que diminuta tal participação, o fato não pode ser ignorado.
Frederico Vitor, jornalista, foi repórter do Jornal Opção, bacharel em Comunicação Social em Jornalismo pela Unialfa e graduado em História pela UEG.
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