A lira de Drummond, os desastres de Rio Doce e Paris
16 novembro 2015 às 16h48
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Com 853 quilômetros de extensão, braço forte da maior bacia hídrica da região Sudoeste, o também chamado “Nilo brasileiro”, Rio Doce, foi completamente destruído devido o rompimento de barragens da mineradora Samarco, em Mariana, região central mineira. O Ministério Público do Espírito Santo e o Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Minas Gerais já consideram o leito do Rio morto. Há mais de dez dias, seu curso escoa uma água barrosa, um rio de lama.
Na noite do dia 15 de novembro, Anna Luísa Braga, uma amiga, me lembrou o poema de Drummond, escrito em 1984, cujos versos mais parecem uma triste previsão da morte do Nilo brasileiro. Escrevera Drummond, a “Lira Itabirana”.
I
O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
II
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!
III
A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.
IV
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?
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Na foto de perfil do Facebook, a bandeira brasileira afogada em lama, Anna lamentou em lira sua: “Todo verso que eu sabia/Veio a lama e carregou/No caminho dessas águas/Muita gente afogou/Gente afogou/No caminho dessas águas/Todo verso que eu sabia/Veio a lama e carregou”. Ainda na rede social, vi amigos compartilharem o texto da BBC Brasil, cujo lead trazia o depoimento de Geovani Krenak, líder da tribo indígena Krenak: “Com a gente não tem isso de nós, o rio, as árvores, os bichos. Somos um só, a gente e a natureza, um só (…) Morre rio, morremos todos”.
Se não bastasse o desastre, na sexta-feira, noutro canto do mundo, em Paris, na França, mais de cem pessoas perderam suas vidas e outras quase quatrocentas ficaram feridas devido um atentado terrorista. Nas redes sociais, muitos trocaram suas fotos em solidariedade ao acontecido francês. Muitos levantaram questões quanto ao colonialismo existente, direcionando críticas à ação fotográfica.
Um meme, o qual vi em outra rede social, o Instagram, dizia algo do tipo “o ser humano é o único animal que briga para saber qual catástrofe é maior”. O que me fez pensar sobre as críticas. Por mais que sejamos sim animais racionais, o termo na frase parece ofensivo, pejorativo do ser humano. O fato é que tudo é muito triste. Como a minha espera de resposta de um e-mail que encaminhei a uma amiga francesa, que vive em Paris. Já senhorinha, alguém que me cativa com cartas e telefonemas –– amizade singela, fruto de acaso.
Por fim, me lembrei de outro poema, também de Drummond, o favorito de uma antiga professora de literatura, quando eu ainda estava no ensino médio: “Congresso Internacional do Medo”:
Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.
Assista abaixo o registro fílmico divulgado pelo canal Marcelo Braga – Pingo D’água.