Prefeitura de Goiás aprova lei para beneficiar condomínios ilegais

31 agosto 2023 às 11h41

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A Prefeitura da Cidade de Goiás sancionou uma lei que flexibilza a fiscalização ambiental em áreas de condomínios e lotes em situação de irregularidade. Após aprovação da Câmara Municipal, o prefeito Aderson Gouvea (PT), sancionou a Lei Complementar 07, que altera o ordenamento urbano e ambiental do município. A legislação, aprovada no fim de 2022, tem sido alvo de críticas de ambientalistas, arquitetos, geógrafos, advogados e urbanistas.
Além de favorecer a legalização de condomínios fechados e loteamentos em situação de irregularidade, a lei também desrespeita o processo de atualização do Plano Diretor Municipal. De acordo com a presidente do Instituto Bertran Fleury, a legislação desconsidera princípios básicos do urbanismo e em sua retórica de defesa do meio ambiente, possibilitando justamente o oposto ao facilitar a ocupação com fins urbanos em áreas rurais. Além do Instituto, a Águas do Cerrado da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e uma parte dos cidadãos vilaboenses formalizaram a denúncia ao Ministério Público Federal.
Carlos Augusto Ignácio Campos assumiu a Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Goiás na quarta-feira, 23, após a saída do antigo titular da pasta, Murilo Oliveira, que ocupava a função de Secretário Interino de Meio Ambiente.
Procurado pelo Jornal Opção, Carlos disse “não saber de nada porque assumiu a secretaria semana passada”. Apesar de ter conhecimento da lei, disse que o jurídico poderia falar melhor e encaminhou a reportagem para o departamento. Posteriormente, o jurídico entrou em contato com a reportagem e encaminhou uma nota (confira abaixo).
Carlos Augusto é técnico em agrimensura e está concluindo o curso de agronomia, com ênfase em agroecologia, pelo Instituto Federal de Goiás (IFG Câmpus Goiás). Ele também presta consultoria ambiental para produtores rurais do Município de Goiás e região.
Aprovação da legislação
A legislação foi aprovada, de uma forma apressada, entre o Natal e Ano Novo do ano passado. Cerca de dois vereadores estavam em viagens de fim de ano e não votaram, sendo aprovada pela Câmara a pedido da prefeitura. A lei complementar foi foi analisada por advogados, geógrafos, arquitetos e todos os setores se mostraram contrários a sanção. Apesar da resistência, o prefeito disse que não iria alterar ou revogar o texto.
“Após meses de diálogos e sem nenhuma ação concreta por parte do executivo e do legislativo municipal em revogar, não houve outra alternativa que não fosse denunciar a Prefeitura Municipal ao Ministério Público Federal para buscar a volta da normalidade jurídica e das regras urbanística na gestão do Território Municipal”, explicou a presidente do Bertran Fleury.
Segundo o Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão “Águas do Cerrado (Gwata – UEG), a lei pode provocar um desajuste ambiental e ampliar as dificuldades de acesso à água principiante na área quilombola de cidade. Na área da micro bacia do Pedro Ludovico, por exemplo, que abastece a região da Igreja Santa Bárbara, há empreendimentos imobiliários irregulares e embargados. Com a sanção da lei, eles ficaram livres para continuar ocupando as áreas irregulares.

“A ocupação com fins urbanos desta microbacia, vai gerar uma demanda competitiva por água, na medida que não há possibilidade de ampliação da infraestrutura existente , em razão da ausência de contrato entre a SANEAGO e Prefeitura, bem como pelas dificuldades técnicas de elevação da disponibilidade hídrica por meios sustentáveis na região”.
Parcelamento irregular do solo
O parcelamento irregular de solo é uma prática ilegal de dividir uma gleba de terrenos em lotes menores, sem seguir as legislações de Uso e Ocupação do Solo e sem a aprovação da prefeitura e do cartório de registro de imóveis. Segundo o delegado Bruno Dantas, o crime consiste na aquisição de uma determinada área rural vinculada a algum tipo de impasse judicial ou com restrições. “Em um segundo momento, os autores fracionam a área em lotes menores, sempre inferiores ao módulo rural, e as comercializam, majoritariamente para pessoas com interesse em edificar ranchos e chácaras de lazer”, explicou.

Segundo o Ministério Público de Goiás (MPGO), que deflagrou operação contra o parcelamento irregular do solo, ele deve ser feito condicionado a diversos requisitos e condições adequadas que envolvem: aspectos relacionados ao zoneamento da área a ser parcelada, restrições ambientais, condições de salubridade do terreno, licenciamento e execução dos projetos urbanísticos e de infraestrutura básica.
Embora a Prefeitura Municipal seja a responsável pela aprovação do loteamento, conforme dispõe o Art. 30, inciso VIII da Constituição Federal, outros órgãos estão envolvidos neste processo, a saber: órgão ambiental; companhias de saneamento básico e energia elétrica (SANEAGO e CELG), e órgão de Vigilância Sanitária. O parcelamento deve envolver ainda a Secretaria Municipal de Obras ou outro órgão municipal responsável pela análise e aprovação dos projetos de drenagem urbana e abertura e pavimentação das vias.
Ofício enviado ao prefeito
Ao Excelentíssimo Prefeito de Goiás (GO) Senhor Aderson Liberato Gouvea,
A par de, mais uma vez manifestar cordialidade ao cumprimentar, o Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente e Saneamento Básico de Goiás (CODEMAS), vem, por meio deste, respeitosamente informar que em reunião ordinária ocorrida no dia 26 de junho de 2023, no auditório André Xavier Mundim, foi aprovado por unanimidade o posicionamento contrário Deste Conselho a Lei Complementar nº 07, aprovada em 28 de dezembro de 2022 pela Câmara Municipal de Goiás e sancionada pelo chefe do poder executivo. O entendimento da totalidade dos Conselheiros presentes na referida reunião aponta, entre outros, os seguintes aspectos:
- Da forma de aprovação da Lei Complementar nº 07 de 28 de dezembro de 2022
A. Os conteúdos normatizados na Lei Complementar são de significativos impactos urbano, ambientais e de gestão territorial;
B. Diante das múltiplas implicações dos conteúdos da matéria, aprovada pelo legislativo e sancionada pelo executivo, membras e membros do CODEMAS estranham a ausência de transparência no processo de aprovação da citada Lei;
C. O município de Goiás vivencia o processo de atualização do Plano Diretor, principal instrumento de Gestão Territorial estabelecido e consolidado pela Legislação Urbanística no Brasil. Por Decreto Municipal foi composta Comissão Especial para Elaboração de metodologia e atualização do Plano Diretor, com participação das três Instituições de Ensino Superior existentes na municipalidade (UEG,
IFG e UFG) e membros da comunidade, além de representantes do poder executivo. A aprovação da LC nº 07, foi realizada a revelia do diálogo aberto com a Comissão do Plano Diretor e desconsiderando, principalmente, sua metodologia participativa;
D. A data de aprovação da LC nº 07 (28 de dezembro de 2022), na transição das festas natalinas para o Ano Novo, indicam uma urgência em aprovação da matéria, que não condiz com a dinâmica participativa, sendo a ausência de informação e transparência incompatível com uma gestão Democrática do Território.
- Do conteúdo expresso na Lei Complementar nº 07 de 28 de dezembro de 2022
A. A LC nº 07 cria a chamada Zonas de Urbanização Específica para Chacreamento (ZUEC) alterando o atual Plano Diretor vigente. A ZUEC, pode ser estabelecida a qualquer momento e em qualquer faixa do território municipal, tornando inócuo os esforços pela ordenação territorial do município compatível com critérios técnicos já consagrados;
B. É princípio do ordenamento territorial o enfrentamento aos vazios urbanos que comprometem o uso democrático do solo e encarecem a gestão municipal. A aprovação da LC nº 07 amplia a possibilidade de configuração de novos vazios urbanos, expandindo a demanda por oferta de serviços públicos para além da capacidade financeira do município;
C. Os critérios apresentados pela LC nº 07, para aprovação e início do empreendimento são extremamente frágeis, exigindo por exemplo, somente uma carta de compromisso, por parte do loteador, para efetivação futura de infraestrutura básica.
Diante tais considerações, o CODEMAS solicita a imediata tomada de medidas necessárias para a revogação da LC nº 07 por parte do poder executivo municipal, ao passo que o Este Conselho buscará as medidas legais cabíveis para abolir da legislação municipal esta nefasta Lei. Sem mais para o momento, encerramos com votos de estima e consideração.
O que diz a Prefeitura
Em nota enviada ao Jornal Opção, a Prefeitura Municipal de Goiás declarou que a “Lei Complementar é um instrumento capaz de dar segurança jurídica no tratamento, implantação e fiscalização dos condomínios de acesso controlado” e “não foi criada para beneficiar empreendimentos irregulares”.
Veja abaixo:
“A Prefeitura Municipal de Goiás, por meio da Secretaria de Planejamento, Urbanismo e Captação de Recursos e da Secretaria de Meio Ambiente, informa que a Lei Complementar 07/2022, de autoria do Poder Executivo e aprovada, à unanimidade, pela Câmara Municipal, regulamenta o parcelamento do solo para chacreamento e loteamento fora do espaço urbano, com instalação de condomínios fechados de chácaras, em cumprimento e em conformidade com a Lei Federal n° 6.766/1979, alterada pela Lei nº 13.465/2017.
Este tipo de empreendimento existe há décadas, no Brasil inteiro, e não estava regulamentado pelo Município. A Lei Complementar é um instrumento capaz de dar segurança jurídica no tratamento, implantação e fiscalização dos condomínios de acesso controlado. Frisa-se que a norma não foi criada para beneficiar empreendimentos irregulares e nem tem objetivo de permitir a invasão de áreas de proteção ambiental; muito ao contrário, as regras estabelecidas se associam às leis ambientais vigentes e garantem o controle estrito dessa possibilidade de uso do solo e a correspondente atividade imobiliária.
Os critérios rígidos e exigências contidas na Lei Complementar Municipal abrangem a necessidade de infraestrutura, de sistema de saneamento e tratamento de resíduos sólidos, dentre outras, além de prever que cada projeto de empreendimento passará por avaliação prévia do Executivo, quando são exigidas as garantias urbanísticas e ambientais estabelecidas na referida lei. Apenas se houver aprovação administrativa, o projeto será submetido à apreciação do Legislativo por meio de uma Lei específica para cada possível empreendimento.
Há, portanto, uma série de etapas disciplinadas para a criação de zonas urbanas especiais de condomínios, priorizando a avaliação de impacto e respeitando a legislação correspondente.
O Município de Goiás, ainda, fará regulamentação de procedimentos da Lei Complementar 07/2022, como previsto no próprio texto legal, e permanece à disposição para o diálogo e novos esclarecimentos.”