Levantamentos recentes apontam uma crescente no desmatamento do Cerrado. Dados do Relatório Anual do Desmatamento no Brasil (RAD) de 2023, organizado pelo MapBiomas, mostram que o Cerrado é o bioma mais devastado em todo o País. Os esforços do atual Governo Federal foram capazes de frear a devastação na Floresta Amazônica, entretanto o Cerrado se mostra vulnerável. 

Em entrevista ao Jornal Opção, o diretor executivo da ONG ‘A Vida no Cerrado’, Cayo Alcântara, destaca a importância do bioma ameaçado para a manutenção da rede hídrica de todo o país. “O Cerrado tem um papel indispensável na manutenção da rede hídrica do Brasil”, afirmou ao destacar o título de ‘Berço das águas do Brasil’. Segundo o especialista, o Cerrado abriga oito das 12 maiores bacias hidrográficas do país, além dos aquíferos Guarani e Urucuia. 

“70% da água da bacia do rio São Francisco, que abastece a região nordeste brasileira, vem do Cerrado, e  47% da água do rio Paraná, que vai abastecer a hidrelétrica de Itaipu, também vem do Cerrado”, exemplificou. Caetano destaca também a influência do Cerrado sobre o Pantanal, ligado à bacia do Rio Paraguai . “O bioma tem essa importância para as águas do Brasil e isso é inegável”, reforçou. 

Dano 

Um trabalho do geógrafo Yuri Salmona, que também é presidente do Instituto de Cerrados, aborda a vazão dos rios do bioma. Segundo a pesquisa, os rios do Cerrado já mostram uma redução de 50% de sua vazão comparado há 50 anos atrás. A previsão do trabalho é de que, até 2050, os cursos fluviais do bioma percam até um terço (até 34%) de sua vazão. 

Alcântara afirma que a diminuição do volume das águas já é perceptível e “as consequências disso são drásticas”. O especialista reforça que, devido à ocorrência de eventos climáticos extremos e a intensificação da crise climática, “a tendência é que essa escassez aumente no decorrer do tempo”. 

Existe uma característica na vegetação do Cerrado que é fundamental para a preservação do volume d’água tanto nos rios quanto nos aquíferos: a profundidade das raízes das árvores.  “Elas [raízes] ajudam a água a infiltrar no solo e vão alimentando os lençóis freáticos e esses lençóis freáticos vão dar origem aos rios. Elas também alimentam os aquíferos”. Com raízes que chegam de 15 a 30 metros de profundidade, a capacidade de retenção de água do solo é consideravelmente aumentada. 

Quando postos lado a lado os eventos ligados ao aquecimento global com o desmatamento recorde do Cerrado, a previsão do especialista é pessimista. “Nós estamos prestes a enfrentar maiores eventos climáticos extremos relacionados à escassez, principalmente na região Centro-Oeste do Brasil, mas não só, considerando que esses rios, eles alimentam diferentes partes do país”, afirmou. Importante ressaltar que a diminuição do nível dos rios consequentemente puxa uma redução no volume de chuvas. 

Outro ponto que precisa ser destacado é a rede elétrica brasileira, majoritariamente ligada à questão hidroelétrica, ou seja, uma diminuição no fluxo dos rios e no volume das chuvas vai trazer, consequentemente, queda nos reservatórios das usinas hidrelétricas, trazendo aumento nos valores e possível escassez. 

Agropecuária 

Ao ser questionado sobre possível ligação entre a devastação do Cerrado e a expansão da fronteira agrícola de monocultura intensiva, Alcântara afirma: “essa perda da vegetação nativa tem acontecido principalmente pela exploração predatória da terra, por meio da produção agrícola extensiva no bioma”. Como a maioria das plantações feitas no Cerrado não possuem raízes profundas, como a soja e o algodão, o solo perde sua capacidade de armazenar as águas que vêm da chuva e abastecem os rios aquíferos. 

Um dos grandes dificultadores para a preservação do Cerrado, segundo o especialista, é a própria legislação brasileira. Alcântara faz comparação das leis protetivas na Amazônia e no Cerrado. Enquanto produtores da região Norte devem preservar 80% da vegetação nativa do território, no Cerrado o caso é inverso. “O produtor rural pode desmatar 80% da área e o que tem de preservar ali é 20%”, explicou.  A negligência do código florestal e o desmatamento legal “são os principais motivos do desmatamento aumentar”.

Para o diretor da ONG ‘A Vida no Cerrado’, o aumento da fiscalização na Amazônia não fez o desmatamento sumir, mas o empurrou para outras regiões.

Quando questionado se a preservação ambiental vai na contramão da produção agrícola, o especialista afirma: “existem alguns estudos, inclusive dos próprios representantes do setor agropecuário, que vão dizer que é possível o Brasil no mínimo triplicar a sua produção de commodities agrícolas sem desmatar nem um hectare a mais de Cerrado”. Alcântara afirma que é preciso readaptar a forma de se produzir, mas é possível sim alinhar a produção agropecuária com a preservação ambiental. 

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