A Corregedoria Nacional de Justiça vai apurar a conduta dos desembargadores do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) Silvânio Divino de Alvarenga e Jeová Sardinha no julgamento de um caso de assédio praticado pelo pastor evangélico Davi Passamani contra uma mulher. Para a Corregedoria, os magistrados teriam falado conteúdo potencialmente preconceituoso em relação à vítima, emitindo juízo de valor que extrapolou os limites da análise jurisdicional.

A sessão de julgamento, que foi iniciada no dia 19 de março e concluída na última terça-feira, 26, foi marcada por comentários pejorativos contra a vítima e autora da ação, que denunciou o caso à Justiça. O desembargador Silvânio Alveranga, por exemplo, disse que a jovem denunciante era “sonsa” e expressou descontentamento com o que chamou de “caça aos homens”.

Na decisão pela abertura do procedimento disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, avalia que há necessidade de se investigar, na esfera administrativa, se a atuação dos magistrados afronta ao previsto na Constituição Federal, na Lei Orgânica da Magistratura (Loman) e em regras do próprio CNJ, como a que prevê a aplicação de perspectiva de gênero nos julgamentos.

Com a instauração da reclamação disciplinar, os desembargadores deverão ser intimados para prestarem informações em quinze dias acerca dos fatos aqui narrados.

A reportagem entrou em contato com o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) e o Tribunal disse que aguardará as apurações e a tramitação do processo administrativo e estará à disposição para colaborar e cumprir toda e qualquer determinação do órgão superior.

Relembre o julgamento

Durante o julgamento do processo, o desembargador do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), Silvânio de Alvarenga, sugeriu que a jovem era “sonsa” e criticou o que ele chamou de “proporções bíblicas” e “politização” do processo, além de apontar uma suposta “caça aos homens”. “A ‘moça’ não foi muito sonsa não? No século que a gente tá”, disse.

Alvarenga mudou o voto na sessão dessa terça-feira, 26, garantindo a maioria pela condenação do pastor. No entanto, durante o segundo dia de julgamento da ação, o juiz disse que a vítima teria perdoado o acusado.

Durante o julgamento, o desembargou citou ainda uma suposta prática de empresas norte americanas que pararam de convidar mulheres para as reuniões de confraternização porque eventualmente algumas falas destes homens poderiam ser consideradas agressivas e essas mulheres, sensíveis, poderiam acreditar serem vítimas de violência.

No segundo dia de julgamento, Jerônymo Villas Boas, dedicou-se à análise efetiva das provas e trouxe em sua fala a narrativa dos fatos, mostrando e comprovando que jamais houve envio de fotos ou encontro entre a vítima e o agressor, conforme as provas que estão no processo, que a vítima sofreu danos morais e sofreu investidas contra a sua dignidade sexual pelo seu pastor.

A presidente da Sexta Câmara Cível, desembargadora Sandra Regina Teodoro, apontou a conduta do réu como condenável, remetendo ao caso João de Deus, famoso por ter tido as primeiras denúncias indeferidas. Demonstrou que casos como estes precisam ser combatidos desde o início para evitar que as vítimas sejam expostas a situações ainda piores e que o assédio sexual começa por uma via de assédio moral, em 100% dos casos.

Nota da acusação na íntegra

O julgamento de casos que envolvem a dignidade sexual de pessoas precisa ser julgado a partir dos fatos e provas que fazem parte do processo. Sempre de um ponto de vista técnico, jamais partindo da superveniência do senso comum.

Aliás, desembargadores não fazem parte do senso comum. E têm o dever de afastar seus vieses ceticistas ou crenças demasiadas.

Ao contrário, precisam se guiar estritamente sob a linha da Lei.

O que se percebe nesse caso é que não houve julgamento processual, mas sim um julgamento moral. Posicionando a vítima como colaboradora, para dizer o mínimo, do dano moral sofrido.

Isso é inaceitável.

Enquanto advogada, espero que haja uma análise séria quanto às provas do processo. Enquanto mulher, espero que as falas dos desembargadores sejam corrigidas, já que o contexto misógino contribui pela intimidação de outras vítimas que ainda estão no anonimato.

Não podemos nos conformar com a cultura da violência contra a dignidade sexual de mulheres e meninas.

Já está na hora de termos posicionamentos rigorosos na punição desses crimes.

Temos, urgentemente, que mudar o recado que o mundo está dando à esses crimes!

Não podemos nos acovardar. O Davi Passamani é um violentador, é um agressor. E essa conduta precisa ser penalizado com o que temos de melhor na lei!