Caça de javali: alteração na legislação gera polêmica em Goiás

01 setembro 2023 às 20h15

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O governo federal bate cabeça em relação à permissão de caça a animais exóticos – o principal deles, o javali (espécie selvagem nativa da Ásia, Europa e norte da África). O seu principal predador natural é o lobo-cinzento, que não existe no Brasil. Historicamente, o primeiro registro deste animal na América do Sul foi por volta de 1900 na Argentina. No território brasileiro acredita-se que a invasão aconteceu pela fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai.
Sem predadores, os javalis se proliferaram rapidamente. Diante disso, inúmeras iniciativas foram adotadas para o manejo dessas espécies. A última delas é a caça com arma de fogo, após flexibilização do armamento da população pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Nos últimos anos, o que facilitou a obteção de armas ficou conhecido como registro para Colecionadores, Atiradores desportivos e Caçadores (CACs). Com a mudança de governo, que registrou novamente a comercialização de armamento, houve a transferência de licenciamento para a caça de javalis do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para o Exército. Mas o que isso muda?
Acerca deste assunto, o Jornal Opção ouviu o presidente da Associação Nacional de Caça e Conservação (ANCC), em Goiânia, Daniel Terra. “Na verdade, essa mudança é uma mudança ideológica. Não sai da gestão do Ibama, mas eles usam a questão da regulamentação do Exército, para emitir a guia, para tentar suspender a caça”, sugere.
“O que o Ibama quer na verdade? Eles não querem que haja caça com arma de fogo”, disse. Por outro lado, segundo Terra, o órgão deixou em aberto a caça por armadilhas, o que traria riscos para outras espécies da fauna brasileira. “A armadilha que é caríssima e é um método cruel, porque o animal morre se debatendo. Além disso, ela distingue animais e pode pegar animais silvestres. Isso tudo por uma questão simples: eles não gostam que as pessoas tenham armas”, opina.
O presidente da ANCC elenca que, sem controle, os javalis representam riscos para o meio ambiente, uma vez que se multiplicam como “ratos”. Para o agronegócio, ele lembra que o Brasil busca a certificação de zona livre de febre aftosa sem vacinação. De acordo com Terra, um dos pré-requisitos é que haja o controle dos javalis, que é apontado como parasita e dispersor da doença. “Ele pode contaminar os rebanhos domésticos, tanto suínos como bovinos com a febre aftosa”.
O defensor das caçadas de javalis ressalta que o próprio Ibama considerou que 99,5% de animais exóticos abatidos até o momento foram por meio da caça. Todavia, para o dirigente da ANCC, com a proibição “gerou uma revolta muito grande do segmento agro”. “Eles estão colocando em risco toda a política sanitária brasileira, que é o que fundamenta importância para a exportação de carne, por conta de questões ideológicas, que eles acham que não deveria haver caça,” pontua.
Polêmica foi para o Senado
Com a polêmica, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, se pronunciou, na quarta-feira, 23, que o órgão não suspendeu nenhuma licença de caça ao javali. A afirmação foi feita durante uma audiência na Comissão de Meio Ambiente do Senado, em resposta à indagação do senador Jorge Seif (PL-SC), ex-secretário nacional de Pesca e Aquicultura, entre 2019 e 2022, no governo Bolsonaro.
Agostinho enfatizou que a atribuição de autorizar a caça não pertence mais ao órgão ambiental, mas ao Exército, desde 21 de julho deste ano. Isso seria uma adequação ao Decreto 11.615/2023, que tornou mais restritas as regras para registro, posse e porte de armas de fogo. “Na minha opinião, se a agricultura brasileira realmente quiser controlar a praga, apenas a caça não é uma solução. Em diferentes países, a experiência com armadilhas para capturar o grupo foi muito bem sucedida. Tudo isso será discutido em um novo plano de manejo”, aponta.
O presidente do Ibama entende que os animais são um problema para o meio ambiente. “O javali é um problema, uma espécie híbrida, está espalhado por diversos estados brasileiros. As autorizações [de caça] vigentes continuam mantidas. Não acatamos as autorizações anteriores, mas […] o decreto 11.615, de 21 de julho 2023 passou as autorizações para o Exército Brasileiro. Estamos em tratativas para que a gente possa resolver essa questão”, argumentou.
Acerca disso, Terra esclarece que, embora as licenças anteriores não tenham sido suspensas, elas vencem em seis meses, e por enquanto nada está definido sobre o tema. Ele afirma que em todo o mundo a técnica mais adequada era a utilizada até então. “O método mais eficaz é a caça em qualquer parte do mundo, depois que é declarada nocividade do animal, como foi o caso do javalis, todos os métodos devem ser aplicados”, defende.
“O Estado não pode querer sobrepor um método de controle, que corresponde a 0,5% da efetividade por uma questão ideológica. Não existe uma questão razoável para que se freie o controle de javalis”, acrescenta. Caso siga paralisado o controle destes animais, o presidente da ANCC antecipou que irá responsabilizar judicialmente os agentes públicos por eventuais danos provocados pelos javalis.
Impactos ambientais e sanitários
A capacidade de adaptação dos javalis e a falta de predadores naturais os colocam entre as cem espécies exóticas invasoras do mundo. Essas espécies não devem ser confundidas com o porco exótico. O “caititu” (Pecari tajacu) é marcado por uma faixa de pelos brancos no pescoço, enquanto a “queixada” (Tayassu pecari) apresenta pêlos brancos no queixo, entre outras características. Além disso, os caninos dos javalis crescem curvados para fora do focinho, enquanto nas espécies nativas brasileiras, eles crescem retos. Ambas as espécies nativas devem ser preservadas, conforme estabelece o Plano Nacional de Prevenção do Ibama.
O “javaporco” é um híbrido entre o porco doméstico (Sus scrofa domesticus) e o javali (Sus scrofa). Essa hibridação ocorreu de forma intencional em alguns criadores para a produção de carne. No entanto, os javalis que escaparam de criadores se adaptaram ao ambiente natural, cruzando com porcos domésticos. Essa espécie pode assumir diferentes formas: nativa, doméstica, selvagem e miscigenada.
A Instrução Normativa Ibama nº 03/2013 considera, para fins de controle, uma espécie exótica invasora do javali-europeu (Sus scrofa), em todas as suas formas e graus de cruzamentos com o porco doméstico. Portanto, ambas as espécies (Sus scrofa scrofa e Sus scrofa) são abrangidas por essa instrução normativa.
Como identificar os javalis
Pegadas: as pegadas dos javalis são robustas e incluem marcas de esporões (unhas secundárias), que são distintas de outras pegadas com cascos.
Áreas fuçadas: os javalis têm o hábito de revolver e escavar o solo com o focinho, deixando marcas visíveis no terreno.
Marcação em árvores: os javalis esfregam seus corpos em árvores, deixando seu cheiro como forma de comunicação.
Estragos em plantações: os javalis costumam forragear em bandos e podem causar danos prejudiciais às plantações, principalmente de milho.
Legislação
A Instrução Normativa Ibama nº 03/2013, que declarou a nocividade do javali e regulamenta seu manejo e controle, foi complementada pela IN Ibama nº 12, de 25 de março de 2019. Essas normativas instituíram o Sistema Integrado de Manejo de Fauna (SIMAF) como um sistema eletrônico para relatórios de manejo da espécie exótica invasora javali (Sus scrofa).
O Jornal Opção procurou a comunicação do Ibama em Goiás para se manifestar sobre o assunto, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem. A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), por meio de nota, informou que o governo de Goiás respeita a determinação do governo federal de transferir a prerrogativa de conceder licenças para caça de javalis ao Exército e cita que o Manual de Boas Práticas para o Controle de Javali é uma “excelente ferramenta que atua como uma ponte entre as discussões técnicas-científicas e a população, que contém orientações adequadas para ações de manejo e que ressalta a importância do controle, e da atuação conjunta da população e de diversas instituições”.
Nota da Semad na íntegra
A propósito da solicitação do presente veículo de comunicação, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável responde:
O Governo de Goiás respeita a determinação do governo federal de transferir a prerrogativa de conceder licenças para caça de javalis ao Exército.
Devido ao aumento na distribuição de javalis no território nacional e à crescente ameaça aos ecossistemas, o Ibama declarou a nocividade dessa espécie em todo Brasil em 2013.
Em 2016, foi elaborado o Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Javali no Brasil, de forma participativa, objetivando estabelecer ações para conter a expansão territorial e demográfica da espécie no País, além de reduzir os seus impactos.
As ações do Plano Javali são realizadas de forma conjunta por diferentes entidades, como órgãos governamentais do meio ambiente e de agricultura, pesquisadores, produtores rurais e controladores.
Após anos de discussão, foi elaborado pelo Ibama, órgão ambiental responsável pela gestão de espécies exóticas, o Manual de Boas Práticas para o Controle de Javali, excelente ferramenta que atua como uma ponte entre as discussões técnicas-científicas e a população, que contém orientações adequadas para ações de manejo e que ressalta a importância do controle, e da atuação conjunta da população e de diversas instituições.
Recomendamos a leitura do documento, presente no link: <https://www.gov.br/ibama/pt-br/assuntos/biodiversidade/especies-exoticas-invasoras/arquivos/javali/2020/2020-12-17-Manual_do_Javali_Digital.pdf>
Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – Governo de Goiás