Antônio Caiado*

A história da espionagem internacional é rica em tramas que parecem saídas diretamente de romances de ficção. No entanto, os erros e os triunfos dos serviços de inteligência, especialmente entre as superpotências como os Estados Unidos e a Rússia, têm consequências reais e profundas para a segurança global e a política internacional. Ao examinar os erros históricos dos serviços de inteligência russos, desde o período soviético até os dias atuais, e contrastá-los com as eficiências da inteligência dos Estados Unidos, podemos obter insights valiosos sobre a dinâmica do poder global e as capacidades estratégicas de ambas as nações.

A União Soviética era notória por seu aparato de espionagem extenso e eficaz durante a Guerra Fria. No entanto, essa eficácia veio acompanhada de várias falhas notáveis. Um exemplo emblemático foi a incapacidade do KGB, o principal serviço de segurança soviético, de prever a queda do Bloco Soviético e o subsequente colapso da União Soviética. Essa falha de inteligência destacou uma incapacidade crítica de avaliar corretamente as condições socioeconômicas e políticas dentro do próprio bloco soviético.

Mas nos últimos anos, a Rússia viu suas operações de inteligência na Europa sofrerem revezes notáveis, marcados por expulsões em massa e exposições comprometedoras. A tentativa mal-sucedida de envenenar Alexei Navalny, um crítico ferrenho do Kremlin, destaca não apenas a ousadia das operações de inteligência russas fora de suas fronteiras, mas também suas falhas em executar planos sem deixar rastros evidentes. A revelação de que agentes do FSB utilizaram uma substância como o Novichok, e a subsequente exposição pública dessa tentativa, enfraqueceu a posição da Rússia no palco internacional, provocando condenação e aumentando as tensões com o Ocidente.

Além disso, a comunidade de inteligência russa enfrentou um golpe significativo com a expulsão de aproximadamente 600 oficiais de inteligência de embaixadas em toda a Europa, um reflexo direto da deterioração das relações entre a Rússia e o Ocidente. Essas expulsões não apenas reduziram a capacidade operacional da Rússia no exterior, mas também serviram como um sinal claro do isolamento crescente do país no cenário mundial. A exposição de “ilegais” — oficiais de inteligência operando sem cobertura diplomática — adicionou outra camada de complicação, revelando a extensão e a profundidade das operações de espionagem russas na Europa.

Por outro lado, além das operações de espionagem na Europa, os serviços de inteligência russos também têm sido acusados de tentativas de influenciar as eleições presidenciais dos Estados Unidos, um esforço que representa uma expansão significativa de suas operações de influência global. Essas ações, particularmente evidentes nas eleições de 2016, envolveram uma combinação de ciberataques, disseminação de desinformação e exploração de plataformas de mídia social para semear discórdia e influenciar a opinião pública. A comunidade de inteligência dos EUA concluiu unanimemente que a Rússia orquestrou uma campanha de interferência com o objetivo de prejudicar a candidatura de Hillary Clinton, favorecendo Donald Trump. Esse episódio não apenas exacerbou as tensões entre Moscou e Washington, mas também levou a uma maior vigilância e a medidas de contrainteligência por parte dos Estados Unidos e seus aliados. A tentativa de manipular o processo democrático americano ilustra uma abordagem mais ampla e sofisticada da guerra híbrida por parte da Rússia, visando enfraquecer a coesão interna e a posição global de seus adversários, marcando uma era de confronto indireto, mas profundamente impactante, na espionagem internacional.

Contrastando com os percalços russos, a inteligência dos Estados Unidos, liderada pela CIA, tem demonstrado uma notável capacidade de adaptação e inovação. Desde os dias da Guerra Fria, a CIA tem sido fundamental na coleta de informações que moldaram decisões políticas e militares americanas. Um dos seus maiores triunfos foi a capacidade de conduzir operações de vigilância que levaram à descoberta de mísseis soviéticos em Cuba, precipitando a Crise dos Mísseis de Cuba de 1962.

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No século XXI, a CIA adaptou-se à era digital com avanços significativos em ciberespionagem e vigilância global, destacando sua capacidade de coletar uma vasta gama de inteligência estratégica e tática. A operação que levou à localização e eliminação de Osama bin Laden em 2011 é um testemunho da precisão e eficácia da inteligência dos EUA.

Não obstante, a inteligência dos Estados Unidos continua a enfrentar seus próprios desafios, incluindo a proteção de informações sensíveis e a adaptação a um mundo onde ciberataques e guerra de informações se tornaram ferramentas predominantes. O sucesso da CIA e de outras agências de inteligência dos EUA no futuro dependerá de sua capacidade de inovar e de se manter à frente dos adversários em um ambiente de segurança internacional cada vez mais complexo e interconectado.

Para usar uma metáfora muito conhecida, podemos afirmar que a rivalidade entre os serviços de inteligência dos EUA e da Rússia é como um eterno jogo de xadrez glogal. Enquanto a Rússia busca superar os erros do passado e ajustar suas estratégias para o futuro, os Estados Unidos continuam a aprimorar suas próprias capacidades de inteligência. A história da espionagem entre essas duas grandes potências não é apenas uma narrativa de falhas e sucessos, mas também uma lição sobre a importância da adaptação, da inovação e da compreensão profunda do jogo global de poder.


*Antônio Caiado é brasileiro e atua nas forças armadas dos Estados Unidos desde 2009. Atualmente serve no 136º Maneuver Enhancement Brigade (MEB) senior advisor, analisando informações para proteger tropas americanas em solo estrangeiro.

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Antônio Caiado | Foto: Acervo Pessoal