Antônio Caiado*

A recente escalada de tensões entre a Venezuela e a Guiana sobre a região do Essequibo, rica em recursos naturais, tem atraído atenção global. O referendo na Venezuela indica uma possível mudança nas dinâmicas geopolíticas da região, com implicações que transcendem as fronteiras dos dois países. Este artigo examina a situação sob a perspectiva dos interesses dos Estados Unidos como defensores da liberdade no continente americano, a possibilidade de uma intervenção ocidental para derrubar o regime de Nicolás Maduro, e o papel da ONU e do Direito Internacional Público na resolução desta disputa.

A disputa territorial pelo Essequibo, representando cerca de 75% do território da Guiana, é um litígio centenário com raízes coloniais e implicações geopolíticas complexas. A Venezuela reivindica o território com base em um histórico colonial espanhol, enquanto a Guiana mantém a administração da região, apoiada por um Laudo Arbitral de 1899, considerado fraudulento pela Venezuela​​.

Em um referendo recente, a população venezuelana votou majoritariamente a favor da reivindicação do Essequibo. O ditador Nicolás Maduro incentivou a aprovação, apresentando o referendo como um marco histórico. Contudo, a Guiana, apoiada pela decisão da Corte Internacional de Justiça, rejeita a legitimidade deste referendo e reforçou sua segurança na fronteira​​​​​​.

Foto: Acervo Pessoal

Sob a administração Biden-Harris, os EUA têm se posicionado como garantidores da liberdade e da democracia no continente americano. A Estratégia de Segurança Nacional dos EUA visa construir uma coalizão de nações que compartilham desses valores, competindo com potências que oferecem visões contrárias. A situação no Essequibo, particularmente considerando a recente descoberta de petróleo e as ambiciosas projeções econômicas para a Guiana, coloca a região como um ponto estratégico para os interesses dos EUA​​​​.

Além disso, devemos levar em consideração que a presença da ExxonMobil e outras empresas americanas na Guiana é um ponto crítico para os EUA. Operando no país desde 2015, a ExxonMobil já descobriu o equivalente a mais de 10 bilhões de barris de petróleo. Levando em conta que a Guiana possui um território pequeno e menos de 1 milhão de habitantes, toda essa riqueza permitirá o país sul-americano se tornar uma verdadeira potência no continente.

Segundo um relatório do governo americano, a economia da Guiana, que figurava como o terceiro país mais pobre do hemisfério ocidental, está crescendo a um ritmo vertiginoso. Em 2021 foram 19.9% e no ano seguinte, 2022, o país bateu o recorde de país com maior crescimento econômico com 62.3%! A proteção desses investimentos é vital tanto para os interesses econômicos e estratégicos americanos quanto para a própria Guiana. Evidentemente, isso despertou a ganância do regime de Maduro.

De acordo com o plano estratégico de defesa dos EUA, qualquer apoio militar à Guiana em um conflito com a Venezuela dependeria de várias considerações, incluindo tratados internacionais, a dinâmica do conflito e os interesses de segurança nacional dos EUA. Em um cenário de guerra, os EUA poderiam considerar uma gama de opções, desde apoio logístico e inteligência até intervenção direta, sempre alinhados com os princípios do Direito Internacional. Mas levando em conta o efetivo militar da Guiana, que segundo dados da CIA é de 3 mil homens somente, este país seria uma presa muito fácil para um suposto ataque de tropas venezuelanas e precisaria, em vista disso, de apoio de tropas americanas para fazer frente à Venezuela, que tem até 150 mil militares na ativa.

Contudo, a China, que tem algumas empresas e investimentos substanciais na Guiana, especialmente em infraestrutura, provavelmente evitará o envolvimento direto em um conflito armado. A ideia é que a Guiana esteja integrada no projeto chinês da “Nova Rota da Seda”, conhecido como BRI (Belt Road Initiative). A estratégia chinesa tem sido historicamente de não-intervenção e foco no desenvolvimento econômico. Neste caso, Beijing poderia atuar como mediador diplomático, buscando preservar seus interesses econômicos e promover estabilidade regional.

Além da relevância territorial, a disputa pelo Essequibo reflete um descontentamento mais profundo da população venezuelana com o regime de Maduro. A alta taxa de aprovação no referendo pode ser vista não apenas como um apoio à reivindicação territorial, mas também como um clamor por mudança e uma possível abertura para uma intervenção externa. Analistas políticos consideram o referendo como uma manobra de Maduro para consolidar apoio interno em um momento de crescente pressão política​​​​. Devemos sempre lembrar o estado de calamidade no qual se encontra a Venezuela desde a tal “revolução” bolivariana que jogou milhares de venezuelanos na miséria e perseguiu a oposição.

Foto: Acervo Pessoal

Caso Maduro perca o poder, seja por intervenção externa ou descontentamento interno, seu futuro seria incerto. As possibilidades incluem exílio, prisão ou até mesmo tentativas de manter uma posição política dentro ou fora da Venezuela. A queda de Maduro também poderia levar a uma transição política na Venezuela, com implicações regionais significativas.

Por fim, a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Direito Internacional Público desempenham um papel crucial na resolução de disputas territoriais como a do Essequibo. A Corte Internacional de Justiça (CIJ), órgão judicial da ONU, já emitiu ordens para que a Venezuela se abstenha de ações que alterem o status quo na região disputada. Este posicionamento da CIJ reflete os princípios do Direito Internacional Público, que busca a resolução pacífica de conflitos e o respeito às decisões judiciais internacionais. A ONU, através de seus mecanismos diplomáticos e legais, pode oferecer uma plataforma para negociações e mediações entre as partes, promovendo uma solução pacífica baseada no respeito mútuo, soberania e integridade territorial.

Certamente, a situação no Essequibo é complexa e multifacetada, envolvendo disputas territoriais, aspirações democráticas e interesses geopolíticos estratégicos. Os Estados Unidos, na sua busca por reforçar a democracia e a liberdade, podem encontrar uma oportunidade para ampliar sua influência na região, apoiando ao mesmo tempo a Guiana e os venezuelanos. Paralelamente, a ONU e o Direito Internacional Público oferecem mecanismos para uma resolução pacífica e justa da disputa, destacando a importância da diplomacia e do respeito às normas internacionais. A estratégia dos EUA, juntamente com o papel da ONU e o não-envolvimento militar da China, será decisiva para as futuras dinâmicas de poder na região.

Antônio Caiado | Foto: Acervo Pessoal

Antônio Caiado é brasileiro e atua nas forças armadas dos Estados Unidos desde 2009. Atualmente serve no 136º Maneuver Enhancement Brigade (MEB) senior advisor, analisando informações para proteger tropas americanas em solo estrangeiro.

@oantoniocaiado
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