Polarização, barganha política e troca de cargos: ninguém aguenta mais
11 novembro 2023 às 12h26
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Desde o descobrimento do Brasil, o mandonismo, coronelismo, clientelismo, patrimonialismo e o feudalismo marcam a política brasileira. As marcas são tão profundas e estruturais que reformas já parecem soluções obsoletas. Você remodela algo quando vê que dá para aproveitar a base, sendo necessário somente alguns ajustes. Na política brasileira, é necessário derrubar tudo e construir de novo.
Aprovou-se uma reforma nesta semana, mas outras ainda são fundamentais, como a agrária, por exemplo. Aos parlamentares, é preciso ensinar o básico: política não deve ser troca de interesses, mas serviço à população. A boa política não deve ser feita somente em época eleitoral. Ainda essa semana também, o Plenário aprovou uma lei que proíbe militares de emitirem opiniões usando símbolos da corporação, legislação essa que deveria ser estendida também aos representantes da tal democracia “representativa”.
Os parlamentares brasileiros precisam entender que não interessa à população o que eles acham de seus colegas, com quem dormem ou quais números apertaram nas urnas. A guerra entre Israel e Palestina não deve ser assunto de plenário para servir ao ódio e às polarizações. Opiniões ideológicas e confusas de quem não é da área da educação sobre o Enem não são necessárias. O que a população quer saber, de fato, é quando o País vai sair do mapa da fome. O que interessa à sociedade são políticas públicas nas áreas da saúde, educação, segurança, cultura, moradia e meio ambiente. É inaceitável que sessões continuem sendo encerradas constantemente por picuinha entre os congressistas. Talvez fosse mais necessário a presença nos gabinetes, onde a boa política é feita, do que nas redes sociais. Quando decidirem ir às sessões, deveriam ficar até o final e ouvir seus colegas, porque a política também se constrói assim: no respeito às diferenças.
O Brasil é um dos países mais diversos do mundo e há muito tempo rótulos reducionistas não representam a população. O mundo não se resume em bem e mal, esquerda e direita, 8 ou 80. A existência é complexa. O Brasil parece dividido, mas há aqueles que não se sentem parte de nenhum lado. “Esquerda de lá, direita de cá, e o povo segue firme tomando no centro”, foi o que disse o rapper Djonga em “Favela Vive”, representando boa parte da população, que também não se sente representada pela política. O pluripartidarismo no Brasil está em vigor desde 1979. A estratégia de quem está no poder sempre foi fragmentar e dividir os oprimidos, porque assim, são mais fracos. Para além do slogan, é preciso viver primeiro a união e, depois, a reconstrução. Não se une na polarização e não se reconstrói no fomento às velhas políticas. As indicações aos cargos não devem ser meramente políticas e movidas por interesses, mas precisam ser técnicas e representativas. Uma sociedade majoritariamente feminina, negra e diversa precisa ser representada nas funções do alto escalão. Não se pode retirar do poder mulheres com currículo para colocar no lugar mais um fantoche do centro.
Outro rapper, um pouco mais conhecido, Mano Brown, integrante do Racionais Mc’s, também já havia dito em 2018. “Tem que voltar para a base”. É importante saber para onde se vai, mas é imprescindível não se esquecer de onde se veio. As políticas públicas precisam ser construídas PARA quem e POR quem necessita delas. Quem não conhece o Sistema Único de Saúde, não poderia falar sobre saúde. Quem nunca andou em um transporte coletivo, deveria ser proibido de falar sobre mobilidade. Quem nasceu em berço de ouro e nunca precisou fazer um planejamento financeiro na vida, não é a melhor pessoa para falar sobre economia. Quem desconhece os colégios públicos brasileiros e a precariedade do ensino, não pode falar sobre educação no Brasil.
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“Os ricos farão de tudo pelos pobres menos sair de suas costas”, disse o escritor russo Liev Tolstói (1828-1910). Anos correram sobre anos e a realidade continua a mesma. Apesar do importante avanço da Lei de Cotas, promulgada em 2012, os cargos de poder ainda são ocupados, em sua maioria, por homens brancos e ricos. E não há problema em ser homem, branco ou rico, o problema é não reconhecer que, na corrida da vida, você largou na frente de muitos. Aprendi ainda na faculdade que não se “dá voz a alguém”. Durante a disciplina de Direitos Humanos, ministrada magistralmente pela professora Luciene Borges, entendi que as pessoas têm suas próprias vozes. Não se tenta ser intérprete da história de alguém. Em meio ao ódio, intolerância e mentira, deve-se permanecer o amor e o diálogo, por mais difícil que possa parecer.
Uma pessoa que desconhece seu País, sua história e sua população não deveria, de maneira alguma, representar o Brasil politicamente. Alguém que interrompe a fala de um colega parlamentar, tumultua sessões e desrespeita a democracia, não deveria sequer ser chamado de político. Para não só reclamar, mas também indicar soluções: aponto para Eduardo Suplicy. Político há 45 anos, raramente deixa de atender uma ligação. É atento aos pedidos daqueles que mais precisam e nunca abandonou a boa política. E apesar de homem, branco e rico desde criança, Suplicy entende as demandas da população pobre e marginalizada. Por que? Sempre buscou ouvi-los. Não faz política somente em época eleitoral.
Mandonismo, coronelismo, clientelismo, patrimonialismo e o feudalismo
Com o desenvolvimento do comércio e das cidades, a partir do século XII, o feudalismo foi perdendo as forças e acabou. No entanto, nasceu um neofeudalismo, assim como se reformularam também a colonização, a escravidão e o racismo. Apesar dos novos moldes, as violações são as mesmas. Apesar de jovem na política, o deputado estadual Renato Freitas também é um bom exemplo a ser citado na luta pela população mais pobre. Recentemente, demonstrou como a sociedade brasileira ainda vive o feudalismo de forma estrutural. No sistema feudal da Idade Média, na Europa, existiam as grandes propriedades de terra, chamadas de feudos, que pertenciam aos senhores feudais, defensores da mão de obra dos vassalos (trabalhadores). Esses agricultores trabalhavam em troca de moradia. O que acontece hoje é semelhante, apontou o deputado Renato Freitas. A maioria da população vive com um salário mínimo, do qual a maior parte é destinado à moradia (aluguel), e recebe pela mão de obra oferecida aos detentores dos meios de produção. Os trabalhadores sobrevivem com o básico e a sociedade ainda é estratificada, isto é, há pouca mobilidade social. Os ricos ficam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais miseráveis. O Brasil não aceita mais um sistema feudalista.
Já o termo patrimonialismo na política refere-se a um estilo de governança em que o Estado é tratado como propriedade privada dos líderes políticos, que o utilizam para beneficiar a si mesmos, seus familiares, amigos e aliados. O conceito está associado à ideia de que o aparato estatal é utilizado como um patrimônio pessoal, em vez de ser gerido para o bem comum.
O clientelismo refere-se a uma prática em que políticos estabelecem relações de troca de favores e benefícios com indivíduos ou grupos específicos em troca de apoio político. Esse fenômeno muitas vezes envolve a distribuição de recursos, empregos públicos, serviços ou outras vantagens em troca de lealdade política, votos ou apoio contínuo. Pode também ser chamado de troca de favores políticos.
O coronelismo no Brasil aconteceu durante o período da República Velha, de 1889 a 1930. Os coronéis eram, frequentemente, proprietários de grandes extensões de terra e exerciam uma influência significativa sobre a população local. Essa influência estendia-se não apenas à esfera política, mas também à econômica e social. Os coronéis detinham controle sobre as atividades políticas locais, manipulavam eleições, distribuíam favores e recursos, e exerciam um poder quase patriarcal sobre as comunidades em que estavam inseridos.
A expressão mandonismo na política brasileira refere-se a um comportamento ou estilo de liderança caracterizado pelo autoritarismo, controle excessivo e uma tendência para impor decisões de maneira dominante. Isso pode envolver líderes políticos que exercem um poder centralizado, muitas vezes desconsiderando processos democráticos ou participativos. Para estes, é importante lembrar: o Brasil é uma democracia representativa.
A população evoluiu, o acesso a tecnologia e à informação foi facilitado. O Brasil reduziu em 4,3 pontos percentuais o número de analfabetos. A política deve evoluir junto e as velhas práticas devem ficar no passado. “O capitalismo, em termos filosóficos, se acopla ao dado humano mais fundamental que é a ganância e consegue engolir todas as bandeiras”, escreveu Jessé Souza sobre a elite brasileira. O escritor, sociólogo e advogado complementa dizendo que a elite não odeia os pobres “ela tem uma indiferença blasé, quer o dinheiro dela e pronto. Mas uma parte da classe média tem, sim, uma relação de ódio com o pobre”.
Porque, no final das contas, a luta sempre foi e sempre será de classes.