Ex-presidente do Goiás diz que denúncias contra ele — movidas por pessoas do clube — foram infundadas. Em tempo de Copa do Mundo, ele questiona as críticas ao evento  

Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Ninguém (ou pouca gente) contesta: no trabalho direto com futebol, não houve em Goiás nenhum dirigente à altura de Raimundo Queiroz. Polêmico e contestado, ele está de volta a Goiânia, após um trabalho bem-sucedido no Vitória (BA). Encontra-se em uma situação intrigante: é alguém que seria interessantíssimo — o melhor nome até — para dirigir o futebol de qualquer clube da capital. Ocorre, porém, que não está em condições de voltar ao Goiás, clube do qual é torcedor desde a infância e o qual chegou a presidir por quatro anos, por questões políticas que acabaram virando caso de polícia; por outro lado, ele mesmo não coloca como viável a possibilidade de assumir a gerência do Vila Nova ou do Atlético, pelo fato de que, apesar de ser um profissional da área, não se sentir à vontade para estar em um rival de seu clube do coração. Goiano de Iaciara, no Nordeste goiano, ele entrou no futebol por desenvolver em si a aptidão desde quando resolveu bancar um time de crianças com o nome da empresa que tinha. Acabou virando um grande diretor de futebol do maior clube da capital e protagonista de façanhas em transações, como trazer o trio Araújo, Josué e Marquinhos do interior de Pernambuco para se tornar um dos maiores investimentos da história do Goiás — os dois primeiros chegaram à seleção e Josué participou da Copa de 2010. Raimundo Queiroz se sente aliviado com o encaminhamento positivo dado ao processo de que é réu na Justiça, movido por ex-colegas de clube e no qual se sente injustiçado. Guarda uma mágoa de tal forma que é difícil extrair isso nas perguntas. Mas também parece não quer mexer mais nas feridas, embora não corra dos questionamentos nesta entrevista ao Jornal Opção.

Cezar Santos — O Goiás Esporte Clube viveu alguns dos melhores anos de sua história com o sr. fazendo parte do comando, como diretor de futebol ou presidente. Mas, algum tempo após o sr. deixar a direção, vieram acusações seriíssimas contra sua pessoa, por parte de outros dirigentes. O que ocorreu?

Não sei, não tenho explicação para isso. Inclusive, o próprio Jornal Opção colaborou para isso, publicando uma matéria sem muito critério, deselegante, me permitam dizer. Nem me entrevistaram e colocaram apenas uma versão, não verdadeira. Publicaram na capa do jornal a foto de um cheque, que era de um empréstimo que eu tinha feito junto ao banco, em meu nome, para pagar coisas do Goiás. Depois, peguei o dinheiro de volta, nominal para mim, conforme tem de ser. Paguei os empréstimos e isso não sou eu quem está falando, no processo estão apresentados os documentos comprobatórios. A pessoa maldosa que fez isso comigo pegou a cópia desse cheque no Goiás ou no banco e repassou ao repórter. Então o jornal publicou a reportagem sem me ouvir. Nem mesmo depois de publicado, o jornal me procurou para que eu pudesse apresentar minha defesa, que seriam os contratos do empréstimo que eu fiz junto ao Bradesco para servir ao Goiás, o valor dos juros que o banco cobrou e o retorno dele com os mesmos valores de juros, nas mesmas condições, inclusive “batendo” os dias — ou seja, toda a transação, eu pegando o dinheiro, o crédito na minha conta, a transferência para a conta do Goiás. Então, se apresentassem o cheque e depois apresentassem, como defesa, os extratos e os contratos dos empréstimos, as taxas de juros cobradas, aí não teria nenhum problema.

Cezar Santos — Sua queixa vai ficar registrada e será publicada na íntegra no jornal. Mas volto a fazer a pergunta, então: por que os homens que ficaram no Goiás depois de sua saída armaram esse tipo de situação para o sr.?

Depois desse caso, conforme relatei, sobre o cheque publicado, houve o início de tudo o que ocorreu, com as pessoas buscando meios não muito lícitos para me prejudicar. Mas o porquê realmente eu não sei. Até hoje eu não tenho essa resposta. Cezar Santos — Eles tinha medo de que o sr. voltasse ao clube? Eu não sei. Levaram a uma delegacia uma denúncia infundada e o delegado, o dr. Manoel Borges [titular do 8º DP], não foi correto em seu lado profissional, porque divulgou uma acusação contra mim sem fundamentar, com base apenas no que lhe apresentaram, sem ao menos me ouvir. Ele fez uma divulgação pela mídia que foi terrível para mim. Eu então fui lutar para me defender e mostrar a verdade. Mas eu gostaria que vocês tivessem acesso ao relatório final e o divulgassem.

Clique aqui para ter acesso à íntegra do relatório final do inquérito:

Arquivo 1
Arquivo 2
Arquivo 3
Arquivo 4

Elder Dias — E o que tem nesse relatório?

É o relatório do delegado Gilberto Ferro, que sucedeu ao dr. Manoel no inquérito, apresentado em outubro de 2011. Lá ele cita que todos os atos do ex-presidente do Goiás, Raimundo Joaquim Queiroz, quando na direção do clube, foram institucionais.

Elder Dias — Então, hoje, como está a situação policial do caso?

Foi finalizada naquele mês de 2011, com a remessa dos autos à Justiça incluindo esse relatório. O que está no inquérito é que todos os meus atos como presidente foram feitos de forma institucional. Diz também que, se o Goiás quisesse entrar com alguma questão na Justiça, fez da forma errada: o que o delegado diz é que teria de ter sido por uma ação cível e não criminal. Tudo começou com a citação de 120 itens para o conselho fiscal do Goiás e terminou com apenas três hoje no Ministério Público, onde o processo está com o terceiro promotor. Ou seja, na área policial foi tudo concluído; no conselho fiscal do Goiás, nada ficou provado também. Agora aguardamos o trabalho da Justiça.

Relatório final do inquérito: delegado optou por não indiciar Raimundo Queiroz
Relatório final do inquérito: delegado optou por não indiciar Raimundo Queiroz

Elder Dias — E o que são esses três quesitos que sobraram?

Um é relativo à doação de títulos de sócios-proprietários, que tem a ver com o conselho deliberativo e não com o presidente executivo; outro diz respeito ao empréstimo realizado junto à empresa JF, que entrou na conta do Goiás como “depósitos diversos” — e então, fica a pergunta, se esse dinheiro não era da JF de quem era esse dinheiro?; e também a questão do empréstimo no Bradesco, que foi feito em meu nome e repassado ao Goiás, que questionam a taxa de juros. Como eu já disse, tudo isso é infundado. No fim de tudo, não existe mais a denúncia, apenas o Estado, por meio do promotor, segue a averiguação para conclusão do processo. Ou seja, resumindo: nada ficou provado contra mim nem contra qualquer membro de minha diretoria.

Elder Dias — Sabemos que há uma mão de ferro no clube, que funciona contra quem não esteja de acordo com sua cartilha. É uma mão pesada, principalmente politicamente, dentro do clube. Quando o sr. ousou voltar à presidência disputando a eleição contra o candidato da situação apoiado por essa “mão de ferro”, no fim 2008, de certa forma não provocou um tipo de reação que, por sua vez, desencadeou-se de tal forma a acabar como um caso policial?

Tudo aquilo que aconteceu nos últimos anos trouxe alguma coisa, de certa forma.

Cezar Santos — Como está sua relação hoje com a cúpula atual do Goiás?

Depende. Em parte, está muito boa, sem qualquer restrição. Com outra parte, não tenho nenhuma amizade, nenhuma proximidade.

Elder Dias — E sua relação com a família Pinheiro [Hailé Pinheiro, presidente do conselho deliberativo, é o maior dirigente do clube], como se encontra?

Como sempre foi, sem muita proximidade. Nunca tive relação nenhuma com a família Pinheiro. Minha relação era com Hailé Pi­nheiro. E não era relação de família, mas de trabalho, pelo clube. Isso, então, para mim, não alterou muita coisa.

Elder Dias — Fora do clube o sr. não teve relação de aproximação com os Pinheiros, de ser amigo de “levar em casa”?

Com Hailé e sua família, sim; com outras pessoas, fora do núcleo dele, não.

Cezar Santos — O sr. deixou o Goiás para trabalhar na Bahia, no Esporte Clube Vitória. Dá para traçar uma comparação entre o futebol baiano e o daqui?

É mais ou menos similar. São duas regiões com futebol muito nivelado, estruturas bem próximas e clubes semelhantes no tamanho. A torcida é mais ou menos igual e o futebol é menos valorizado em relação ao do Eixo Rio São Paulo tanto na Bahia como em Goiás. Não é nada muito diferente.

Elder Dias — O Vitória nunca teve um título nacional importante e tem até um apelido irônico, “Vicetória”, por causa disso. É um clube revelador de jogadores — como Bebeto, Dida, Edilson, Vampeta, entre outros — e fora dos grandes centros. São coisas semelhantes ao Goiás. O que mais há de similar entre ambos?

Ambos tem uma boa estrutura, uma boa sede. A forma de trabalho e a ambição de crescimento são também semelhantes, bem como o lado político, tem um grupo de oposição e um grupo de situação, do comando. Fiquei lá por dois anos desta última vez — da primeira vez, em 2009, fiquei lá por seis meses, fomos campeões baianos e depois vim embora, por conta justamente do acirramento político na época —, pegando o time na Série B do Brasileiro, com a torcida bastante magoada com a diretoria. Acaba­mos subindo para a Série A em 2012 e fizemos uma campanha muito boa em 2013 nessa competição, além de termos sido campeões baianos. conexao.qxd

Elder Dias — Pelo que o sr. conhece, quem hoje estaria mais perto de um título nacional, Goiás ou Vitória? 

São forças muito iguais, muito similares. Tanto é assim que no Cam­peonato Brasileiro do ano passado um chegou em 5º (Vitória) e outro em 6º lugar (Goiás). Neste ano, novamente, mal começou o novo campeonato e ambos estão novamente com campanhas parecidas. Parece até que, como saí de ambos, deixei filosofias de trabalho parecidas que colaboram para isso (risos).

Cezar Santos — O sr. hoje se considera um dirigente profissional no mundo do futebol? Se o sr. recebesse uma proposta dos rivais do Goiás — ou seja, do Atlético ou mesmo do Vila Nova —, se disporia a estudar essa possibilidade de forma isenta de paixão?

Eu me considero um profissional. Mas, mesmo se aparecesse um convite de qualquer equipe daqui de Goiânia que não fosse o Goiás para eu trabalhar, dificilmente eu aceitaria. Eu não digo que não pensaria, poderia até dizer que consultaria o travesseiro, mas minha intenção seria não aceitar de forma alguma. Digo isso porque, como torcedor do Goiás, para mim seria algo muito difícil e também uma traição à torcida e à minha origem. E, com tanto futebol por aí no Brasil e tanto por se fazer, talvez seria também dar um tiro no pé. Não é que os clubes não mereçam: eles têm o meu respeito. É apenas uma questão de princípios em relação ao clube em que cheguei à presidência. Não seria nada elegante.

Elder Dias — O sr. chegou um dia a elogiar em público a torcida do Vila. Mexeu com as emoções de ambos os lados: tanto esmeraldinos como vilanovenses nunca esqueceram esse episódio, ficou marcado dos dois lados. Como é trabalhar com esse lado da paixão dos torcedores?

Isso foi um momento de fraqueza do meu lado torcedor, no início de meu primeiro mandato.

Cezar Santos — Fraqueza ou franqueza?

(risos) Fraqueza mesmo. Mas, por outro lado, não é possível deixar de respeitar e ser franco com os simpatizantes dos nossos coirmãos do Vila; mesmo menores, as torcidas do Atlético e do Goiânia, todos merecem respeito. Em se tratando do episódio, foi mesmo uma fraqueza de minha parte e já me desculpei com a torcida esmeraldina.

Frederico Vitor — O Vila Nova é o maior rival do Goiás, isso é inquestionável. Mas passa por uma má fase já crônica, que parece interminável. Essa rivalidade definhada acaba interferindo no desempenho e no desenvolvimento do próprio Goiás?

Isso ocorre em qualquer lugar onde haja uma rivalidade nessa situação. A fraqueza de um prejudica o outro. No tempo em que fui diretor de futebol e presidente do Goiás, fomos 12 vezes campeões [oito campeonatos goianos, três títulos da Copa Centro-Oeste (de 2000 a 2002) e a conquista da Série B em 1999], contra duas conquistas do Vila [em 2001 e 2005]. Então, se analisar bem, durante todo esse tempo, o Vila não esteve na 1ª divisão brasileira e só melhorou sua situação de estrutura recentemente. Ou seja, o rival deixou o Goiás tomar uma distância muito grande. Existe a rivalidade regional e a rivalidade nacional. No âmbito nacional, não temos conseguido ser páreo para os clubes grandes. Restou a nós manter a briga regional. E, aqui, a desigualdade é muito grande. Por aqui, além do Vila tem o Goiânia, que fracassou totalmente, e o Atlético, no páreo, mas também com certa distância.

Elder Dias — Fazendo uma pergunta no cenário hipotético: o Chelsea, hoje um dos grandes da Inglaterra, era apenas um time mediano até tempos atrás. Um magnata adquiriu o time e trouxe grandes jogadores. O Vila Nova, nas condições de hoje e por ser um clube popular, não seria um bom negócio para um xeque das Arábias?

Seria. Qualquer coisa que gere investimento e resultados pode ser rentável. O duro talvez fosse arranjar alguém que queria investir no Vila.

Elder Dias — O que seria mais fácil, arrumar o Vila ou o Goiás dentro das respectivas estruturas, inclusive políticas?

O Vila também tem suas complicações políticas, tem seus problemas. No Goiás, não vejo tantas dificuldades políticas, lá está tudo normal. O que há são dificuldades financeiras e, então, é preciso tomar providências para buscar recursos e, em curto, médio e longo prazos, sanar esse problema.

Cezar Santos — Uma pergunta pessoal: o sr. deixou o Vitória e voltou para Goiânia. De que o sr. vive agora, como paga suas contas?

Antes de eu deixar a cidade, eu tinha uma empresa de biscoitos e salgadinhos. Hoje eu vivo dos rendimentos que obtive, do que eu ganhei, até estruturar alguma coisa para fazer. Cezar Santos — Eu considero a crônica esportiva goiana horrorosa, sob meu ponto de vista. Qual é sua opinião?

Eu discordo, até pelo conhecimento que tenho de outros lugares. Dados os clubes que temos, vejo uma crônica esportiva de grande valor. A imprensa faz seu trabalho, com críticas e elogios no momento certo. Eu qualificaria a crônica esportiva daqui dentro de um quadro bastante elevado. Afora São Paulo e Rio de Janeiro, com as quais não há como competir, não vejo grandes diferenças com nenhuma outra.

Elder Dias — A imprensa é só uma parte do quadro. Mas o futebol brasileiro, como um todo, até pelo que representa, não é ainda conduzido de forma muito amadora? Não há muita falta de profissionalismo de todas as esferas?

O futebol deveria se profissionalizar mais, em todos os segmentos. Por exemplo, nossa confederação, a CBF [Confederação Brasileira de Futebol] tem sua parte profissional, mas também tem sua parte amadora. Nas federações, nem se fala. Há muita “abnegação”. Nosso quadro de arbitragem no Brasil é 100% amador até hoje, não existe profissionalismo. Como fazer futebol profissional com árbitro amadores, aqueles que vão definir o destino das partidas? É muito difícil. Também nos clubes há realmente muito amadorismo, principalmente nas agremiações menores, as que não fazem parte do grupo que recebe dinheiro da Globo.

Elder Dias — O caso de escalação de jogador irregular, como ocorreu com a Portuguesa — ocasionando seu rebaixamento à Série B — e com o Flamengo — que perdeu pontos, mas não caiu —, é algo que serve para demonstrar esse amadorismo, mesmo com clubes da elite?

Não acredito. Aquilo foi uma falha, um erro passível de ocorrer com qualquer clube. Foi o descuido de um determinado profissional. Mas a parte que ainda é amadora no futebol brasileiro é gritante. Há falta de investimento, inclusive pela própria imprensa. Um exemplo, que serve como cutucão: passamos a vida inteira querendo que um clube goiano chegasse à Liberta­dores. Pois bem, em 2006 o Goiás conseguiu. Pois quando viajamos [para o jogo contra o Deportivo Cuenca, no Equador, na disputa da chamada pré-Libertadores], não foi ninguém, a não ser o pessoal da Rádio Brasil Central e mais um repórter, de que não me recordo sua empresa. A cobertura da imprensa no acompanhamento ao Goiás em um acontecimento histórico para o Estado ficou aquém do evento. No Equador, um jornalista de Quito me questionou em espanhol, “¿donde está la prensa?”. Não soube o que responder, porque as equipes ficaram aqui esperando a transmissão da TV. Não culpo a imprensa nem seus donos, mas a política estabelecida, que não valoriza seus profissionais, que podem trazer à tona alguma coisa histórica, que pode mexer com tudo. É um profissional que deveria ser mais bem remunerado e mais bem preparado, com mais recursos.

“A Copa do Mundo não é nosso maior evento”

Frederico Vitor — Sobre a questão da imprensa esportiva, o caso Valério Luiz escancara as mazelas da profissão.

Eu fiquei muito sentido com o assassinato de Valério, era um dos jornalistas com quem eu tinha maior afinidade. Quando comecei no futebol, tive um horário de TV com a equipe de seu pai, Manoel de Oli­veira — a quem muito estimo, com a toda sua família, filhos e netos. Cheguei a ser âncora e fazia o programa em parceria com o “Mané”. Valério estava começando a carreira ainda e apresentava esse programa comigo. Essa tragédia me doeu muito, não poderia ter acontecido, mas aconteceu, infelizmente. Valério era uma pessoa irreverente, jovem e de muito futuro ainda. Foi uma perda muito grande para a crônica esportiva e o jornalismo de Goiás.

Cezar Santos — A Rede Globo praticamente monopolizou o futebol brasileiro e seus horários. Hoje, jogo começa às 22 horas. Esse modelo não está sendo deletério para o esporte?

Em meu entender, o problema nem é da Globo, mas de seus concorrentes. A partir do momento que ela compra o campeonato, para engrandecer o esporte — em termos de verbas, patrocínio, mídia etc. — seria necessário que as demais emissoras apresentassem propostas para contrabalancear o quadro. Então, é porque deixam, não porque ela quer. Temos então é de agradecer o que a Globo faz, porque, se ela saísse com seu R$ 1 bilhão de investimentos só em compras de campeonatos — inclusive estaduais e co­pas, como a do Nordeste —, correríamos o risco de não aparecer ninguém para bancar. Tempos atrás, fi­ze­ram um ensaio de proposta, mas a­presentaram um valor menor do que o que a Globo já pagava. Então não estavam mesmo querendo comprar.

Elder Dias — Mas a forma de distribuição das verbas aos clubes está correta, com R$ 300 milhões anuais para os maiores e R$ 30 milhões, como o Goiás, ou até menos a outros?

Creio que não chegue a esse valor (de R$ 300 milhões). Mas, de qualquer modo, não gosto dessa distribuição. Só que ela vem da falta de força dos dirigentes, que aceitam o valor que a Globo coloca na mesa. Acho que a emissora tem o direito de escolher a quem pagar mais de acordo com o valor de mercado que cada clube comporta e o retorno que ela obtém. Isso tudo é feito com base em pesquisas.

Ex-presidente do Goiás Raimundo Queiroz, em entrevista à equipe do Jornal Opção: “Sou fiel às minhas convicções” | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
Ex-presidente do Goiás Raimundo Queiroz, em entrevista à equipe do Jornal Opção: “Sou fiel às minhas convicções” | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Elder Dias — Só que isso perpetua uma relação de dominância dos grandes times e impede o crescimento dos medianos, como o Goiás, o Vitória e o Atlético Paranaense?

É uma questão discutível, por ser de mercado. Todo mundo sabe que o futebol é rentável, mas é preciso ter uma estrutura preparada para fazer tudo funcionar. Hoje, o que há de melhor em estrutura é da Globo. As concorrentes não têm a mesma estrutura e, além disso, não têm ambição de investir e brigar com a maior. Por que não lutam para comprar a Série B, a Série C, a D, ou os outros campeonatos? Depende, então, das outras empresas de comunicação.

Elder Dias — Estamos a um mês do início da Copa do Mundo e, por ser no Brasil, parece que a coisa ainda não vingou. O cenário verde e amarelo ainda não está nas ruas, embora a seleção seja favorita ao título. Os comerciantes estão se queixando, com medo de encalhar. A Copa não pegou?

Eu acho que pegou. O futebol não foi uma criação brasileira, mas somos o país que mais o assimilou e o encarnou. Esse esporte passou a ser, então, um produto brasileiro. Para nós, que vivemos dele, não há mais aquele entusiasmo do passado. Uma Copa ou um grande campeonato passou a ser visto com mais naturalidade, porque já vivemos em um ambiente de bom futebol. Dizem que deveria haver uma euforia maior porque virão os grandes jogadores dos outros países. Só que nós mesmos temos boa parte desses maiores jogadores do mundo, que nasceram em nossas periferias. Estamos encarando tudo como uma coisa natural, portanto. A maior festa da Copa quem vai fazer são os estrangeiros. Se você procurar nos sites específicos, não vai encontrar ingresso à venda, porque os turistas de fora já compraram tudo.

Elder Dias — O sr. estava trabalhando em Salvador. Lá a euforia está maior do que aqui?

Primeiramente, Goiânia não existe para a Copa, não faz parte dos ce­ná­rios escolhidos. Lá a torcida está a mes­ma coisa. Mas, em termos de eu­foria pelo evento, há uma arena [Fon­te Nova] que foi construída es­pe­cificamente para isso, o Vitória pro­videnciou a reforma de seu centro de treinamento, o Barradão, que te­ve seu gramado trocado para receber a seleção da Itália, e assim por diante.

Elder Dias — E o sr. considera que foi ruim para Goiânia ficar fora da Copa?

Sim, e é até pesaroso dizer isso, mas é a pura verdade. Vejamos Brasília. Lá não há futebol local, mas lá se acolhe tudo o que vem de fora passa a ser novidade. Há outras praças que também não têm tradição no futebol, como Cuiabá e Manaus. Mas temos de pensar que há outro lado, já que essas cidades fazem parte de uma estratégia geográfica e o fato de a população desses Estados também ter o direito de participar dessa festa. Não poderia concentrar tudo no Sul, Sudeste e Nordeste.

Elder Dias — Em termos do que se prometeu de estrutura permanente para o País, seu legado — malha viária, aeroportos, portos etc. —, compensa o que está sendo investido?

Tudo o que ficar a mais do que existia até então já é muito bom. De fato, não é muito o que está ficando: são as arenas e algo em torno delas. Mas isso revitalizou os estádios acabados que tínhamos por aí e fez surgir novos. Então, quem sabe, com a euforia por essa construção quem sabe nasça um novo futebol nessas praças. Em Mato Grosso, já houve progresso das equipes locais. A Luverdense [de Lucas do Rio Verde] está na Série B e o Cuiabá, na Série C. Isso já é influência da Copa. Outra questão interessante: falam bastante da questão da estrutura, há a preocupação em ver o País “passar vergonha”, essa questão de dizer que o evento Copa do Mundo é muito grande e coisa e tal. Só que não é ver­dade. A Copa não é o maior evento que o Brasil já teve. A gente tem o carnaval todo ano, um acontecimento que considero importantíssimo, pela quantidade de turistas que recebe, principalmente no Rio, na Bahia e em Pernambuco. Tivemos também a Jornada Mundial da Juventude, no ano passado, e toda aquela mobilização em torno do papa. Parece-me que estão jogando uma cobrança maior do que deveria haver. A Arena Fonte Nova tem uma grande estrutura em volta e, por causa dela, estão fazendo outras obras na Grande Salvador. Estive em Cuiabá e também vi muitas e muitas obras por conta da arena local. O mesmo também vi em Belo Horizonte, em torno do Mineirão, e no Rio, em torno do Maracanã. Em São Paulo, idem. Ainda há todas as outras praças. Hoje não se sabe o que fazer com as arenas de Cuiabá, Manaus e Brasília, mas, daqui a pouco, quem sabe não acham uma boa finalidade? Em Brasília, por exemplo, o grande problema é que não há um futebol local forte, porque as pessoas de lá torcem por clubes de outros Estados, principalmente do Rio de Janeiro. O Goiás lá tem mais torcida do que a do Gama, que se concentra em só uma cidade-satélite. Portanto, vejo a Copa do Mundo como um grande aprendizado, que nos traz experiência e conhecimento. Eu passei por um fato interessante. Um senhor da África do Sul, que trabalha em uma secretaria de governo, veio nos fazer uma visita para conhecer a escola de futebol do Goiás, que era referência por lá. Disseram a ele que o menino brasileiro só jogava futebol porque passava fome e que ficar com fome, descalço e mal vestido daria estímulo para jogar e crescer na vida. Mostrei-lhe a estrutura do Goiás — os meninos da escolinha em campos gramados, uniformizados, bolas novas, vestiário, com professor, médico, psicólogo etc. — e falei a ele que estava enganado. Expliquei também que há as brincadeiras de futebol, as “peladas”, em que as pessoas improvisam campos e traves para se divertir, em qualquer idade. Isso porque todo mundo gosta de futebol por aqui, não para se tornar profissional.

Fotos: Fernando Leite
Fotos: Fernando Leite

Cezar Santos — Faltou força política para Goiás sediar a Copa?

Acho que não. Houve uma questão geográfica, a proximidade com Brasília, que teria de ser sede.

Cezar Santos — E Cuiabá?

É uma região perto do Pantanal, que o governo quer mostrar, assim como a Amazônia, no caso de Manaus. Foi uma opção turística, no caso. E não sabemos o que acontecerá no futebol. Quem tem mais idade lembra que o Goiás Esporte Clube era um clube pequeno. Tinha apenas a sede da Serrinha, que era em uma estrada de terra. Ninguém nunca pensou também em ver o Vila Nova nunca disputar uma Série A do Brasileiro ou disputar uma Série B do Campeonato Goiano. Não sabemos como será o futuro, principalmente no esporte. No ano que vem não tem mais Copa e alguma solução há de aparecer para essas arenas. E outra coisa: só se monta uma boa estrutura dentro de uma casa se primeiro tiver essa casa. Para um bom futebol é primeiro necessário um bom lugar para jogar e para o público comparecer. Estive no Maranhão para ver um jogo em que havia a indicação de uns jogadores. Era do Sampaio Correa contra outro time. Um jogo ruim, jogadores limitados, mas com estádio lotado. Futebol é uma paixão, uma coisa sublime, fantástica. Um cantor coloca em um pátio 100 mil pessoas. Paul McCartney colocou 50 mil no Serra Dourada, talvez nem isso. Quero vê-lo colocar os mesmos 50 mil toda quarta e domingo. E o futebol faz isso, basta ter atrativo. Não tem nada igual. É raro encontrar uma família em que não haja ninguém que goste de futebol. O que precisamos é de torná-lo mais atrativo.

Cezar Santos — O sr. acha que o governo deveria perdoar as dívidas dos clubes de futebol?

Não digo perdoar, mas deveriam encontrar um jeito de fazer com que o investimento no futebol fosse mais proveitoso. Na verdade, os 20 clubes que têm receita da Globo vivem uma vida. Os demais vivem outra, totalmente diferente. Só que o que os 20 primeiros fazem por suas cidades os que nada recebem também fazem — de forma mais modesta, humilde, mas fazem. Quem no mundo teria ouvido falar de Catalão, não fosse pelo Crac? Quem falaria de Itumbiara, se não pelo Itumbiara ter sido campeão goiano? Onde o Goiás Esporte Clube já levou o nome do Estado e o que recebeu em troca? O clube faz é dar, em vez de receber. À imprensa, por exemplo, o en­vol­vimento com o esporte traz, proporcionalmente, mais benefício do que a política. O Estado tem 246 mu­ni­cípios, ou seja 246 prefeituras, com todos os seus órgãos. O futebol goiano tem, no máximo, 50 times. Pro­porcionalmente, há mais envolvimento da imprensa — e portanto, mais emprego gerado, por exemplo — causado os times do que pela política.

Elder Dias — Falando em política, o sr. chegou a ser pré-candidato a vereador em Goiânia, no fim de 2011, filiado ao PSDB. Por que desistiu do desafio?

Eu já até participava de algumas reuniões preparatórias. Estava com uma aceitação muito grande e acredito até que seria eleito com certa facilidade. Só que eu estive em 2009 no Vitória e, por causa de pendengas políticas, vim embora. No fim de 2011, o presidente do Vitória, Alex Portela, me ligou dizendo que me queria por lá. Falei de meus projetos, mas ele praticamente exigiu minha volta, disse que precisava de mim para ser reeleito. Acabou me convencendo e deixei a política para outra oportunidade.

Elder Dias — O sr. continua no PSDB?

Sim, sou muito fiel às minhas convicções. Torço pelo meu partido. Vejo muita gente boa como novos nomes, como o Thiago Albernaz e a dra. Cristina Lopes, mas não só do PSDB, como Iram Saraiva Jr. (PT). E temos vários outros.

Elder Dias — Como o sr. analisa o cenário político-eleitoral em Goiás?

Vejo Marconi Perillo muito forte. Não pela máquina de governo, mas por ser uma pessoa muito carismática. Isso não tem a ver com o fato de ele ser de meu partido, mas ele, Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), são pessoas que eu conheço pessoalmente e que vão crescer muito ainda dentro da política, por conta de seu dinamismo natural. Não sou político, mas gosto do ambiente político.

Frederico Vitor — Como foi seu início no Goiás?

Ao vir para Goiânia, vindo de Iaciara, eu já torcia pelo Goiás. Isso desde quando morei em Posse, para estudar — aliás, lá a torcida do Vila era maior do que a nossa, não sei hoje como está. Quando cheguei de Iaciara, no fim dos anos 70 e início dos anos 80, comecei a tocar um time de futebol de crianças de minha região — o Monza Veiga, nome de minha empresa — e participamos de um torneio na Vila Redenção, com dois times, um na categoria tampinha e o outro na dente de leite. Os times grandes da capital também participaram. No dente de leite do Goiás estava o futuro artilheiro Túlio e seu irmão gêmeo, Télvio; no Atlético, estava a turma do Valdeir; no Goiânia, tinha o Rubinho; e assim por diante. Naquele torneio, fomos vice-campeões na categoria tampinha — o Goiás foi campeão — e ficamos em 3º no dente de leite. Isso chamou a atenção de gente da Federação Goiana de Futebol (FGF) e o então presidente, Edmundo de Morais Neto, me chamou para ser diretor de futebol amador da entidade. A partir desse mo­mento, comecei a organizar as competições, tanto do interior quando da capital. Foi então que o pessoal do Goiás me chamou para ajudar no clube. Fiquei mais um tempo na FGF, mas já como vice-diretor de departamento amador do clube.

Elder Dias — Já sabiam que o sr. era torcedor do clube?

Já, isso já era público e notório na época. Então passei a diretor da base do Goiás, o que fui por oito anos, quando meu maior feito foi que fundamos a escolinha do Goiás. Ela foi inicialmente projetada para 150 alunos, que treinavam em um campo de terra onde hoje é o Estádio Hailé Pinheiro. O intuito era revelar atletas e, por ser paga, sustentar o departamento amador — não tínhamos verba específica, fazíamos o trabalho no departamento amador com o próprio bolso. A escolinha “pegou”, deu certo, e se tornou muito lucrativa. Então, pudemos fazer uma base mais forte e revelar vários atletas. Um deles, que saiu fruto da escolinha ainda em seu início, foi Fernandão [hoje ex-jogador, com passagens por Internacional, Olympique de Marseille (França), além do próprio Goiás]. Fizemos também a escolinha de esportes olímpicos, com várias modalidades, à qual hoje agregaram também a natação, que na minha época não havia. Em 1993, Rubens Brandão, então presidente do Goiás, me chamou para ser assessor da presidência. Na época, eu estava disposto a largar a diretoria, porque não tinha mais fim de semana, era trabalho o tempo todo. Ele me disse “vou te pôr aí e vai me ajudando no que você puder”. Fui nomeado assessor especial e, logo em seguida, veio uma época muito difícil para o Goiás, com o rebaixamento para a 2ª divisão, em 1993. O pessoal do futebol deu uma desanimada, até porque foi uma campanha muito ridícula, em que o clube havia pegado treinador e jogadores do Vila Nova. O elenco, então, ficou muito reduzido e o passe ainda era preso naquela época. Muitos jogadores estavam com vínculo mas inativos, como Márcio, Richard e outros. O finado Ximenes [Júlio César Ximenes, que seria assassinado em 1997, juntamente com sua mulher Ilda Ximenes, em crime de grande comoção e repercussão] assumiu a diretoria de futebol e eu o ajudava, como assessor da presidência. Fizemos uma boa dupla. Pegamos os jogadores que so­braram, vendemos alguns, liberamos outros e aproveitamos os jogadores que eram revelações da base na época, juntamente com veteranos como Zé Teodo­ro (lateral) e Baltazar (atacante). Ximenes teve um desgaste pessoal e resolveu se afastar do clube. Com sua saída, abriu um espaço e eu caí de bobo nele (risos). Peguei o projeto que já tínhamos, em uma época em que o Goiás não tinha dinheiro. Pegamos a comissão técnica da base e os meninos dos juniores. O time acabou subindo para a primeira divisão. Aí começou minha carreira como diretor de futebol. Tive uma afirmação e a coisa seguiu de uma forma crescente.

Euler de França Belém — O Goiás vende bem seus jogadores? Qual foi o mais bem vendido até hoje?

Vende. Dos clubes emergentes do País, o Goiás é o clube que mais fez boas vendas de seus atletas. O jogador que foi negociado por valor mais alto foi o atacante Welliton, vendido ao Spartak Moscou por 8,5 milhões de euros.

Euler de França Belém — Qual foi o maior time da história do Goiás?

O Goiás teve muitos bons times em sua história. Muitos mesmo. Mas um do qual não se pode tirar o mérito foi o de 2005, que levou o clube à disputa da Copa Liberta­dores da América pela primeira vez em sua história. Tínhamos no elenco nomes como Harlei (goleiro), Jadílson (ala), Paulo Baier (ala), André Dias (zagueiro), Rodrigo Tabata e Souza (atacante), que foi artilheiro do Campeonato Brasileiro daquele ano.

Cezar Santos — Qual foi o jogador “prata da casa”, formado na base, que foi a maior expressão do Goiás?

Eu penso que foi o atacante Welliton, que chegou à Libertadores ainda novo, como artilheiro, e foi vendido muito bem para a Europa, o que mais rendeu aos cofres.

Cezar Santos — E Luvanor, para mim o maior da história do clube?

Foi um dos bons jogadores que o Goiás teve. Acabou indo para a Itália, muito bem vendido e rendendo ao Goiás a compra da área que hoje é o centro de treinamento (CT) do Parque Anhanguera. Mas, se for para lembrar de todos os grandes nomes do Goiás, é muito difícil escolher: tivemos recentemente Paulo Baier — o maior artilheiro do Campeonato Brasileiro dos pontos corridos —, Souza, Lúcio, Dill, Dimba, depois, mais para trás, Túlio, Luvanor, Cacau, Zé Teodoro, depois, ainda mais no passado, Lincoln, Wilsinho, Tuíra e outros. Agora, se formos falar em um time, uma equipe, temos de valorizar aquela que levou o clube à maior competição da história, que foi o de 2005, que conquistou a vaga na Copa Libertadores.

Euler de França Belém — Quem é o maior atacante do Goiás em todos os tempos, em sua opinião?

É muito difícil falar nesses termos. Mas um é incontestável, não tem como não falar de Túlio [ex-atacante também do Botafogo, Corinthians e Vila Nova, com passagem pela seleção brasileira]. Outros grandes nomes foram Lincoln, Dimba, Souza, Fernandão, Araújo. Foram muitos, não dá para falar sem cometer injustiças.

Euler de França Belém — E o melhor goleiro?

Esse não tem como não dizer que foi Harlei. São 15 anos de Goiás, 14 deles como titular, foi o mais longevo.

Euler de França Belém — Técnico de futebol não precisa ser bom só no que faz em campo. Tem de saber de psicologia, relacionamento e outras coisas. Qual sua escolha entre os que passaram pelo Goiás?

Um nome especial é Geninho, que foi o treinador que levou o clube à disputa da Libertadores. Mas, em todas essas perguntas feitas, eu jamais colocaria apenas um.

Euler de França Belém — E, saindo da área do gramado, só mais uma pergunta desse aspecto: qual o maior narrador esportivo?

Com certeza, Edson Rodri­gues [hoje na Rádio Bandeirantes 820 AM]. É mais emocionante e gostoso ouvir jogo com ele pelo rádio do que assistindo na televisão. Ele é diferenciado, além de educado e uma pessoa maravilhosa como ser humano.