“O centrão vai compor com Bolsonaro sem resistência”
04 novembro 2018 às 01h00

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Professor emérito de Ciência Política da UnB diz que PSL deve ser o maior partido da Câmara dos Deputados

Nascido nos Estados Unidos, o professor emérito de Ciência Política da Universidade Federal de Brasília (UnB) David Fleischer falou ao Jornal Opção sobre os resultados das eleições no Brasil.
Fleischer estima que alguns dos novos nomes eleitos ao Congresso Nacional devem assumir o centrão do espectro político, já que os “entulhos” tradicionais da política brasileira não foram reeleitos, citando os senadores Romero Jucá e Roberto Requião, ambos do MDB.
O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) não deve encontrar grandes obstáculos em Brasília para aprovar suas pautas e tampouco precisará de “mensalões” ou “petrolões” para conseguir uma coalizão, afirma o cientista político.
Para a política externa brasileira, Fleischer afirma que Bolsonaro indicou como vai agir ao citar os três primeiros países que vai visitar como presidente: Chile, Estados Unidos e Israel. A diferença entre o presidente dos EUA, Donald Trump, e Jair Bolsonaro, na avaliação do cientista político, é que Bolsonaro não tem “problemas de saúde mental”.
Jair Bolsonaro vai conseguir uma base aliada sólida no Congresso para governar sem precisar de “mensalões” ou “petrolões”?
Acredito que sim. Ele já articula uma base razoável com os partidos que demonstraram apoio, além da bancada ruralista que tem mais de 200 deputados e a bancada evangélica que tem quase 100. A oposição está dividida. O PDT de Ciro Gomes, junto com o PCdoB e o PSB, está articulando um bloco de oposição, excluindo o PT. Com a oposição dividida, vai ser mais fácil.
O PT ainda consegue se reerguer?
Só se o PT fizer o que vai ser muito difícil: uma refundação do partido. Tarso Genro quer fazer essa mudança e expulsar todos os políticos fichas sujas, mudar o estatuto e a bandeira, mudar até a estrela da bandeira. Mas tem muita resistência a essa alteração e os petistas perderam muitos caciques, assim como o MDB e o PSDB. Os partidos tradicionais foram reduzidos. O PSDB, por exemplo, virou um partido médio. Até o PP e PR perderam deputados. Foi uma renovação bastante grande na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. O Bolsonaro tem matéria-prima para fazer uma coalizão adequada. A prioridade maior é a Previdência Social, que precisa de uma PEC [Proposta de Emenda de Constituição] para ser alterada e as PECs precisam de 60% de aprovação no Congresso. Esse seria o primeiro teste. Os investidores estrangeiros estão esperando por isso. Se ele conseguir aprovar a reforma da Previdência, vai abrir a banca e receber muitos dólares de investimento. Essa reforma é imprescindível.
Comenta-se que Bolsonaro quer aprovar a reforma ainda este ano. Essa tentativa vai dar certo?
Esta é uma grande dúvida porque teria que ter condições políticas para aprovar. Se não der certo, vai deixar o novo governo em uma situação de saia-justa. Vão precisar avaliar muito bem se vão conseguir aprovar ou não. Já no segundo dia de mandato, Bolsonaro tem a opção de fazer uma convocação especial do Congresso ainda em janeiro e tentar. Mas o mais conservador é esperar até fevereiro para votar com o novo Congresso.
Como o sr. avalia a fusão dos ministérios proposta por Bolsonaro?
Em 1990, Fernando Collor fez a mesma coisa e reduziu a quantidade de ministérios para 12 e também criou o Ministério da Economia. Na época, a economista Zélia Cardoso de Mello foi a ministra. Mas o setor industrial está chiando. Vejo o Paulo Guedes dizer nas entrelinhas que vão ajudar a indústria apesar dos industriais. O que está dando muito ruído é a fusão do Meio Ambiente com a Agricultura, que talvez não venha a ocorrer.
Essa fusão dos dois ministérios está dando o que falar.
As críticas vêm dos dois lados, do agrobusiness e dos ambientalistas. Essa fusão será suspensa. O possível ministro da Agricultura falou que não tem decisão nenhuma.
O bloco do centrão tende a ficar com o Bolsonaro?
Com certeza. O centrão vai compor com Bolsonaro de forma tranquila, sem resistência.
Ciro Gomes vai conseguir se tornar o principal nome da oposição no Brasil?
Ciro quer isso mirando as eleições de 2022 para escantear o PT. Ele deu uma entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo” na qual foi muito raivoso contra o petismo, principalmente contra o ex-presidente Lula. A ideia era ele ser o candidato ao Planalto com o PT indicando o vice-presidente da coligação. Mas o Lula não quis saber disso e ele deu o troco.
Lula foi enterrado politicamente nesta eleição?
Lula está enterrado lá em Curitiba de 10 a 15 anos, no mínimo. Ainda virão mais condenações contra ele nos próximos meses. Ele ajudou a afundar o PT com seu egoísmo em querer ser o candidato de qualquer maneira e deu menos de 15 dias para o Fernando Haddad, que se tornou candidato oficial em 11 de setembro, fazer campanha no primeiro turno.
A eleição de João Doria ao governo de São Paulo pode torná-lo a nova cara do PSDB?
A vitória de Doria foi bem apertada em São Paulo, mas ele vai tentar abocanhar o PSDB e aposentar Geraldo Alckmin, que foi o candidato dos tucanos por ser o presidente do partido e muita gente achou que seria o fim dos tucanos. O PSDB também vai precisar se repensar.
Os partidos menores, como PHS e PMN, já discutem uma fusão por não alcançarem a cláusula de barreira. Este é mesmo o caminho?
Acho que uns 10 ou 12 desses partidos menores vão migrar para o PSL a fim de dar a maioria ao Bolsonaro na Câmara e ultrapassar o PT. Ainda acredito haver mais fusões após a migração de muitos deputados eleitos para outros partidos maiores. Os eleitos não vão ficar nesses partidos sem tempo de televisão e dinheiro, porque qualquer legenda morre desse jeito. Acredito que o PSL vai ser o maior partido da Câmara em fevereiro.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já conversou com Jair Bolsonaro e divulgou em suas redes sociais que terá uma relação amistosa com o presidente eleito, principalmente na área comercial. Em que aspectos os dois presidentes se aproximam?
A grande diferença é que Bolsonaro não tem problemas de saúde mental. Mas não sei se vão conseguir trabalhar juntos. O capitão disse que vai visitar três países: Estados Unidos, Chile e Israel. Vamos esperar o que vai sair desses encontros. Não é só Trump, é toda a máquina de comércio exterior americana que o republicano já colocou à disposição. Por enquanto, Trump já isentou o Brasil de tarifas e taxas sobre o alumínio. Mas o presidente americano vai querer extrair vantagens publicitárias para ele mesmo. Não sei se o Bolsonaro vai contribuir para isso ou não.
Em sua avaliação, quem deve assumir o centrão da política com a redução de várias bancadas, como MDB e PSDB?
O centrão vai entrar na coalizão do Bolsonaro, mas é difícil prever quem vai ser o líder. O deputado federal Onyx Lorenzoni, que vai ser o ministro da Casa Civil, representa esse grupo. Mas o Ciro Gomes quer ser o grande líder. Ainda é uma interrogação.
Muitos parlamentares do centro não foram reeleitos.
Exatamente. Os senadores Romero Jucá e Roberto Requião, do MDB, caíram fora. Muito entulho desses partidos não foi reeleito. Vamos ter que ver o que os novos eleitos vão desenhar. É interessante o que o governador eleito de Minas Gerais, Romeu Zema, falou quando ganhou a eleição. Ele disse que continuar morando em sua residência porque morar em Palácio é coisa do período imperial. Vamos ver se essa onda vai pegar nos demais Estados. Há muita Prefeitura de capital que também tem Palácio, como em Rio de Janeiro.
Pode-se dizer que Dilma Rousseff e José Dirceu, entre outros, são ex-líderes petistas ou ainda terão futuro na política?
Acho que a Dilma Rousseff sim. O Senado Federal deu umas regalias a ela e não cassou os direitos políticos. Mas o golpe final veio dos eleitores mineiros e ela morreu em quarto lugar. Acho que já desapareceu. Quanto ao José Dirceu, não sei ainda. Ele está muito atuante por estar fora da prisão. Vamos ver se ele vai exercer algum papel importante nesse novo PT.