Secretária avalia os investimentos e trabalho para ampliar a proteção à mulheres em situação de risco e da promoção da equidade de gênero

Elder Dias e Marcos Aurélio Silva

Depois de 12 anos ocupando uma cadeira no Legislativo Municipal, Tatiana Lemos, foi escolhida para comandar a Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres. O principal desafio, segundo ela, tem sido levar as ações da pasta para junto da comunidade, trabalho que tem priorizado e que recebe o apoio do prefeito Rogério Cruz (Republicanos).

Tatiana Lemos tem uma ligação com a política que poucos possuem. Ela é filha do casal de Euler Ivo (ex-vereador) e Isaura Lemos (ex-deputada). Herdeira de um legado político, ela passou toda juventude compartilhando a rotina da Câmara Municipal e da Assembleia Legislativa. Como a maioria das mulheres, Tatiana não limita seu cotidiano a apenas uma atividade. Ela é mãe de um casal (Nina, de 14 anos, e João, de 10 anos), formada em Comércio Exterior, com pós-graduação em Marketing, é design de acessórios, empreendedora e está à frente das ações que buscam levar dignidade a mulheres em situação de vulnerabilidade na capital.

Em entrevista exclusiva ao Jornal Opção, Tatiana Lemos falou de como tem atuado para conseguir recursos que viabilizem os projetos da Secretaria da Mulher, também apontou suas críticas sobre a política que ainda é tratada como um espaço para homens e revelou que não pretende mais voltar para disputas eleitorais.

Marcos Aurélio Silva – A Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres foi criada em 2011, com o objetivo de elaborar, fiscalizar e implementar políticas públicas que proporcionem qualidade de vida às mulheres. A senhora assumiu a pasta no início deste ano, no mandato de Rogério Cruz. As ações da secretaria já estavam bem estruturadas, ou foi necessário reformular e dar uma nova cara ao trabalho?
Comparada às outras secretarias do Brasil, ela já tem uma infraestrutura bem interessante. Funcionamos em um prédio em pleno Centro de Goiânia. Nossa estrutura demonstra muito sobre o trabalho proposto. O primeiro andar é o Centro de Referência Cora Coralina, onde oferecemos atendimentos jurídico, social e psicológico para mulheres em situação de violência ou vulnerabilidade. O segundo andar interior é a Secretaria da Mulher e o terceiro andar é o Centro de Formação que oferta cursos de capacitação profissional e também recebem homens agressores enviados pelo Tribunal de Justiça de Goiás para compor o grupo de reflexão. 

Enquanto vereadora participei da criação da Secretaria da Mulher. Todas as secretárias que passaram por aqui tiveram seu papel à frente da pasta, algumas com ações mais ativas e outras menos. Mas confesso que sentia falta de levar o trabalho da secretaria até as mulheres. Ser uma pasta que faça a busca ativa de mulheres em situação de vulnerabilidade e, que em muitos casos, sequer sabe que existem políticas públicas para elas.

Tenho consciência que a Secretaria da Mulher, assim como outros órgãos voltados para essa bandeira, ainda estão atrelados a política que é predominantemente masculina. Embora tenhamos conquistado o direito de ter uma Secretaria, é esperado de nós uma posição mais contemplativa e de ficar observando. Estamos falando de uma pasta que não tinha recursos para poder executar o trabalho. Era quase que para constar, embora houvesse um esforço grande de outras secretárias para ir além disso.

Hoje, nesta gestão, não estão apenas para constar. Provamos em números, trabalho e no próprio investimento que a Secretaria recebe. Existe atualmente uma estrutura que está indo aos bairros e buscando atender as mulheres vulneráveis.

Marcos Aurélio Silva – Mas ao falar desse atendimento, o que há de ações práticas para as mulheres que estão em situação de risco? O que a senhora destaca como carro chefe da pasta?
O nosso grande empenho e que pode ser tratado como o carro chefe da pasta é a ajuda para as mulheres saírem do ciclo de violência. Sabemos que Goiás e Goiânia são considerados machistas e que a mulher é considerada como propriedade de seu companheiro. Por isso, estamos no ranking nacional como um local perigoso para as mulheres.

Há uma dificuldade com os números que nos trazem essa realidade. As mulheres que são vítimas de violência ela entra por um hospital, por um Cras (Centro de Referência da Assistência Social) , pelo Ministério Público, pela Defensoria ou na diretamente na Secretaria da Mulher. Esses dados estão soltos. Não são compilados.

Acreditamos que para ajudar a mulher a sair do ciclo de violência, precisamos primeiramente dar a oportunidade de estar no mercado de trabalho e de ter qualificação. Muitas dessas mulheres perderam o trabalho na pandemia, que foi cruel com todos, mas castigou ainda mais as mulheres. São elas elas que tem que ficar em casa cuidando dos filhos fora da escola, são elas que cuidam do familiar doente, entre outras situações. Isso faz com que ela se torne dependente do parceiro, que por muitas vezes é o agressor. 

As mulheres que sofrem algum tipo de violência, seja física ou psicológica, dependem economicamente do agressor. É uma situação complexa, pois a mulher é agredida por quem ela ama, pelo pai dos seus filhos e por aquele que a ela escolheu para viver ao  lado. É complexo psicologicamente, mas já também a dependência econômica. Percebemos que esse é o grande gargalo do ciclo de violência. 

Entendemos que para isso é preciso fazer uma busca ativa das mulheres –  elas não conseguem buscar o nosso atendimento, porque muitas vezes não tem um passe de ônibus. E precisamos ofertar cursos de qualificação. A partir disso tentamos ajudar a mulher a ir para o mercado de trabalho. Quando ela se empodera, no sentido de ter perspectiva de que ela pode ter uma profissão e pode ter independência econômica, há um reforço para que a vítima saia do ciclo de violência. Hoje a secretaria da mulher quer dar essa ajuda. Esse é o nosso grande objetivo: inserir a mulher no trabalho. 

Elder Dias – O que a sua pasta conta em termos de verbas, falando do orçamento do Município, Estado e União?
Sou da teoria que o critério da verdade é a prática, como diria o grande pensador (Karl Marx). Não adianta querer fazer tudo isso e na prática a Secretaria não ter verbas. A diferença que vejo hoje é o acesso a recursos. 

Para se ter uma ideia, iniciamos na gestão da Secretaria e tínhamos R$ 36 mil para gastar durante todo o ano. Como fazer um evento em um bairro? Não tinha estrutura nenhuma. Houve um esforço do prefeito Rogério Cruz e da secretaria para viabilizar isso. Eu acredito muito em planejamento para uma gestão. Fizemos um plano para curto, médio e longo prazo.

“Acredito que para ajudar a mulher a sair do ciclo de violência, é preciso dar  oportunidade dela estar no mercado de trabalho”

A curto prazo fomos os primeiros a criar arrecadação de alimentos e outros itens de necessidade. Isso foi distribuído para as mulheres em situação de fome e violência. A médio prazo fizemos projetos alinhados ao que já existe no governo federal. Conseguimos apoios para alguns financiamentos. 

Também houve verbas de emendas. Houve recursos que haviam sido destinados por mim, quando vereadora, o próprio prefeito também fez o mesmo. Saímos de uma condição de R$ 36 mil para R$ 1,7 milhão. Foi uma busca ativa de recursos, com projetos e planejamento. Hoje temos estrutura do ponto de vista financeiro que consegue levar os projetos adiante. 

Elder Dias – E o que esses recursos permitem que seja feito na Secretaria?
Muito é feito. Temos, por exemplo, o trabalho inédito que é a Secretaria da Mulher nos bairros. Levamos para uma região carente o atendimento jurídico, psicológico e social. Fizemos parcerias com o setor privado para conseguir mais advogados e mais psicólogos. 

Há também o trabalho de levar saúde para as mulheres. Exames de papanicolau que não foram feitos durante a pandemia. Compramos esses exames para serem feitos. Isso com os recursos da Secretaria. Está em processo de licitação e será pago por meio das emendas direcionadas para a pasta. 

Um dos próximos passos nosso será ir em busca dos parlamentares –  municipais e estaduais –  para mostrar o trabalho e conquistar verbas. Sabemos que há outras demandas na cidade e usa o orçamento da prefeitura. A expectativa é conseguir ainda mais recursos para a pasta. 

Marcos Aurélio Silva – As mulheres em situação de violência e vulnerabilidade acabam restringidas do acesso à informação ou a meios que possibilitam as denúncias contra o agressor. Assim, quando a Secretaria da Mulher vai aos bairros qual a receptividade?
A questão da mulher não é só a violência física. Existem várias. Então levamos vários serviços. A receptividade é grande. Levamos vários serviços, como exames preventivos, encaminhamentos para outros exames, tem vacinas, tem cesta básica, inscrição para cursos, inscrição para o EJA (Educação de Jovens e Adultos) e muitas outras. Assim, a mulher sai de casa para ir a um local onde o agressor vai se sentir ameaçado. Ela está indo fazer um exame ou algo assim. 

Temos que saber como entrar na vida das mulheres vítimas, que estão fragilizadas, que tem medo e que sofrem violência. Estamos organizando nesses bairros o Grupo Local de Mulheres. Conseguimos interagir com elas e assim elas passam a participar da vida coletiva do bairro. Isso gera empatia entre elas, divulgação de informação e até a criação de uma rede de proteção.

Mulheres em situação de vulnerabilidade precisam saber que tem a quem recorrer. Há uma Secretaria estruturada que busca levar e fazer o atendimento no dia a dia para elas. 

Marcos Aurélio Silva – Falando de política. A senhora está em uma família de políticos. Pôde acompanhar a carreira política de sua mãe, que ocupou cadeira de deputada estadual e também foi vereadora por três mandatos. Qual a sua avaliação para o espaço feminino na política? Há avanços?
Os espaços da mulher é uma questão. É algo complexo. Eu digo para as mulheres que o direito de existir, o direito de estudar, o direito de ter uma propriedade, o direito de votar e de ser votada, só foi conquistado a partir da constituição. Até então, não tínhamos sequer o direito na forma da lei. Então avançamos muito. Mas ainda estamos aquém do que deveria ser. 

“Quando uma mulher tem um posicionamento com a mesma força de um homem ela é chamada de louca”

As mulheres são maioria na população. São maioria no eleitorado. Entretanto, assumem uma minoria de irrisória nos espaços de poder de decisão. Veja que numa Câmara, como a de Goiânia, são 30 homens e cinco mulheres. Na Alego são 41 deputados e duas deputadas. Na Câmara de Aparecida de Goiânia agora que tivemos uma mulher eleita.

Quando uma mulher não se cala ou não se permite a ficar na situação de contemplar tudo aquilo que é dominado pelos homens, ela é tida como inoportuna, é louca, mal amada ou está na TPM. Quando uma mulher assume um posicionamento com a mesma força que um homem ela é chamada de louca.  

Elder Dias – A senhora acredita que essa tentativa de desqualificar as mulheres nestes espaços dominados por homens tem mudado? As mulheres na política estão se unindo para mudar essa situação?
Eu venho de um partido que não tem aquela ala com nomenclatura feminina, como tem, por exemplo, o MDB mulher e o PSDB mulher. Na política se espera que a mulher apoie o marido. Os políticos homens querem que as mulheres falem só para elas mesmas. 

Os homens precisam reconhecer a posição das mulheres. Se persiste o desrespeito com a mulher, ela paga com a vida. Quem morre são as mães. Temos avançado graças a mulheres que se posicionam e ocupam espaços, mas elas são taxadas de loucas. 

Percebo que o avanço é uma forma de rompimento. Não há uma abertura para as mulheres. É a força que estamos conseguindo ocupar os espaços. Por isso é importante ter sororidade. A mulher sabe o que é ser mulher. Enquanto a mulher não incomoda, ela não ganha o espaço. Os convencimentos que conseguimos foram todos por meio de embates.

Marcos Aurélio Silva – A senhora tem o desejo de voltar a disputar uma eleição?
Sinceramente, não. Cresci no Parthenon Center (onde funcionava a Câmara Municipal), acompanhando meu pai. Cresci no ambiente do parlamento, seja com meu pai como vereador ou com minha mãe (deputada estadual por cinco mandatos). Em seguida, fiquei por três mandatos como vereadora. Eu acho que dei minha contribuição no Legislativo. 

Por vezes me senti muito frustrada. As pessoas não sabem que o vereador não pode trocar uma lâmpada que está queimada no bairro. O vereador precisa pedir ao prefeito, que vai encaminhar para o secretário da pasta. Por mais que eu me orgulhe da minha trajetória e das leis que conseguiu aprovar, não desejo mais disputar uma eleição. 

Meus projetos de leis não foram para dar nomes às ruas ou criar dia de alguma coisa. Meus projetos foram todos relevantes. Meu único projeto que trata de rua é o que permite trocar nomes de ruas que foram batizadas com ditadores. 

“Políticos homens querem que as mulheres falem só entre elas”

As campanhas são pesadas. Não adianta ser apenas uma boa parlamentar e fazer o seu papel. É preciso passar por um crivo que não é o do seu trabalho. É preciso considerar o momento, a situação econômica e as coligações.

Me identifico mais com o Executivo.  Estou feliz com o trabalho que faço hoje. Acho que tenho identidade com o trabalho do prefeito Rogério Cruz.

Elder Dias – Como foi Rogério Cruz como seu colega na Câmara?
Foram oito anos de convivência. Ele foi uma das pessoas mais estáveis e respeitosas que conheci. Sempre fomos companheiros na Câmara. Nos meus projetos eu sempre tive apoio dele. Tivemos muitas coisas convergentes. Isso é importante para um parlamentar. 

Marcos Aurélio Silva – Sua pasta tem um trabalho que permite uma construção de política de gênero sólida e permanente? Ou mudanças na prefeitura da capital podem alterar os rumos das ações?
Acho que o mais importante é quando as questões deixam de ser política de governo e passam a ser uma política de estado. A ação da Secretaria das Mulheres no bairro, durante este governo, já está institucionalizada. Ela vai ocorrer a cada dois meses. No mês da mulher vamos fazer várias edições. Ou seja, já virou algo perene. A próxima secretária que entrar vai dar continuidade a isso.

Quando as ações dão certo, a sociedade passa a cobrar que se dê continuidade. A cidade vendo o serviço prestado, faz pressão para que siga sendo feito. Nosso objetivo é que seja continuado e amplie. 

Marcos Aurélio Silva – Goiânia consegue ofertar uma rede de proteção para mulheres em situação de risco? O que há hoje na capital que permite dar segurança para mulher denunciar o agressor, se proteger dele, e também recomeçar?
Temos uma casa abrigo. Muitas mulheres não saem da violência e até são assassinadas por não terem para onde ir no momento de risco. Elas sabem que se sair e forem para casa de um familiar, estão levando o risco junto com elas. Elas se veem sem ter pra onde ir. 

Goiânia conta com uma casa abrigo, com policiamento 24 horas e com alimentação. As mulheres podem levar seus filhos, ficar por um período de três meses, e prorrogar por mais três.

Neste local ela recebe o atendimento jurídico, psicológico, tem onde ficar com segurança até que o agressor recebe as providências da justiça. O endereço deste local não é divulgado. As mulheres que são abrigadas neste local são levadas de forma sigilosa e também não sabem o endereço. É uma casa que exige essa atenção.

Existem dois tipos de abrigamento. Essa modalidade de Casa Abrigo, a mulher fica presa enquanto é aguardada as providências da justiça. A outra é Casa Passagem. Esta não temos em Goiânia. É uma modalidade em que a mulher pode ficar, mas pode sair, trabalhar, ter uma vida… É para casos de menor gravidade e que a vida não esteja em risco.

Temos em andamento o projeto que se chama a Casa da Mulher Brasileira. É uma iniciativa do governo federal. Goiânia recebeu o tipo 1, que é a maior que tem dentro dos modelos. É importante porque abriga todas as políticas públicas para as mulheres. Terá Defensoria, Casa Abrigo e cursos de qualificação. É a providência que a prefeitura está tomando em relação a Casa de Passagem. 

Elder Dias  – O que é o Observatório Municipal da Mulher?
Buscamos inspiração no observatório de Brasília. Fizemos uma parceria com a UFG para criação do observatório da UFG, que terá o foco em buscar e compilar todos esses dados da violência e da situação da mulher. Esse será um trabalho que vai nos permitir ter as políticas e poder investir de forma proativa e não reativa. Que é a forma como acontece hoje.