Pré-candidato ao governo de Goiás pelo PT avalia que o combate à fome e a pobreza precisa ser prioridade nas políticas públicas

Elder Dias, Euler França Belém e Marcos Aurélio Silva

O PT não abre mão de ter um palanque para Lula em Goiás. Além de batalhas pelas alianças, o partido também lançou seu candidato próprio. O nome escolhido é do professor Wolmir Amado. Ele que foi reitor da PUC por cerca de 20 anos, tem grande experiência na área educacional e social –  características que terão grande peso no plano de governo. 

Em entrevista aos editores do Jornal Opção, Wolmir Amado conta porque quer ser candidato ao governo, quais suas percepções sobre as possíveis alianças e também avalia os problemas sociais e educacionais que precisam ser enfrentados com urgência.

Euler França Belém – O senhor é o pré-candidato a governador pelo PT de Goiás, em 2022?
Sim. Sou pré-candidato. Apresentei meu nome há um mês, na reunião do Diretório Estadual. Foi uma reunião ampliada. Evidente que ainda estamos em uma fase longe da convenção. Agora está tudo com o partido. Vai depender do discernimento do PT. Precisa ver o que é viável. O partido apoia, mas deixa uma janela aberta, para ver como evoluiu essas articulações. Está tudo muito em aberto no Brasil e em Goiás. Talvez o único que esteja certo é o governador que vai se lançar à reeleição. Ele está numa fase de pré-campanha.

Apresentei meu nome também na executiva nacional. Estive há uma semana com a deputada Gleisi Hoffmann, que é presidente do partido. Essa direção está olhando para uma questão bastante clara que é o governo federal, ou seja, Lula candidato a presidente. O foco e energia é para isso e para a formação de bancadas estaduais e federais. Para isso, o caminho das federações pode ser uma medida a se implementar. 

Nem em todos os estados o partido lançará candidato próprio. Em vários há empenho para fazer alianças. Aqui em Goiás eu já conversei com Gustavo Mendanha, com Vilmar Rocha, com Marconi Perillo e Elias Vaz. Foram vários ao longo de seis meses conversando. E se percebe que há uma indefinição que paira em todos. Está todo mundo esperando. Aguardam quem vai mesmo ser candidato, quem vai mesmo se desincompatibilizar. As alianças serão importantes. 

Neste cenário meu nome está colocado para chapa majoritária. Hoje para governador. Se posteriormente surgir uma possibilidade ou outra, vamos conversar. O PT gosta de analisar muito as coisas. Não há direito hereditário dentro do partido. Os quadros são lideranças populares, sociais, eclesiais, empresários, intelectuais e muita gente que pensa e analisa, colocando variáveis. Claro que o partido está na liberdade da análise. Mas é evidente que qualquer aliança que a gente fizer aqui teremos que dar palco eleitoral para o Lula, só aceitaremos uma aliança nesta condição. 

Euler França Belém – Temos relatos de que Marconi Perillo esteve ao menos em três encontros com o Lula. E nestas conversas o líder tucano cogitou uma composição direta com o PT. Uma chapa liderada pelo ex-governador Marconi Perillo é algo possível?
Creio que qualquer partido que der palanque para o Lula, é possível ter uma aliança. Exceto, evidentemente, o União Brasil. Isso porque o modo de pensar e fazer é diferente do nosso.

Euler França Belém –  Esse é o mesmo caso com o prefeito de Aparecida de Goiânia, Gustavo Mendanha, que está se definindo como apoiador de Jair Bolsonaro ou Moro?
Sim. Se for opção por Lula, tudo bem para aliança. Se for uma escolha por qualquer outro, não haverá possibilidade. 

Euler França Belém – O exatamente o senhor conversou com Gustavo Mendanha e com Marconi Perillo e o que eles disseram?
Com todos eles eu coloquei aquilo que está à disposição do partido, que é a disponibilidade de aliança. Todos foram atenciosos e acolheram bem. Entretanto está em aberto, pois depende da conjuntura nacional e das escolhas que o partido faz transcendendo o próprio candidato. Conversei inclusive com o Daniel Vilela, antes dele aceitar a vaga de vice de Ronaldo Caiado. Parecia-me que seria uma boa aliança entre MDB e PT. Algo que já aconteceu no passado.  Já com o Marconi foi uma conversa fraterna e aberta. Temos uma convivência longa, afinal quando ele entrou no governo, estive à frente da PUC. 

Elder Dias –  As recentes pesquisas mostram que Lula está a ponto de ganhar no primeiro turno. Mas mesmo assim, em Goiás, parece que ninguém quer Lula no seu palanque. Que peso isso tem na sua candidatura?
O PT não tem salto alto. São 40 anos de partido. Passamos por altos e baixos. As pessoas sabem que tem que construir, enfrentar o processo eleitoral, depois sustentar o governo, dar condições de governabilidade e pacificar a sociedade. O fato de o Lula figurar em primeiro lugar nas pesquisas cria um ânimo, claro, mas o partido é muito amadurecido e com pé no chão. Se há um momento para o PT governar é agora. Isso pelo amadurecimento do partido que vivemos.

Os pobres devem estar no coração do governo

Outro ponto é que essa fala de que Goiás é um estado agrário e conservador –  pontos que seriam negativos para Lula. Não é bem assim. A gente vê que em 2018 o Bolsonaro esteve muito à frente aqui. Mas agora não é assim, inverteu-se. Aqui e em boa parte dos estados. Esse é um componente forte.

Fala-se que os evangélicos apoiam Bolsonaro, mas não é bem assim. O PT tem muitos setoriais, um que foi criado aqui em Goiás e que existe em todo o país se chama inter religioso. Em uma reunião realizada há 15 dias, havia representantes de pelo menos 15 igrejas. Destes,  três eram católicos. Os demais eram de igrejas das mais diversas. E ainda há aquele evangélico que não participa de movimento algum, mas quando se fala de família é lógico que se sensibilizaram. Só que agora quando o pobre não pode pagar o botijão de gás ou que a panela está vazia, a figura muda. Não há discurso religioso que convença famílias nesta situação. E eles falam que querem voltar ao que era antes, ou seja, governo Lula. 

Esses fatores não são compactos assim. Elas não só se segmentam, como os interesses e percepções são variáveis. Isso está dando uma configuração diferente para Goiás. O estado hoje caminha para o que era e sempre foi o nordeste: está com Lula. 

Avaliamos se a escolha no País vai influenciar na escolha estadual. Há uma expectativa de que se crie uma onda “vote 13”. Aí Lula será o grande cabo eleitoral na campanha do governo estadual. Ao olhar a pesquisa segmentada em Goiás, ele tem alta votação em Rio Verde e Jataí.

Euler França Belém –  Como o senhor avalia a questão do Bolsa Família que agora foi descontinuado para a implementação do programa Renda Brasil?
O Bolsa Família veio de uma avaliação do projeto Fome Zero. Quando começou a se estruturar, foi percebido a urgência de tratar daquela faixa da população que vivia na miséria. Não se tratava ainda da questão de emprego e educação. Isso demoraria muito. Era preciso matar a fome de quem estava em situação de risco alimentar. 

O Bolsa Família foi longamente estruturado. A Etapa inicial dele, me lembro de trazer em Goiânia o Frei Beto, para discutir e colaborar com o programa Fome Zero. Naquele instante começou-se a tentar conscientizar a população sobre o problema da fome e os esforços que deveriam ser feitos daí para frente. 

Chegou-se à conclusão de que deveria superar os seminários e começar a colocar a mão na massa. Foi então feito um esforço muito grande para resolver o problema. Veja um exemplo: se alguém quisesse fazer a doação de um item para ajudar no combate à fome, aquilo era tão burocrático que era impossível aceitar. 

Cito esse exemplo para dizer que a implementação do Fome Zero e Bolsa Família foi um processo gradual. Foi preciso ajustar a logística de distribuição de alimentos. Foi, portanto, necessário criar uma estrutura e formas de atuar. Isso foi afunilando de forma que se percebeu que necessitava de outra ação que não fosse a distribuição de alimentos. Precisava de algo mais complexo e bem elaborado. Isso se estruturou e virou Bolsa Família, que foi testado por 15 anos. Agora chega o governo e desmonta.

Não se monta um outro Bolsa Família de uma hora para outra. Essa é uma situação análoga ao que ocorre no MEC e no Social. Sempre há um dilema na composição de governos para que o estado continue funcionando, e que haja o princípio de defender aquilo que está funcionando. Se o governo quer mudar uma nova cara e mudar o título do programa é até tolerável, embora seja imoral. Entretanto, demonstrar e começar do zero aquilo que é uma conquista da sociedade, é algo grave. 

Elder Dias – Foi um erro do PT em não colocar em prática uma forma de prever um percentual fixo no orçamento para os programas de combate à fome, como o que ocorre com educação e saúde?
Todos esses programas foram aprovados pelo congresso. Agora, o que os governos podem fazer é injetar recursos menores naquele programa ou desmontar os quadros. É aí que surgem os problemas. É muito mais no aspecto operacional do que no ponto de vista jurídico.

Não há um percentual de rubrica de verba obrigatória. Existe o programa aprovado, mas sem um valor percentual fixo. Há uma reticência entre todos os parlamentares enquanto a isso, em razão que há nas cidades, estados e união, muitas rubricas orçamentais. Quando olhar o orçamento para executar com obras, por exemplo, fica muito pequeno. Há uma gigantesca demanda e há aspectos novos que precisam ser implementados. Eu não acho que seja fácil aprovar rubricas.

“Essa história de Estado mínimo é para quem tem dinheiro e está bem na vida”

A meu ver o combate à insegurança alimentar deveria ser prioridade. Enquanto o Brasil não superar o problema da fome, esse deveria ser um tema com mais atenção, até mais do que saúde e educação. Estamos falando de vidas. A fome bate à porta das famílias, e agora de uma forma mais grave e ostensiva, e alguém tem que dar de comer.

As iniciativas da sociedade civil são importantes e colaborativas, mas o Estado deveria estar mais presente. Essa história de estado mínimo é para quem tem dinheiro e está bem na vida. Nestas situações de vulnerabilidade social, deve se ter o máximo da presença do estado. O estado deve ser inteiro, suprir e precisa preencher o vazio dos sem vez e sem voz, aqueles que estão à margem, não só geográfica, mas na interlocução e de protagonismo social. O estado tem que suprir, com todos os poderes da república e com recursos da sociedade brasileira. 

Não tem como um país como o nosso, que é capaz de alimentar todo o continente asiatico e europeu, ter aqui a comunidade distribuindo cesta básica e outros tantos passando fome.

Ao meu ver, precisamos retomar com muita força três pontos: fome zero, desmatamento zero e despejo zero. São fatores decisivos. Esses pontos têm intersecções. O fome zero é em razão da absoluta vulnerabilidade social. O desmatamento zero é porque todo o risco ambiental recai primeiro sobre os pobres –  se seca o manancial eles ficam sem água primeiro e caso haja um desastre ambiental os que estão à margem são os atingidos. Na região metropolitana de Goiânia mais de 10 mil pessoas estão em ocupações. Onde colocar essas pessoas? Eles não cabem no mundo? Onde essas pessoas moram em geral são casas de lona, vivendo na extrema pobreza com o impacto da falta de moradia.

Não quero desprezar a infraestrutura, mas colocamos R$ 1 bilhão para recapear asfalto, mas não atende essas pessoas vulneráveis. É preciso colocar caráter de urgência. É preciso avançar tanto no orçamento na questão do asfalto? Ou é preciso suprir de forma premente a questão da fome que está tomando parte da população, e que se acentuou neste período de pandemia.

A questão social e ambiental não pode ser apenas responsabilidade de uma secretaria de governo. Ela deve estar no coração do governo, ou seja, no conceito de gestão que coloca o social como centro. Os pobres devem estar no coração do governo. Estamos falando de um problema estrutural e ao enfrentar o problema social, estaremos simultaneamente enfrentando o atraso econômico, científico, tecnológico e educacional. Tudo isso precisa ser acompanhado pelo desenvolvimento social da população. Os pobres são cidadãos como os demais, mas neste instante eles demandam por uma atenção maior. 

Elder Dias – Essa é a minuta do senhor como pré-candidato ao governo do Estado?
Primeiro que isso está no meu coração, ao longo de minha vida. Isso é algo que não pode ser artificial ou existir apenas por razões eleitorais. São pontos que devem transmitir convicções de vida. Depois se traduzem em eleição e voto. 

Realmente se for fazer um plano de governo, o fome zero, desmatamento zero e despejo zero, são ideias globais prioritárias. São pontos que estarão no coração do projeto. 

Euler França Belém –  Como o senhor avalia o  Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de forma geral e no atual governo de Jair Bolsonaro (PL)?
Na gestão do PT, pude acompanhar todo o processo de criação do Enem. Vi implementar toda a estruturação do Sistema Nacional de Avaliação (Sinais), e vi nascer dele o Enem e o  Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). Vi, acompanhei e trabalhei na estruturação de todo o Programa Universidade para Todos (Prouni). Presidi o conselho de Reitores do Brasil e pude acompanhar a implementação do Reuni (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais.). 

Quanto ao sistema de avaliação, o Enem foi uma obra gigantesca feita no MEC em décadas passadas. Tudo foi inspirado em grandes referências de avaliação de todo o sistema educacional em países avançados. Foi adaptado e adequado ao Brasil. Claro, que na hora da execução houve dificuldades, custo financeiro, problemas de logística ou fragilidade. Porém, o Enem é um grande indicador, que permitiu o ingresso pelo Sinais, para as universidades públicas federais, com uma universalização da educação bem ampla quando se fala no acesso à educação superior. O Enem é base para o ingresso na educação superior pelo Prouni.

Não existe nenhum desses programas de forma desvinculada do outro. Se desestabiliza o Enem, também afeta o ingresso ao ensino superior por meio do Prouni. Os pobres são os mais afetados. Isso em todo o país. Temos que lembrar que o Enem é o que garante o acesso e a universalização da educação, além da otimização das vagas. 

Eu defendo integralmente o sistema que engloba o Enem. É algo muito bem pensado

Durante o governo Bolsonaro o MEC desandou. Foram sucessivos ministros que criticavam a educação. A cada hora se inventava uma moda. Primeiro a escola sem partido, depois ideologia de gênero, e tantas outras. Tudo na verdade era fumaça levantada pela incompetência de conduzir a complexidade que é o sistema educacional no país. Isso demonstra uma fragilidade do próprio ministério ao conduzir o Enem, a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e demais sistemas de avaliação de pós-graduação e pesquisas. 

Tivemos uma série de problemas que nunca havíamos assistido em tamanha gravidade nestes últimos anos. A cada ministro que se sucedeu, o número de polêmicas que se criou e os embates ideológicos demonstravam que não conheciam o chão da educação, que são aqueles que a fazem, as instituições, os coordenadores de programas. Enfrentamos muitas dificuldades com o MEC nos últimos anos, em razão do desmonte que foi feito. Tiraram todas as pessoas capacitadas que estavam em posições de coordenação e gerenciamento por acreditarem que eram todos petistas. A ideologia política foi nociva. Tiraram todos os profissionais de carreira de posições estratégicas. Para recompor essa reestruturação não será fácil.

Euler França Belém – O senhor esteve à frente de uma universidade de referência. Qual o grande legado do senhor na UCG e na PUC?
São várias. Em termos de obras físicas temos o Centro de Convenções, que é o maior do Centro-Oeste. Tem a emissora de televisão. Praticamente duplicamos o espaço da universidade. O Campus V, que antes pertencia à universidade Cambury. Do ponto de vista patrimonial a universidade aumentou em seis vezes –  falando no que se refere ao móvel e imóvel.

Do ponto de vista acadêmico tivemos dezenas de cursos novos, entre eles medicina, medicina veterinária e odontologia. Foram criados 12 novos mestrados e três doutorados. No campo de pesquisa, atualmente se produz cinco vezes mais do que há vinte anos. Esse é um aspecto qualitativo decisivo.

Euler França Belém –  A fuga de cérebros nunca foi tão grande. Enquanto China está importando ciências americanos e alemãs, ou os Estados Unidos importando pesquisadores europeus, os nossos intelectuais estão abandonado o país. Como o senhor avalia esse prejuízo?
Primeiro tem a questão geral de um governo que se instalou com o jargão de negacionismo. Que nada mais é do que o anticientificismo Na vida nunca imaginei encontrar um governo que fosse negar a ciência, que fosse ser contra as conquistas da ciência. É daí que tem toda decorrência da educação, o MEC, da Capes, do CNPq, o desmonte do programa Ciência Sem Fronteira –  acompanhei alguns jovens que representavam a conquista do filho do pobre estudando em Paris ou Nova York. 

Precisa destacar que esse era um processo meritocrático, feito por meio de avaliações de desempenho de notas. A gente se comove ao ver os estudantes podendo ir fazer suas pesquisas no exterior. Se tratava de jovens com aprendizagem intercultural e iniciação científica internacional, que ao voltar ao Brasil transformavam sua comunidade e a universidade. Eles abrem o horizonte. Foram centenas de pessoas beneficiadas com o programa Ciência Sem Fronteira, que agora não existe mais.

“Será possível aliança com qualquer partido que der palanque para Lula”

Esse é o modo como a ciência foi uma das mais atingidas por esse governo. Hoje a população é induzida e incitada por esse tipo pelo governo a acreditar mais em informação de rede social do que em uma conclusão científica feita por anos e internacionalmente, como por exemplo, a vacina da Covid.

Euler França Belém – Paradoxalmente a tudo que Bolsonaro fez contra a ciência, os pesquisadores passaram por cima disso e deram uma resposta rápida e certeira no combate a Covid. A ciência conseguiu superar o que parecia insuperável?
Sim. Temos uma comunidade científica instalada no Brasil, com quadro de cientistas de projeção internacional. Participamos dos avanços da ciência no mundo em todas as áreas. 

Essas comunidades científicas instaladas são um dos maiores patrimônios que o país tem. É o que assegura e vai garantir a soberania do país. Faremos isso pelo caminho da ciência, ou não se fará só pelo plantio de soja. Mesmo com plantio de grãos e venda de carne é preciso ter o conhecimento científico da agricultura de alta precisão, desenvolvimento sustentável e proteção de nosso bioma. Tudo isso será continuado com o avanço da pesquisa científica.

Foram instituições, homens e mulheres de ciência que seguraram ininterruptamente a pesquisa científica no Brasil, para além da oscilação de governos. São comunidades consolidadas que não se interromperam.

Mas o governo conseguiu prejudicar. Primeiro com essa onda negacionista, o achincalhamento e depreciação imputado aos cientistas. 

Elder Dias –  Muitas dessas depreciações também foram estendidas para as universidades, principalmente as públicas. Isso de alguma forma atingiu também a PUC?
Atingiu todas as universidades do país. Houve impacto em todo o sistema de ensino superior. A sociedade passou a odiar as instituições por acreditar e associar esses espaços como lugar de uso de drogas, algazarras e por não ter aulas com seriedade. O que não é verdade. Podem ocorrer fatos isolados, mas em geral isso não ocorre em uma universidade. 

Veja, só no Setor Universitário, somando a UFG e PUC dá quase 50 mil estudantes. Não são todos iguais. Há gente de todos os lugares do Brasil e do mundo. Em torno da palavra Universidade há todas as origens culturais possíveis. Eventualmente pode ter um problema aqui ou acolá, mas não são isolados. Não se pode depreciar toda a comunidade acadêmica. Isso é de leviandade para quem está com o poder do estado em mãos, como um presidente ou representante de um governo. 

Marcos Aurélio Silva –  O senhor acha que essa situação também passa pela polarização entre religião e ciência, que está evidente no discurso deste governo?
Sim. É uma falsa polarização entre fé e ciência. Isso de repente veio à tona. Achávamos que esse era um tema que estava concluído e devidamente compreendido. O horizonte da fé tem uma episteme, de um modo de compreensão e linguagem. O episteme de projetos da ciência são com outro recorte, outra forma de abordagem. As duas podem dialogar. São linguagens que podem dialogar entre si. Há até uma encíclica sobre isso. 

De repente trazer fideísmo, crenças anti-científicas para anular os resultados científicos não é bom. Não foi bom no passado quando alguém da área de ciência precisava alguém que expressasse uma fé ou credo. 

Durante a pandemia esse tema eclodiu e acabou tensionando a relação fé e ciência. Vimos, portanto, aquilo que se achava pacificado e assimilado historicamente ainda lateja. Não é só uma questão de governo. É uma parte da sociedade que se sente representada por esses atos. É um desafio que temos que trabalhar na sociedade brasileira. 

Euler França Belém – Como o senhor avalia o fato de Goiás ter o melhor resultado do Ideb?
O Ideb é sempre uma construção que é feita ao longo de gestões. Então, este indicador, quando ele mostra melhora não é o retrato de um ano ou dois, mas um esforço de um investimento e melhoria gradual da educação ao longo dos anos.

Veja, o Ideb está melhor, mas ainda está distante daquilo que se almeja para educação básica. Falta muito para os estudantes terem o domínio de todas as linguagens. Não é que o desempenho está bom, ele melhorou em relação a anos anteriores. 

Certamente levaremos gerações para nos equiparamos ao desempenho de outros estudantes de países desenvolvidos no mundo. Mas eu vejo de um modo otimista. Temos que ter uma visão para além da política. Cada conquista deve ser aplaudida, mesmo que o governo daquele momento procure se projetar com aquilo, mas se significar avanço deve ter o reconhecimento. 

Euler França Belém –  Como o senhor avalia a questão do Bolsa Família que agora foi descontinuado para a implementação do programa Renda Brasil?
O Bolsa Família veio de uma avaliação do projeto Fome Zero. Quando começou a se estruturar, foi percebido a urgência de tratar daquela faixa da população que vivia na miséria. Não se tratava ainda da questão de emprego e educação. Isso demoraria muito. Era preciso matar a fome de quem estava em situação de risco alimentar. 

O Bolsa Família foi longamente estruturado. A Etapa inicial dele, me lembro de trazer em Goiânia o Frei Beto, para discutir e colaborar com o programa Fome Zero. Naquele instante começou-se a tentar conscientizar a população sobre o problema da fome e os esforços que deveriam ser feitos daí para frente. 

Chegou-se à conclusão de que deveria superar os seminários e começar a colocar a mão na massa. Foi então feito um esforço muito grande para resolver o problema. Veja um exemplo: se alguém quisesse fazer a doação de um item para ajudar no combate à fome, aquilo era tão burocrático que era impossível aceitar. 

Cito esse exemplo para dizer que a implementação do Fome Zero e Bolsa Família foi um processo gradual. Foi preciso ajustar a logística de distribuição de alimentos. Foi, portanto, necessário criar uma estrutura e formas de atuar. Isso foi afunilando de forma que se percebeu que necessitava de outra ação que não fosse a distribuição de alimentos. Precisava de algo mais complexo e bem elaborado. Isso se estruturou e virou Bolsa Família, que foi testado por 15 anos. Agora chega o governo e desmonta.

Não se monta um outro Bolsa Família de uma hora para outra. Essa é uma situação análoga ao que ocorre no MEC e no Social. Sempre há um dilema na composição de governos para que o estado continue funcionando, e que haja o princípio de defender aquilo que está funcionando. Se o governo quer mudar uma nova cara e mudar o título do programa é até tolerável, embora seja imoral. Entretanto, demonstrar e começar do zero aquilo que é uma conquista da sociedade, é algo grave.