Ex-presidente da seção goiana da Ordem e nome de peso da OAB Forte diz que seu grupo deve ganhar novamente a disputa entre os advogados e ressalta a “inexperiência” do principal adversário

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Fernando Leite/Jornal Opção

Titular de um dos mais conceituados escritórios de advocacia de Goiás, Felicíssimo José de Sena está fora da composição da chapa da OAB Forte para as eleições da classe, que ocorrem no final de novembro, mas não se abstém de participar do processo. Nome referência da entidade — a qual presidiu de 1987 a 1993 e de 1996 a 2003 —, ele ressalta a “necessidade” da eleição de seu candidato, Flávio Buonaduce, diante do momento que vive a seção goiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO).

“Vivemos um momento de dificuldades. O descalabro financeiro a que chegou a Ordem terá de ser recuperado e o próximo presidente deverá suprir essa deficiência da atual conjuntura, mas também realizar ações que atendam à advocacia”, resume. Para isso, segundo ele, nada mais adequado do que eleger Buonaduce: o ex-presidente da Escola Superior de Advocacia (ESA) é “altamente experiente, sóbrio, equilibrado, tranquilo, tolerante e bom de diálogo”.
Ao receber a equipe do Jornal Opção na sede de seu escritório, Felicíssimo Sena não deixou de falar também da conjuntura nacional. Sem se dizer nem contra nem a favor do impeachment, ele diz que há base jurídica para o processo. Para Felicíssimo, é preciso que se resolva logo se a presidente Dilma Rousseff (PT) fica ou não no poder, para que o País possa caminhar. O advogado é também otimista quanto ao desenrolar da Operação Lava Jato.

Elder Dias — A menos de um mês de um pleito que deve ser o mais concorrido da história recente da OAB-GO, como o sr. avalia a conjuntura para as eleições? A saída de Enil Henrique da OAB Forte para se lançar enfraquece seu grupo de origem?
Não acredito nisso. Em minha avaliação, na contagem final de votos, Enil será o terceiro colocado ao fim das eleições. Digo isso porque ele migrou com um número muito pequeno de pessoas, levando um universo numericamente pouco representantivo. Também vejo que não há muitas lideranças o acompanhando. Por outro lado, acredito que, seguramente, Flávio Buonaduce deve ser o candidato mais votado e deverá tomar posse no próximo ano.
Vamos trabalhar para que isso aconteça. Quem vence eleição é aquele que acredita que pode perdê-la. Se você acreditar que possa perdê-la, você vai vencê-la. Se você não acreditar que possa ser derrotado, acabará vencido.

Elder Dias — Mas, dentro desse prognóstico positivo que o sr. faz, o sr. acredita em uma vitória por grande margem ou será por uma votação apertada?
Historicamente, as eleições da OAB-GO vêm sendo disputadas por duas chapas: uma da OAB Forte, que tem vencido todas as eleições, e outra do grupo da oposição, desta vez liderada por Lúcio Flávio. Ocorre que o advogado não tem uma partidarização como na política tradicional. Ele costuma seguir uma linha de pensamento, uma representatividade, e tende a levar em conta a experiência dos que estão concorrendo. Esse é um dos motivos por que acredito na eleição de Flávio Buonaduce: ele é uma pessoa altamente experiente — já foi secretário-geral da Ordem e presidente da Escola Superior de Advocacia (ESA) —, sóbrio, equilibrado, tranquilo, tolerante e bom de diálogo.

Principalmente para o próximo mandato, a Ordem vai precisar exatamente de alguém com esse perfil, pois está passando por um momento economicamente muito difícil, com desequilíbrios dos quais não posso identificar a autoria, já que não estou vivendo do lado de dentro da gestão. O próximo presidente deverá suprir a deficiência financeira da atual conjuntura, mas também realizar, inevitavelmente, empreendimentos, iniciativas e ações que atendam a advocacia no momento. Mas grande parte da energia deverá ser canalizada para saldar compromissos já assumidos.

Elder Dias — Como no poder público, então, virão também para a OAB-GO anos de muitos ajustes?
A Ordem é uma instituição diferente dos demais órgãos classistas. Ao contrário dos conselhos de Contabilidade, de Farmácia, de Medicina e demais conselhos profissionais — que são subordinados ao Ministério do Trabalho —, a OAB não tem vinculação alguma, dá conta de si própria a si própria: a direção presta contas ao Conselho Estadual, que, por sua vez, obrigatoriamente submete essas contas ao Conselho Federal. É uma gestão plenamente autônoma. Por isso mesmo, é preciso muita responsabilidade na condução da direção. Essa autonomia precisa ser usada com parcimônia, com cautela, com respeito. Isso é absolutamente indispensável.

Cezar Santos — Em vista dessa situação difícil na entidade, a grande obra do próximo presidente será sanear essa situação? Ou ele terá condição de, além de sanear, fazer algo a mais?
A advocacia é composta de pessoas que cobram bastante, e elas continuarão assim, cobrando ações. O descalabro financeiro a que chegou a Ordem terá de ser recuperado, mas acredito que os próximos gestores deverão destinar uma parcela dos recursos para cumprir as obrigações já assumidas e outra parcela para implementar novas iniciativas. Não vejo uma entidade como a OAB de repente viver só pagando contas. Esse caminho deve ser feito, sim, mas não pode ser exclusivo.

Cezar Santos — Em termos de obra física, o que ainda precisa ser feito?
O que o advogado precisa — e tem recebido, a Ordem tem cumprido essa tarefa — é de salas para seu trabalho. A OAB tem construído sedes em suas subseções. Isso é importante e é útil, mas o que o advogado profissional efetivamente quer e precisa é de salas no ambiente forense. Desde a gestão do dr. Paulo Teles à frente do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), todos os prédios e fóruns têm reservado uma sala para os advogados. É preciso que essas salas sejam suficiente equipada, para que os advogados possam — principalmente os de outras comarcas e os que têm escritório longe do endereço forense — desenvolver seu trabalho profissional, com consultas à internet, facilidade para peticionar, com papel, impressora, fax, um colaborador e uma secretária. São equipamentos básicos e de custo modesto, mas que acabam sendo indispensáveis ao exercício da advocacia.

Flávio Buonaduce deve ser o candidato mais votado. ele é altamente experiente — já foi secretário-geral da Ordem e presidente da Escola Superior de Advocacia —, sóbrio, equilibrado, tranquilo, tolerante e bom de diálogo”
Flávio Buonaduce deve ser o candidato mais votado. ele é altamente experiente — já foi secretário-geral da Ordem e presidente da Escola Superior
de Advocacia —, sóbrio, equilibrado, tranquilo, tolerante e bom de diálogo” | Wesley Costa

Frederico Vitor — As três chapas devem ser bastante cobradas em termos de pautas que favoreçam os advogados jovens, um número crescente na OAB-GO. O sr. observa que a cobrança por parte desse nicho tem sido mesmo relevante no processo?
Nesta semana eu estive no lançamento da campanha de Flávio Buonaduce, em seu comitê. En­contrei prioritariamente, em grande volume, advogados jovens. Eles são entusiasmados e se envolvem com o projeto. O advogado jovem quer que a Ordem crie um ambiente propício a ele, com salas de consultoria, salas compartilhadas, novos acessos. Dizem que a biblioteca física está fora de moda, mas ela ainda tem sua importância, é um ambiente bastante útil. Esse advogado quer exatamente que criemos meios para que ele possa se resolver e, efetivamente, se profissionalizar.

Costumo dizer que o advogado tem um momento muito interessante, ao sair do curso de Direito: até se formar, ainda matriculado em sua faculdade, ele é estudante; então, termina sua formação e vai prestar o Exame de Ordem. Ocorre que, até que seja aprovado no Exame, ele não é nada, está no limbo: não é estudante, porque já concluiu o curso, e não é profissional, porque não passou no Exame de Ordem. Por isso, sempre recomendo que a OAB-GO ofereça um Exame sempre com qualidade técnico-científica saudável — como tem mantido —, dando oportunidade para que esse jovem advogado se introduza no mercado resolvendo sua condição de vida, sem se decepcionar.

Eu sempre faço um paralelo com a advocacia: digo que ela é o curso me­nos difícil; contraditoriamente, é a mais difícil das profissões para se exercer. Por que digo isso? Todos os mé­dicos têm como mesmo objetivo sal­var vidas, todos estão na mesma linha de raciocínio, no mesmo rumo; os engenheiros, da mesma forma; já nós, advogados, somos formados pa­ra combater um ao outro. Esta­mos sempre nos digladiando. O advogado é o único profissional envolvido em seu processo que tem o dever de ser par­cial: o juiz tem de ser imparcial, assim como o promotor — não co­mo parte, mas enquanto está oficiando, como parecerista. Já o advogado tem o dever de parcialidade. Ainda que sejam falsas as alegações de seu cons­tituinte, ele não compactua com a falsidade, mas com a tese defendida por seu cliente, ainda que seja negativa de autoria. Na verdade, todas as pes­soas têm direito à defesa, seja em que situação for, é um direito inarredável.

Elder Dias — No Direito, parece haver uma dificuldade de o advogado ser colocado — ou se colocar — no mesmo patamar dos demais profissionais da área. Há, inclusive, aquela piada antiga que compara o juiz a um deus. Como fica essa questão das prerrogativas?
O primeiro defensor das prerrogativas é o próprio advogado. O advogado não pode “capachear”, não pode se submeter aos caprichos de um juiz ou do Ministério Público. O advogado precisa se manter independente, mas, acima de tudo, equilibrado. É preciso manter o equilíbrio, porque em toda ação haverá um vencedor e um perdedor, não há empate nas demandas, isso não muda nunca. Então, o advogado tem de saber ganhar e saber perder. Uma sentença bem definida e organizada, metodicamente, solidamente construída com bases sólidas em provas, acaba convencendo até o perdedor. O que o advogado não tolera — e não deve tolerar — é a sentença mal posta, mal organizada, um trabalho sem rigor científico. Isso não deve ser tolerado e o advogado, então, tem aí o dever de recorrer. A insurgência contra sentenças mal postas é a resposta técnica e eficiente que o advogado deve dar.

Muito tem sido discutido em relação à duração dos processos no Brasil. Dizem que eles demoram demais, que é preciso reduzir o número de processos. Ora, o índice de reforma de julgados nos tribunais é bastante expressivo. Chegamos a um universo de quase 30% de reformas. Isso autoriza a concluir que os recursos são muito úteis. Em princípio, os tribunais acertam mais do que o juízo de primeiro grau, por serem órgãos colegiados.

O Artigo 557 do Código de Processo Civil (CPC) permitiu o julgamento monocrático, que otimiza a chegada ao resultado final no segundo grau, mas quebra um dos princípios do juízo dos tribunais, que é a colegialidade. O artigo diz que, se o relator sentir convencimento e a matérias for pacífica no tribunal, quando a razão for bastante clara ele poderá julgar monocraticamente, o que tem sido prática constante. Contra isso nós devemos nos insurgir, desde que tenhamos razões técnicas para fazê-lo. O advogado não deve ser um despeitado, mas um portador de qualidades técnicas, hábeis e qualificadas para defender suas teses.

Elder Dias — A Ordem tem ajudado nisso? Esse debate está sendo feito na campanha?
Esse momento agora é eleitoral, mas a Ordem tem feito muito, na medida em que ela disponibiliza as comissões de prerrogativas, a Escola Superior de Advocacia etc. Como o advogado vai se firmar? Vai se firmar quanto mais qualificado ele for para debater, porque briga é o argumento de quem não tem razão. Quem não tem razão vai para o desrespeito, para a quebra da lógica, do bom senso e do equilíbrio. A Ordem tem contribuído para que o advogado exerça sua profissão tecnicamente. Como instituição, é sempre uma parceira do advogado, independentemente de quem a esteja dirigindo.

Elder Dias — O sr. falou há pouco das dificuldades para exercer a profissão. Como em outras atividades, um desafio é a saturação do mercado: quanto mais advogados novos, mais concorrido é exercer o ofício. O Exame de Ordem é um filtro? Como o sr. analisa esse aspecto?
O Exame de Ordem é uma resposta ao número indiscriminado de faculdades de Direito. Em Goiás, quando em formei, tínhamos a Faculdade de Direito da Univer­sidade Federal de Goiás (UFG), onde me formei, a Católica [hoje Pontifícia Universidade Católica de Goiás] e a Faculdade de Direito de Anápolis (Fada). Eram três faculdades no Estado. Hoje, se não estou equivocado, temos 43 cursos de Direito em Goiás. Não há uma cidade goiana com mais de 30 mil habitantes que não tenha faculdade de Direito. Isso virou um ótimo negócio. Com isso, perdeu-se a noção da utilidade do curso. Ainda assim o curso de Direito é importante, mesmo que não forme um advogado. A qualquer pessoa que me pergunta se deve fazer o curso, mesmo que diga que não vai exercer a profissão, eu respondo que sim, que deve fazer. Para qualquer profissão, o curso de Direito é útil, pois dá informações úteis à vida e a qualquer atividade empresarial.

Entretanto, a profissionalização do Direito está ficando cada vez mais difícil. Mas há sempre espaço para o acadêmico esforçado, o jovem formado iniciante que seja estudioso,
qualificado, que se dedique a se preparar para o mundo profissional. Sempre haverá espaço para esse jovem, às vezes oriundo de escolas modestas. Muita gente não vai conseguir se profissionalizar, será apenas um bacharel, ficará no limbo, como falei antes. Este é um perigo. Ainda assim, digo que muita gente nova saindo das escolas, mesmo das mais modestas, que vão entrar na profissão de forma qualificada. Geralmente são pessoas que tiveram boa formação em sua educação básica. Conheço bons exemplos disso.

A formação de qualquer pessoa em atividade liberal não é feita só no curso de graduação. O advogado não se forma apenas no curso de Direito, ele traz uma bagagem dos primeiros estudos, um primário razoável, um ginasial razoável, um científico razoável, para usar a terminologia do meu tempo. E depois, um curso de Direito razoável, com alguma habilitação.

Inadvertidamente, as pessoas de melhor qualificação estão nas universidades federais, porque vieram de escolas melhores e, quando vão para o vestibular, têm mais aptidão. É aquela inversão de valores: na Federal, que é gratuita, estão as pessoas que têm melhor condições financeiras. É inevitável isso. O vestibular — agora o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] — seleciona pela qualificação intelectual. E qualificação intelectual a pessoa não pode comprar, mas adquire aos poucos, com suor, com trabalho e com dedicação.

Cezar Santos — Há um consenso de que a Justiça é muito mais difícil para as pessoas de menor condição financeira. Como o sr. analisa essa questão e como ela pode ser resolvida?
A estrutura no Brasil é interessante: temos o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. O cidadão não paga ao presidente, ao governador ou a prefeito para, casuisticamente, baixar um decreto ou mandar uma mensagem de lei. O Executivo pratica esses atos por iniciativa própria. O cidadão não paga, casuisticamente, para o parlamentar votar projetos de lei. Mas o cidadão paga casuisticamente quando precisa do Judiciário. Para usar o Judiciário, você inevitavelmente tem de pagar. Deveríamos ter o Judiciário com acesso gratuito, com todo o cidadão tendo serviços gratuitos, ou no máximo tendo um valor simbólico à Justiça. Mas não é isso que acontece, porque o Judiciário não tem o compromisso de se aproximar da sociedade, ele não fixa esse compromisso consigo próprio. Isso é histórico no Brasil, o Judiciário vem se distanciado a cada dia. Mas observo que temos uma Justiça boa, embora excessivamente onerosa e, consequentemente, muito distante das pessoas carentes.

Quando se vai para a assistência judiciária, é um desastre, porque é excessivamente volumoso. Um juiz está despachando 30 mil processos, como administrar isso? É desumano exigir que ele faça isso com qualidade e eficiência.

Cezar Santos — E em Goiás, a Justiça é mais cara ainda.
Exatamente, em Goiás paga-se mais caro pelo acesso ao Judiciário. A mesma ação em Goiânia tem uma diferença enorme de outra similar em Uberlândia (MG). As Justiças de Goiás e do Tocantins estão entre as mais caras do Brasil, muito mais caras que as de outros locais.

Cezar Santos — E a Defensoria Pública, que não foi devidamente estruturada em Goiás?
A defensoria pública está “microinstalada” no Estado. Por isso que há os advogados que atendem à assistência judiciária. O juiz arbitra os honorários e o Estado depois paga. Eu defendo que se instale definitivamente a Defensoria Pública eficiente. Mas, até que se instale, que o governo pague sempre os honorários, pelo menos de seis em seis meses. Há muitos advogados que buscam essa designação, pelo fato de o mercado estar muito difícil. O advogado se oferece ao juiz para a assistência judiciária, para ser designado para as causas. E lembro que esses honorários são pequenos, modestos.

Elder Dias — Sempre houve uma polêmica pelo aumento do valor dos honorários dativos. O ex-presidente Henrique Tibúrcio negociou isso com o governo e recentemente houve uma paralisação. Como ficou isso?
O governo mandou uma mensagem para a Assembleia e está caminhando para sancionar um incremento bastante expressivo na UHD [unidade de honorários dativos]. Acredito que deverá se concretizar nos próximos dias. A greve que houve não sei se foi adequada, porque se penaliza justamente quem precisa do serviço. Mas a solução está encaminhada com a Defensoria Pública, não há como ser diferente.

“Nem na época de Collor a corrupção era tão generalizada”

Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção
Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Elder Dias — Como o sr. avaliou a ida do ex-presidente Henrique Tibúrcio da OAB-GO para o governo e qual foi o impacto disso dentro do meio da advocacia?
Entendo que Henrique Tibúrcio não deveria ter aceitado o convite para o governo. Mas foi uma opção pessoal dele, quero me abster de criticá-lo assim. Como político classista, eu não aceitaria — como, aliás, repetidas vezes deixei de aceitar. Para nós, advogados do grupo OAB Forte, isso não foi bom. Temos ouvido essa crítica com reiteração, como nós fôssemos habituais em usar nossa posição na entidade para chegar a cargos do governo, o que não é verdade. Só houve esse exemplo, não há outros, mas aconteceu.

Frederico Vitor — O candidato da oposição, Lúcio Flávio de Medeiros, tem dito que o ex-presidente rebaixou a Ordem diante do governo com essa atitude que tomou.
Não sei se ele rebaixou a Ordem, o que acho é que não deveria ter feito. Mas Lúcio Flávio é uma pessoa completamente inexperiente, nunca dirigiu nem reunião de condomínio. Não tem aptidão técnica. É uma pessoa idônea? Sim, mas não tem aptidão para gerir a Ordem. A pessoa, para chegar à presidência da Ordem, precisa passar por algum escalonamento, passar pelos estágios. Ou então precisa ter uma experiência externa de gestão, porque a Ordem hoje é uma empresa grande, de 400 a 500 empregados. Não é qualquer empresa em Goiás que tem esse universo de pessoas. Atendemos em mais de 100 endereços em Goiás, considerando as subseções e precisamos de gente com aptidão e alguma informação. Embora o trabalho seja gratuito, a Ordem tem de ter um senso profissional, ou seja, um cuidado técnico adequado e pertinente. Por isso, entendo que Lúcio Flávio não está no momento dele ainda para dirigir a Ordem. E acredito que ele vai esperar mais um pouco.

Cezar Santos — A que o sr. atribuiria o fato de a oposição ter escolhido uma pessoa sem experiência, sem estofo na profissão, como o sr. diz, sendo que no grupo há nomes com muito mais experiência?
Acredito que seja porque ele vem cantando há muito tempo que é o candidato a presidente, e as pessoas se aproximaram dele aceitando esta candidatura. Por isso, montou uma chapa, que já foi registrada. Mas acredito que foi apenas isso, ou seja, ele disse primeiramente que era candidato a presidente e os demais foram se aproximando. Mas, como ele se declarou candidato com antecedência, aqueles próximos parceiros aceitaram apoiá-lo.

Elder Dias — O governador Marconi Perillo (PSDB), ao disputar sua primeira eleição ao governo, aceitou o desafio mesmo quanto muitos o tomavam como inexperiente. Diziam que ele “não daria conta”. Mas ele foi mesmo assim para a eleição, contra um grupo que estava havia 16 anos no poder, e enfrentando uma figura emblemática, que era o então todo-poderoso Iris Rezende (PMDB). Existe algum parâmetro entre esse caso e as atuais eleições da Ordem?
A comparação é completamente desarrazoada. Por quê? Marconi, ao chegar ao Palácio das Esmeraldas, tinha passado pela Assembleia Legislativa e pela Câmara Federal. Tinha uma pequena experiência, apesar de não ter sido no Executivo. Quanto a Lúcio Flávio, ele não tem experiência nenhuma, não participou nem mesmo do conselho da Ordem. Isso me parece um despreparo total.

Cezar Santos — O País passa pela mais grave crise política da história recente, com a corrupção praticamente institucionalizada no governo federal. Isso resvala para a economia. Como o sr. vê este momento?
Nem na época de Fernando Collor [eleito presidente pelo PRN, que sofreu impeachment, renunciou e hoje é senador de Alagoas pelo PTB] a crise da corrupção era tão generalizada como está ocorrendo nos dias de hoje. O escândalo de Collor se resumia à Casa da Dinda, ao carro que ele ganhou [um Fiat Elba], mas são coisas infinitamente menores do que o quadro que vemos hoje. Lamentável. Hoje são bilhões envolvidos, os números do caso da Petrobrás são tais que um cidadão comum tem dificuldade de lê-los. São cifras monumentais.
Enxertaram na administração pública pessoas sem a menor qualificação moral, que desmontaram o Brasil. Vivemos uma crise altamente perigosa. A coisa somente vai melhorar quando a presidente Dilma Rousseff (PT) se estabilizar no governo ou quando ela sair. Enquanto isso não ocorrer, se ficarmos nesta turbulência, teremos problemas. Não sou defensor nem de que ela saia nem de que ela fique, mas o caminho tem de ser um desses dois.

O impeachment é um processo altamente traumático, porque se estima que para votá-lo isso consuma aproximadamente 60 dias. Até que se vote o pedido, o governo dela dificilmente terá uma solução saudável.

Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Cezar Santos — Pelo o que o sr. vê, há bases jurídicas para que se vote o impeachment?
Como alguém que está no conselho de uma empresa como a Petrobrás pode não saber de nada do que acontece ali? No mínimo desidiosa, ela foi como presidente do conselho da estatal. Infelizmente, esse “não saber de nada”, esse nonsense, já é algo recorrente na nossa política. Mas Dilma teria a obrigação de saber. Omissão é culpa. O conselho de administração [que Dilma administrou] é isso, não é conselho fiscal, mas tem o poder de cogestão. É um conselho que não tem o dever de fiscalizar, mas é um gestor parceiro do gestor administrativo direto.

Elder Dias — Estes órgãos auditores no Brasil — não somente no poder público, mas mesmo em clubes e entidades sindicais — não descambam muito para o lado da política, não acabam dependendo bastante do momento de conveniência política? Essa auditoria que fazem não se torna, na prática, uma coisa para inglês ver?
Não tenho essa opinião. Os tribunais de contas, por exemplo — sejam municipais ou estaduais, além do Tribunal de Contas da União (TCU), são órgãos tecnicamente muito qualificados, com profissionais da mais alta qualidade. E a análise que eles fazem é técnica. Eles analisam a licitação conforme o processo licitatório, por exemplo, da Lei 8.666 [Lei das Licitações]. Se tiver matéria de fato que não veio no processo, isso já é outra história. Mas a analise técnica e cientifica é muito bem feita. É verdade que os ministros e conselheiros são todos frutos de nomeações políticas, mas, desde o momento em que ele toma posse em seu cargo, passa a gozar de total independência. Se partirmos para desacreditar de todas as nomeações, acabaríamos desacreditando também do Supremo, por exemplo.

Elder Dias — E como o sr. vê o Supremo Tribunal Federal (STF)? Muita gente diz que ele hoje estaria ideologicamente aparelhado pelo governo federal…
Não, não vejo isso. O Supremo tem de julgar com muita responsabilidade. Não somente o processo, mas as consequências de cada julgamento, porque uma decisão do STF tem uma consequência brutal. É a última instância. Dizem que deputado federal tem foro privilegiado, mas, na verdade, não é nada privilegiado. Pelo contrário, é foro deteriorado, já que ele não tem chance alguma de recurso ao ser julgado originariamente pelo Supremo. Dada a sentença, acabou. Por outro lado, o cidadão comum, ao ser julgado pelo juiz de primeiro grau, tem o Tribunal de Justiça, o STJ [Superior Tribunal de Justiça] e o STF. É uma linha recursal completa e, como já disse, boa parte das decisões são reformadas. Portanto, há uma chance de se defender melhor e com mais eficácia. Um erro do Supremo é fatal.

Não vejo um aparelhamento político do Supremo. O sujeito que chega lá não precisa nem tem o direito de dar satisfação política a ninguém. Não sou um derrotista, tenho a certeza que a pessoa, ao chegar lá, se associa a razões técnicas. Agora, se determinado nomeado for “capacho”, é porque é da natureza dele ser capacho. Mas a estrutura do Supremo dá total independência ao sujeito, que recebe para isso todos os meios necessários: transporte, residência, apoio técnico e científico, apoio não material, não pode ser “desnomeado”, não existe isso.

Tempos atrás, foi defendido que as nomeações para ministro do Supremo e de outros órgãos do Judiciário fossem temporárias. Eu sou contra isso. Além disso, falavam em mandatos de cinco anos com direito a reeleição. Então, o sujeito faria campanha para se reeleger? Isso é bobagem.

Outra história, que muitas linhas de raciocínio têm defendido e com o que eu não concordo, é quanto ao financiamento público de campanha eleitoral. A OAB mesmo fez isso, encaminhou uma proposta contra a qual eu votei no Conselho Federal, pois entendo que, se o sujeito gasta mal o dinheiro privado, ele também vai gastar mal o dinheiro público. Por ser dinheiro público, ele vai passar a gastá-lo bem? Que conversa mais idiota! (enfático) Se eu gasto mal o meu dinheiro, vou gastar bem o público? Claro que não, continuarei gastando mal. Falam em aumentar a fiscalização; que se aumente, então, a fiscalização da despesa privada. Agora, imagine nós, cidadãos comuns, o povo que paga imposto —– todos pagamos —– financiando campanha? Ele já financia o serviço público, vai financiar agora a minha disputa como candidato? Se eu resolvo ser candidato a deputado, então o povo que banque minha conta? Isso não tem a menor razão de ser. Já tem o fundo partidário, que é uma parte disso, pois o fundo partidário repassa aos partidos, que repassam os recursos aos candidatos. Agora, financiamento público total, separar mais dinheiro para gastar em campanha? Isso não tem sustentação.

Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Frederico Vitor — Com a crise política, debate-se o sistema de governo. Muitos defendem o parlamentarismo. O sr. acredita que podemos mudar nosso sistema de governo em um tal momento de crise?
Não. Nós, brasileiros, somos eminentemente um povo presidencialista. Somos formados para isso. Já houve uma tentativa para que houvesse essa mudança [durante o governo de João Goulart, na década de 60] que acabou não prevalecendo, não durou muito tempo. Eu acredito que um presidencialismo bem vivido é um regime saudável. A maior república do mundo e o país mais bem desenvolvido do mundo [Estados Unidos] é presidencialista. O que precisamos ter é compromisso. Essa multipartidarização, com um excesso de pequenos partidos comprando e vendendo, é um erro. Nos EUA, existe uma infinidade de partidos, têm até candidatos independentes, mas tem uma grande linha de pensamento, dividida em dois partidos. Portanto, o que precisamos é de uma formação partidária consistente, formar partidos que sejam consistentes.

Elder Dias — O sr. acredita que essa polarização que se dá hoje entre, de forma pejorativa e negativa, entre “coxinhas” e “petralhas” pode levar, no futuro, a uma coisa boa, uma bipartidarização a partir do amadurecimento dessa disputa?
Entendo que a criação de partidos consistentes, dois ou três, é o indispensável. Precisamos disso, dessa consistência. A multipartidarização — temos mais de 30 partidos — não tem a menor razão de ser. Qual a linha de pensamento dessas siglas? Os programas partidários são praticamente a mesma coisa, só se muda o nome.

Elder Dias — A análise me parece que é de que não há uma disputa por programas, mas, sim, uma disputa por poder.
Exatamente. É preciso — e agora está começando a acontecer isso — que as pessoas registrem os programas de governo. O que proponho como candidato deve estar definido. Então, as pessoas — nós, eleitores — votamos ou não conforme o programa que melhor nos atender, melhor atender a nossos anseios, nossas aspirações, nossos projetos, o que acreditamos, mas isso infelizmente não acontece. O sujeito que é eleito por uma determinada razão chega ao poder e pratica algo completamente diferente do que estava em seu programa.

Cezar Santos — Inclusive se aliando aos adversários.
Basta ver o que aconteceu com o PT no governo, ao se aliar com Collor. Veja que aliança mais terrível: Collor ele era inimigo figadal de Lula, que também o agredia publicamente. Ambos partiam até para ofensas pessoais. Arrumaram até uma amante para Lula, era uma briga pessoal. De repente, objetivos interesseiros mudaram tudo.

Cezar Santos — Qual sua opinião sobre a atuação do juiz Sergio Moro na Operação Lava Jato. Advogados de defesa de vários investigados têm reclamado dele.
O juiz Sergio Moro é altamente eficiente. O Tribunal de Justiça do Paraná delegou a ele a competência sobre esses julgamentos. Ele praticamente não despacha outros processos, está vinculado a essa atividade “full time”, 98% de seu tempo destinado a isso, os 2% restantes ficam por conta da burocracia da vara criminal em que atua. Tenho para mim que ele é eficiente e dedicado, mas, ao mesmo tempo, arbitrário. Até porque precisa ser arbitrário. Se ele não fosse assim, não teria alcançado os resultados que já alcançou. O juiz tem razão de fazer cumprir o que ele decidiu e os colegas advogados têm razão quando reclamam de sua arbitrariedade. Ele, de fato, é um sujeito muito autoritário — é perceptível isso.

Elder Dias — Que análise o sr. faz da divisão dos processos da Lava Jato, seu fatiamento, com parte deles sendo encaminhada para São Paulo?
Acho positivo. Se não fosse assim, tudo acabaria chegando a um ponto em que haveria nulidades processuais. Como crimes cometidos em São Paulo poderiam ser julgados no Paraná? O Brasil tem regras de definição de competências, em razão do lugar, do fato, do autor, do agente, do valor da causa. A competência não pode se definir por ter, ali, um juiz que é “bravo”. É o que o juiz Marco Aurélio Mello [ministro do STF] disse, no Brasil não há só um juiz, eles são muitos e de muita qualidade, só que às vezes não tiveram a oportunidade de ter um processo de tanta evidência.

Sérgio Moro está com um processo de visibilidade total. Então está, cuidadosamente, praticando seus atos de ofício. Ele é uma pessoa atenciosa, basta ver que ele não tem dado bola fora. É muito preparado e autoritário — se não fosse autoritário não teria conseguido o que conseguiu. Portanto, o autoritarismo dele, a meu ver, é útil. Aos colegas que estão reclamando têm razão, é de fato autoritarismo por parte dele. Só para ter ideia, ele está decretando prisão de quem já está preso. Mas, se for para a análise técnica, isso é possível, pois, se eu tenho um processo em que sou réu e tem outro em que também sou réu e mais outro, ou seja, a motivação é de caso a caso. Há motivação para decretar a prisão aqui, outra ali. Ocorre que Moro está fazendo isso objetivamente, para impedir os habeas corpus.

Advogado Felicíssimo Sena fala aos editores Elder Dias e Cezar Santos e ao repórter Frederico Vitor: “No Brasil, essa multipartidarização, o excesso de pequenos partidos comprando e vendendo, é um erro”
Advogado Felicíssimo Sena fala aos editores Elder Dias e Cezar Santos e ao repórter Frederico Vitor: “No Brasil, essa multipartidarização, o excesso de pequenos partidos comprando e vendendo, é um erro”

Elder Dias — O sr. vê que o processo da Lava Jato possa estar sob risco de ser anulado, como já aconteceu com outras operações, como a Satiagraha, por exemplo?
Não. Não acredito de forma alguma em anulação total. Acredito que grande parte das pessoas que estão sendo condenadas agora poderá vivenciar algumas reformas, isso é algo natural. Em um julgamento processual, uma modificação, reforma ou cassação de sentenças é coisa previsível. Mas a esmagadora maioria das pessoas que estão sendo condenadas vai cumprir pena.

Elder Dias — E o instituto da delação premiada?

Cezar Santos — A presidente Dilma, claramente, joga para desqualificar a delação premiada, a ponto de falar “fui torturada e não delatei”.
Quanto à delação premiada, eu vejo que não é uma inovação. Ela já existe há algum tempo. Tenho muito medo da motivação. A pessoa presa, submetida a um constrangimento, ainda que legal, fica com a autoestima muito deteriorada e, às vezes, perde a noção, prestando informações que nem sempre são verdadeiras. Mas, no caso atual, está sendo útil, porque a delação premiada não dispensa o tomador de depoimento de conferir a autenticidade, a verdade. A prestação de informação, no regime de delação premiada, leva quem recebeu a informação a ter o dever de fazer a conferência. E, nos casos que já foram noticiados, a conferência se mostrou consistente.

Cezar Santos — E é preciso lembrar que o delator só recebe o benefício se a veracidade do que disse for confirmada.
Sim. Porém, a delação premiada é isto: o sujo falando do mal lavado. A verdade é essa.

Cezar Santos — A Operação Mãos Limpas, na Itália, só andou por causa disso. Os sujos se entregaram.
E aqui é isso que está acontecendo, estão se entregando. E muitos ainda entregarão outros e esses outros vão se danar. Eu sou muito otimista com relação à Lava Jato, acredito que muitos vão cumprir, de fato, a pena. É claro que acontecerão reformas de sentenças, cassações, uma ou outra será modificada, mas isso não invalida o valor o todo do processo está tendo e terá.