Em 5 anos, moradias do Minha Casa Minha Vida se incendeiam, alagam e ameaçam vidas em Goiânia

29 janeiro 2023 às 00h00

COMPARTILHAR
Em fevereiro de 2018, os apartamentos construídos pelo Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV, atual Programa Casa Verde e Amarela) no bairro Conjunto Vera Cruz foram entregues a 1.616 famílias de baixa renda. As moradias formam os 20 residenciais Nelson Mandela, que, com cinco anos de idade, parecem ter cinquenta. Além da má conservação e da má execução da obra, os moradores receberam edifícios muito diferentes dos prometidos.
O Jornal Opção esteve no local e conversou com moradores, que relataram a deterioração do local. Um grande incêndio gerado pelas más instalações elétricas, inundações frequentes, o desconforto e risco sanitário causado pela convivência com o esgoto, acidentes ocasionados pelo colapso estrutural do prédio – estas são algumas das adversidades que colocam a vida dos moradores em risco.
Por dois anos, os moradores mantiveram algum contato com técnicos da Direcional Engenharia, empresa contratada pela Caixa Econômica Federal para realizar a obra, por meio do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Entretanto, os síndicos do residencial afirmam não conseguirem mais se comunicar com os responsáveis há muitos anos, de forma que não conseguem solicitar reparos ou manutenção.
O engenheiro civil Josiel Pedro Rosa, contratado pelo escritório de advocacia que representa os moradores para avaliar as condições dos edifícios em uma inspeção predial, redigiu um laudo em que classificou quase todas as áreas inspecionadas como de risco crítico. No documento, se lê: “Impacto irrecuperável: danos contra a saúde e segurança das pessoas e meio ambiente, com perda excessiva de desempenho e funcionalidade, causando possíveis paralisações, aumento excessivo de custo, comprometimento sensível de vida útil e desvalorização imobiliária acentuada.”

Os moradores do residencial Nelson Mandela decidiram ingressar na Justiça para exigir indenizações materiais e morais. Mais de 600 moradores processam a Caixa Econômica Federal há quase um ano. Porém, para que o processo tenha andamento, é necessário que a Justiça Federal em Goiás nomeie um engenheiro para fazer a perícia que irá embasar as decisões do Juiz. Desde abril de 2022, quando se iniciaram as tentativas de nomear um perito, nenhum profissional aceitou o trabalho, por recusar as propostas de pagamento estipuladas pela Justiça Federal.
Em entrevista, a Diretora de Secretaria da 4ª vara afirmou: “O processo por assistência judiciária tem valor baixo. Não podemos obrigar um profissional liberal a aceitar a proposta. Os engenheiros não querem fazer a perícia para ganhar mixaria. Já oferecemos ratear o valor da perícia com os moradores”.
Fernanda Silva de Souza, síndica do condomínio Nelson Mandela 5, confirmou que a Justiça propôs que os moradores dividissem os honorários do perito, mas afirmou que os condôminos não têm condições financeiras. “Os engenheiros cobram quase R$ 20 mil, um valor quase igual ao dos apartamentos. Não temos condições, tanto é que estamos na Justiça Gratuita e somos beneficiários do Minha Casa, Minha Vida”.

O Ministério Público Federal em Goiás (MPF-GO) afirmou sobre o caso: “O MPF vem acompanhando o caso e já solicitou informações à Caixa acerca dos processos em andamento. Diligências no local também devem ser realizadas. Via de regra, o MPF é intimado pela Justiça Federal nesses casos, mas a atuação será coletiva e não individual. Se a Caixa não apresentar uma solução extrajudicial a contento, é possível ajuizamento de Ação Civil Pública para a tutela do direito individual homogêneo dos moradores, sem prejuízo das ações individuais.”
Em visita ao local, a síndica Fernanda Silva de Souza mostrou as falhas nos edifícios. Segundo ela, os problemas começaram ainda em 2018, na ocasião da entrega dos apartamentos. “Os projetos contavam com sacadas, mas nenhum apartamento tem esse cômodo”, afirma. “Alguns foram entregues sem piso. Em muitos condomínios, o salão de festas não foi construído – existe apenas um gramado no lugar onde deveria estar o salão.”
Fernanda Silva afirma ainda que a estrutura de energia não suporta eletrodomésticos que consomem muita eletricidade, como ar-condicionado, churrasqueiras elétricas, chuveiros ou geladeiras potentes. No dia 06 de setembro de 2022, um incêndio foi ocasionado pelo superaquecimento da infraestrutura elétrica. Ainda em investigação pelo Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás (ocorrência n. 26381801), os prejuízos materiais estimados estão na ordem de R$ 20.000 em apenas um apartamento. “Estragou também a parte externa, ainda dá para ver onde está queimado. Tudo indica que o sistema elétrico foi mal dimensionado e em período de estiagem, seca, e a baixa qualidade das fiações ocasionou o incêndio.”
O dispositivo de proteção contra surtos (DPS), peça que protege equipamentos eletrônicos, nunca foi instalado. Fernanda Silva acionou a construtora Direcional Engenharia e ouviu dos técnicos que o dispositivo não estava mais em período de garantia. “Nunca entregaram o manual do proprietário. Como podem exigir manutenção correta se nem recebemos um manual de uso?”

Grande parte dos problemas dos prédios são hidráulicos. Construído em uma região alagadiça e sem drenagem ou calhas para a condução da água da chuva, todos os blocos do Nelson Mandela têm problema com mofo e infiltrações. Morador do andar térreo, Marcos José da Silva diz que seu apartamento está constantemente úmido, devido ao fluxo de água dos apartamentos acima. Ele relata ter perdido armários, sofás e cama para a umidade.

Os mesmos problemas ocorrem nos 20 condomínios. A síndica do Condomínio Nelson Mandela 6, Wagtta Caroline Oliveira, relatou que ocorrem problemas na parte elétrica, a tubulação de esgoto está frequentemente entupida, pois o sistema foi feito com canos de 40mm que precisam dar vazão a quatro apartamentos para uma única caixa de esgoto. Em época de chuvas, toda a área comum fica alagada por falta de uma tubulação adequada para o escoamento da água.
Fábio Sousa de Moares, síndico do Condomínio Nelson Mandela 17, relatou que recebeu o edifício sem para-raios. Em 2019, o prédio foi atingido por um raio na caixa d’água, que queimou a bomba e outros equipamentos elétricos. A construtora não se responsabilizou pelos danos causados, de forma que o condomínio teve de arcar com os prejuízos. “Mesmo se fosse dado de graça, deveria estar em perfeitas condições para evitar prejuízos”, afirma. “Mas a situação aqui causa risco à vida. Muitas pessoas já se machucaram.”
A CAIXA se posicionou sobre o assunto:
“A CAIXA informa que o Residencial Nelson Mandela, localizado em Goiânia (GO), contratado no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida – FAR, foi construído pela Construtora Direcional e entregue em 2018, mediante emissão do habite-se pela Prefeitura Municipal e cumprimento de todas exigências legais, de forma a garantir sua habitabilidade.
“O banco disponibiliza o canal “De Olho na Qualidade” para atendimento a reclamações sobre possíveis vícios construtivos nos imóveis do Programa Minha Casa, Minha Vida, pelo telefone 4004-0104 (capitais e regiões metropolitanas) ou 0800-104-0104 (demais localidades) ou ainda através do site da CAIXA (www.caixa.gov.br) na opção Fale Conosco.
“Em relação ao Residencial, esclarecemos que todas as demandas registradas no canal foram direcionadas à construtora, que tem realizado tratamento nos prazos estabelecidos pelo Programa De Olho na Qualidade.
“Diante dos novos relatos, a CAIXA está em contato com a Direcional para realizar nova vistoria no empreendimento e avaliar as providências pertinentes.“