“Dilma deve ser impedida e o PT tem de ser extinto”
23 maio 2015 às 12h39

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A pé rumo a Brasília, jovens querem saída da presidente e dizem que não há partido liberal no Brasil

Alguns dos líderes do Movimento Brasil Livre (MBL) estiveram na redação do Jornal Opção, na quarta-feira, 20: Kim Kataguiri (SP), Renan Santos (SP), Fernando Holiday (SP), Murilo Resende (Goiânia), Tiago Rassi (Goiânia) e o físico nuclear Arthur Otto, goiano que apoia o movimento. São jovens lideranças que apresentam em comum a extrema articulação e uma argumentação na ponta da língua que não deixam dúvida: eles repudiam o PT e tudo que o petismo representa.
A passagem pela capital foi mais uma escala dos jovens rumo a Brasília. Eles saíram de São Paulo no dia 24 de abril e têm chegada programada para dia 27. A aventura foi batizada como “Marcha Pela Liberdade” e, ao terminar, vai protocolar um documento pedindo o impeachment da presidente Dilma Rousseff. “Se a presidente está sitiada em Brasília, nós temos que ir até Brasília”, justificou Renan. A partir da chegada, o grupo montará acampamento por tempo indeterminado em frente ao Congresso. É a forma que, consideram, vai servir para pressionar a votação do pedido.
Na entrevista, o grupo externou um pouco mais de seu pensamento, centrado em uma visão bem voltada às ideias liberais, que, segundo eles, não encontram guarida nos partidos brasileiros atuais. Por outro lado, rechaçam a possibilidade de puxarem a criação de uma nova sigla, o que poderia “engessar” o movimento.
Frederico Vitor – Qual é o principal objetivo da Marcha Pela Liberdade, que saiu de São Paulo e chegará a Brasília no dia 27 deste mês?
Kim Kataguiri – O principal objetivo da marcha é a continuidade aos trabalhos que foram feitos nos protestos de 15 de março e 12 de abril, pedindo o impeachment de Dilma Rousseff e contra o aumento de impostos com o ajuste fiscal. Pedimos também CPI do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), CPI do Mais Médicos e aprovação do Projeto de Lei de Escola sem Partidos. Enfim, a defesa da República como principal pauta o impeachment de Dilma.
Cezar Santos – Há base legal, fundamentação jurídica para pedir o impeachment da presidente Dilma Rousseff?
Kim Kataguiri — Existem quatro bases jurídicas para pedir o impeachment. A primeira é que ela presidiu durante cinco anos o Conselho de Administração da Petrobrás, admitiu que, se soubesse de todos os detalhes da compra de refinaria de Pasadena no Texas, não teria autorizado à transação. Nisso ela foi omissa e intransigente, teve imperícia administrativa. Além disso, cometeu crime de irresponsabilidade passível de impeachment.
Murilo Resende – Acima de tudo, ela era presidente do Conselho da Petrobrás e passou a ser presidente da República, tinha poder para destituir toda a direção da Petrobrás, e isso é um agravante. Ela sempre teve poder executivo na Petrobrás, portanto tudo isso é um agravante, ela sempre teve oportunidade de destituir o conselho e reformular toda a direção e não exerceu este poder. Por quê? Omissão e irresponsabilidade.
Kim Kataguiri — Aproveitando para usar o contra-argumento utilizado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que usa aquele artigo da Constituição de que a presidente da República não pode ser responsabilizada por atividades alheias e estranhas a sua atividade.
Vamos lembrar que a lei do impeachment foi constituída antes da eleição. As atividades do primeiro mandato dela não são estranhas ao segundo — Dilma nunca deixou de governar o País. A segunda base jurídica são os acordos de leniência que ela articula com as empresas envolvidas no escândalo do petrolão, se negando a aplicar a lei anticorrupção em vigência desde 2013. Isso também é motivo para impeachment também, ignorando o fato de que não foi somente no primeiro mandato, mas também ocorre neste exato momento, e as duas últimas bases jurídicas foram os recentes pereces do Tribunal de Contas da União (TCU), que versa sobre as maquiagens das contas públicas e as pedaladas fiscais. Dilma Rousseff aproveitou o ano eleitoral para atrasar repasses do Tesouro Nacional à Previdência e a programas sociais para maquiar o rombo nos cofres públicos. E isso é crime fiscal, mas também um crime comum, que pode sofrer não somente impeachment, mas também ter ação no Judiciário. As bases do que vai ser protocolado dia 27 são essas duas últimas no TCU.
Renan Santos — O impeachment é um julgamento político, que ocorre no Congresso e que tem peculiaridades iminentes ao Poderes Legislativo. Vale lembrar que Fernando Collor sofreu impeachment e posteriormente foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O cerne de toda a questão, inclusive do combate do Movimento Brasil Livre (MBL) ao PT no tocante de sua atuação política é relativo — inclusive é base ao próprio impeachment — ao uso que o PT faz das empresas estatais para comprar base política. O artigo 85 da Constituição, inciso 2, fala claramente que o presidente não pode criar obstáculos à atuação do Legislativo, Judiciário e Ministério Público, entre outros órgãos dos próprio Executivo, e isso por si só já é crime de responsabilidade que deve ser imputado e punido com impeachment. Lembrando-se disso, quando foram nomeados operadores do PP e do PMDB dentro da Petrobrás para o esquema do Petrolão, que rolou durante o final mandato de Lula e nos dois mandatos de Dilma, foi óbvio que foi usada a máquina pública para comprar base no Congresso. Caso contrário, não colocaria operadores políticos ligados a dois partidos que aprovaram absolutamente tudo que o PT queria nestes mandatos. Um julgamento político, como o que acontece no Legislativo, nem precisa tratar da questão da base jurídica como nós vemos políticos do PSDB falando. Se é uma questão política temos de nos atentar as causas políticas ao fenômeno do petrolão e fazer um julgamento a este ponto que versa na Constituição e que é muito claro.
Murilo Resende – Em uma entrevista muito boa feita pelo Jornal Opção com o procurador federal Hélio Telho pudemos ver o verdadeiro arcabouço de esquema de corrupção com o PT, com empreiteiras e principalmente com o BNDES. Há uma instituição chamada Foro de São Paulo com caráter de informalidade, e essa é a natureza dela, mas cujos traços de operação podemos ver em todos os cantos hoje. Já foi admitido que o Mais Médicos foi uma farsa para beneficiar a ditadura cubana; sabemos também hoje que todos estes empréstimos internacionais são um toma lá da cá; temos esse apoio informal à Venezuela, que está se transformando rapidamente numa ditadura comunista do pior tipo. Isso não é somente motivo para o impeachment e para cassação de chapa: é motivo para cassação de registro do PT. O impeachment é somente o começo de um processo muito maior que o País vai ter de passar até reconhecer que, em muitos sentidos, estamos nas mãos de traidores da Pátria. Por que o Brasil foi captar dinheiro da China, com esse anúncio de US$ 50 bilhões para entrar na Caixa Econômica Federal? Porque os empréstimos chineses não são escrutinados, não têm transparência nenhuma. Nós estamos sendo vilipendiados.
Renan Santos – Quando falamos que o PT tem de ser extinto — e essa é uma tese que defendemos — e falamos que o Foro de São Paulo se trata de uma interferência externa, vamos dar o exemplo da Ucrânia. O antigo líder ucraniano era um títere de Wladimir Putin [presidente da Rússia] e fazia parte da geopolítica da Rússia na região. Mas o povo o afastou de lá e o próprio socialismo foi criminalizado na Ucrânia. O fato do líder do Parlamento na Ucrânia ser esse títere foi objeto de uma revolta popular e afastou as ideias socialistas de lá. No Brasil acontece um mecanismo similar e não podemos fechar os olhos a isso.
Murilo Resende – Os próprios socialistas têm orgulho de falar que o socialismo é internacional. Muitas vezes, quando falamos de socialismo, as pessoas querem discutir ideologias. Muito antes de ser uma ideologia, é uma articulação internacional que de fato não é teoria da conspiração. Eles se orgulham em se articular internacionalmente para ter uma articulação em cada país. Na medida em que isso se torna um poder efetivo, por meio do Foro de São Paulo, está na Constituição brasileira: nenhum partido brasileiro pode ser dirigido de fora. Temos de questionar: qual a legitimidade de o País ser governado juntamente com Cuba, Venezuela e China?
Frederico Vitor – Vocês falam em extirpar o PT. Temos como maior antagonista desse partido o PSDB. A legenda dos tucanos é uma alternativa ao PT?
Kim Kataguiri – Não, de forma alguma. Não é uma alternativa não somente o PSDB, mas nenhuma outra legenda existente. No Brasil não existe um partido liberal. Não há um partido no Brasil que defenda abertamente e oficialmente a privatização da Petrobrás, como defendemos, ou a privatização da saúde e da educação, por sistema de vouchers, como também defendemos. O PSDB tem um modelo de disputa com o PT mais pelo poder do que para mudar o modelo de Estado, como é o desejo do Movimento Brasil Livre. A diferença crucial entre o PT e o PSDB não é o modelo de Estado defendido. A corrupção do PSDB, assim como a de outros partidos, não é como a corrupção do PT. Esta é um método de governo, ou seja, um meio. A corrupção em outros partidos é um fim. É algo que eles pegam dinheiro para colocar no próprio bolso. A corrupção do PT é um meio de eles permanecerem no poder. É um método de poder e uma categoria de pensamento. Eles utilizam isso para acabar com o Congresso, para acabar com a República e submeter o Legislativo ao Executivo.
Renan Santos – O PSDB está numa crise geracional. O PSDB foi fundado por ex-militantes de esquerda muito deles ligados ao PCB, o antigo partidão. Boa parte da base do PSDB em São Paulo é de esquerda. Eles estão perdendo espaço dentro do partido para um grupo que não tem uma formação ideológica clara, mas que está sendo midiático e tem feito uma oposição ao PT mais forte do que a velha guarda. Um exemplo é o Carlos Sampaio (SP), que de certa forma representa os anseios da população no tocante ao combate mais incisivo ao PT, ainda que não tenha posições claras. O PSDB se divide entre uma ala “meio” PMDB e esquerdistas com viés democrático. Podemos considerar o PSDB um partido que não é uma ameaça à democracia. Mas há essa esquizofrenia agora internamente, esta disputa que vemos no Congresso entre essa ala nova na Câmara e a ala velha no Senado, com José Serra (SP), Aloyzio Nunes (SP) e Álvaro Dias (PR). Esse descompasso é nítido, há uma briga no PSDB.
Cezar Santos – Fernando Henrique Cardoso é uma referência do PSDB e para o Brasil democrático em geral, por mais que se possa fazer crítica a ele. Ele se posicionou publicamente contra o impeachment. Isso não enfraquece a bandeira do MBL?
Murilo Resende – De forma alguma. Nada hoje do sistema político atual vai tirar a legitimidade do que a gente está fazendo. Porque eles não querem brigar com esse sistema que está oprimindo todo o povo, sejam ricos, pobres, classe média, porque está bom demais para eles. E o pior, mesmo que isso acabe levando para um regime totalitário, eles não querem enxergar as consequências futuras para o Brasil, porque querem viver no presente de muito dinheiro à custa no futuro do País.
Cezar Santos – Lula e o PT estão sempre reclamando da elite. Vocês não percebem essa elite hoje totalmente acoplada ao projeto de poder do PT?
Murilo Resende – O próprio PT falava antes, e aqui lembro o livro “Os Donos do Poder”, de Raimundo Faoro, que até foi chamado por Lula para ser vice na primeira eleição. O livro diz basicamente que no Brasil a elite, em vez de buscar crescer pelo seu próprio poder, busca dominar as estruturas do Estado, usando o Estado centralizado. É o patrimonialismo. Por isso, nunca se desenvolveu de fato um capitalismo de livre mercado no Brasil. Então há um lado do PT que cresceu com uma crítica liberal, ele criticava essa elite que se apoiava nesse patrimonialismo antigo.
O problema hoje é que o PT se tornou a elite patrimonialista. E o que sobrou da elite patrimonialista antiga está toda com o PT. Eles se reúnem em restaurantes de luxo, tomam vinhos caros. Com o PT, o Estado brasileiro se tornou um inimigo da população. E vemos que não há retorno nenhum dos serviços mais básicos e eles se veem no direito de tributar do jeito que querem, ou aumentar o fundo partidário no momento em que querem.
Laura Machado – Vocês estão vindo de São Paulo, passando por vários Estados. Qual a expectativa de vocês quando chegarem a Brasília?
Renan Santos – Antes de mais nada, é bom explicarmos a razão de fazer uma marcha. Ela não foi colocada aleatoriamente. Existe uma sequência de fatos e eventos que se seguiram às manifestações de 2013. Voltando um pouco no tempo, após uma semana de manifestações do Movimento Passe Livre, a classe média insatisfeita saiu às ruas e tomou as manifestações.
Aquilo foi um descobrimento, a classe média descobriu que poderia tomar as ruas, o que foi feito sem foco, sem pauta, sem grupos organizados. Aquilo, enfim, foi um enorme nada. O gigante acordou com uma hemorragia cerebral e voltou a dormir. Mais um tempo, veio a Copa, depois a reeleição de Dilma Rousseff, que em condições normais não deveria ter sido reeleita.
O ciclo histórico econômico do projeto político do PT já tinha passado, mas Dilma foi reeleita. A própria festa do PT no dia da reeleição foi vazia, estavam desanimados porque sabiam que algo estranho havia acontecido e algo muito ruim haveria de acontecer.
Nossa primeira manifestação se deu uma semana após as eleições com um perfil muito diferente do movimento de 2013: havia carro de som, os discursos foram muito sérios, muito pautados e pela primeira vez havia o ressurgimento do que as pessoas poderiam chamar de uma “direita”, entre aspas, porque a direita hoje ficou associada a valores que nós não defendemos.

Cezar Santos – Por quê?
Kim Kataguiri – Diz-se que as pessoas de direita são homofóbicas, fascistas e autoritárias, basicamente isso. O conceito de direita foi totalmente deturpado no Brasil. Mas havia antes o ressurgimento de um pensamento liberal no Brasil, com a propagação de ideias de pensadores liberais como Olavo de Carvalho [filósofo], por exemplo, e aí essa geração, sem ligação com partidos políticos, se apoderou daquela redescoberta que houve em 2013 e pensamos “pôxa, podemos ser atores e não vamos ficar sozinhos”. As ruas começaram a pautar rapidamente o processo político. E o Movimento Brasil Livre tem status de um grupo ideologicamente muito sólido. Eu não tinha conhecido nem o Tiago nem o Murilo, que são de Goiânia. Só os conhecia via internet, por hangouts, estou conhecendo-os pessoalmente agora, mas a afinidade ideológica é total. E tem sido assim em todos os Estados da Federação. Temos uma ideia muito sólida do que queremos. Virou o ano, o fracasso de Dilma ficou evidente em pouquíssimo tempo e vieram as manifestações de 15 de março e 12 de abril. A ideia nas manifestações, quando começamos a desenhar o mapa, era primeiramente acabar com o discurso de Lula do “nós contra eles”, “pobres contra ricos”, “branco contra preto”, “mulher contra homem”, “gay contra hétero” etc. Começamos a espalhar manifestações pelo País e despontaram lideranças que não estavam no mapa do PT. Está aqui o Fernando Holiday, um garoto negro que mora em Carapicuíba, na periferia de São Paulo, tem uma formação intelectual extremamente sólida, e é antipetista, contra o sistema de cotas. Ele tem toda a prerrogativa moral do mundo para fazer essa crítica contra o PT. Também líderes nordestinos começaram a surgir e aí acabou o discurso, a defesa que o PT fazia baseado no vitimismo dos nordestinos. Os movimentos de março e abril serviram para deixar Dilma encapsulada e cercada em Brasília. Isso foi maravilhoso. Agora, toda vez que ela sai para participar de um evento qualquer no Brasil, toma vaia e panelaço. Agora está evitando participar de solenidades, está cercada.
Obviamente, quando passamos pelo processo de retirar todo o poder do governo, de mobilizar a sociedade de forma ideológica, com as pessoas nas ruas para gritar contra a corrupção, estamos rechaçando o socialismo. As pessoas estão rechaçando a forma do PT governar, o Estado gigantesco. Está muito mais refinado na cabeça das pessoas o que deve ser feito. A sequência histórica é: se a presidente está sitiada em Brasília, nós temos de ir até Brasília, temos de pegá-la lá. A marcha tem uma carga simbólica muito poderosa, porque estamos saindo a pé até Brasília, parando de cidade em cidade, realizando eventos. E estamos sendo muito, mas muito bem recebidos em todos os lugares. Estamos criando laços de amizade, reunindo líderes locais que estão em níveis diferentes de aprendizado e de teoria política mesmo.
Arthur Otto – Complementando, o pessoal vai chegar a Brasília; no dia 27, será entregue o pedido de impeachment e eles vão acampar em frente ao Congresso Nacional. A tendência é o aglomerado crescer e o Congresso será pressionado. A frente do Congresso será transformado em uma nova Praça Tahrir [referência ao local no centro da capital do Egito, Cairo, onde em 2011, milhões de pessoas participaram de manifestações contra o presidente egípcio Hosni Mubarak, que acabou deposto].
Cezar Santos – O MBL está instalado em todos os Estados?
Renan Santos – Só não estamos em Roraima, Rondônia e Alagoas. Estamos em 173 cidades.
Cezar Santos – Uma movimentação dessa, longa, tem custos. Como vocês estão pagando isso? Quem está financiando vocês?
Kim Kataguiri – Nosso principal meio de arrecadação são as doações. No nosso site marchapelaliberdade.com, as contas estão abertas, para qualquer um que queira ver. A marcha está sendo financiada por isso.
Murilo Resende – O que vi em relação a isso é que todo mundo quer doar, pequenos e médios profissionais liberais querem ajudar. E isso muito pelo seguinte: eles sentem que não podem fazer nada por causa desse estatismo no Brasil. Os empresários têm medo do governo federal e até do governo estadual, temem ter cortadas suas linhas de crédito, alterações nos regulamentos. E quando eles veem que temos coragem de falar algo, querem nos ajudar, às vezes anonimamente. Não está faltando ajuda. Essa pergunta nos foi feita muitas vezes. Claro que coisas maiores futuras podem trazer dificuldades de financiamento, mas vou ser bem sincero: hoje não é difícil financiar esses movimentos de rua, porque o apoio da sociedade brasileira é maciço, unânime e geral. Onde a gente chega e fala que está precisando de dinheiro, de apoio, de vender camisetas, logo são feitas vaquinhas, gente doando 200, 300 reais. É assim que a gente está se financiando.
Kim Kataguiri – Sentimos na realidade o que as pesquisas já mostraram: apenas 30% da população acha o governo Dilma ótimo ou bom. Em nossa marcha, em quase 30 cidades, nos ofereceram lugar para dormir pedindo, comida etc.
Frederico Vitor – No Brasil, vocês dizem que não existe um partido liberal, porém há políticos liberais. Em Goiás, dá para apontar algum?
Murilo Resende – Acho que quem mais se aproxima, não tanto pelo viés liberal, mas é liberal-conservador, é o senador Ronaldo Caiado (DEM), que já se manifestou em relação a isso no Congresso. Uma figura a qual não conheço ainda pessoalmente, mas se manifestou positivamente em relação à marcha, fazendo um vídeo em apoio à marcha, foi o deputado federal Alexandre Baldy (PSDB).
Os políticos ainda estão despertando para isso. A senha, tanto para a sociedade quanto para os políticos, é: estudem. A era da política da conversa furada tem de acabar e as pessoas precisam entender o que são as ideologias e o que elas significam na prática, além de como podemos alterar o quadro na política. Mas a maior parte dos políticos ainda não despertou. Vemos isso na inconsistência dos discursos, na incapacidade de responder às ruas. A inteligência de nossa representação política está muito abaixo do que a gente precisa — tivemos uma conversa muito legal em Caldas Novas sobre isso.
Não somos um grupo apartidário, mas suprapartidário. Exatamente por perceber essa inconsistência é que queremos políticos que apoiem nossas ideias, que queiram “comprar” as ideias das ruas, não importando o partido — embora seja óbvio que não esperamos que venha gente do PCdoB ou do PT.
“Não queremos virar partido e ficar engessados”

Cezar Santos – Na medida em que o movimento se fortaleça, terá de ter mais instrumentos para interferir na realidade. Ele pode se tornar um partido?
Renan Santos – Tem muita gente falando sobre isso. Recentemente, Demétrio Magnoli [jornalista e sociólogo] falou no “Roda Viva” [programa de entrevistas da TV Cultura] que “esses meninos não tinham de estar fazendo marcha nenhuma, eles têm é de ir para um partido”.
Existe uma lógica no que ele fala, porque não há ainda representação política para nossas ideias, ainda que exista uma demanda gigantesca da sociedade civil. O brasileiro é conservador no campo moral e bem liberal no campo econômico. É um povo extremamente empreendedor, um dos mais empreendedores do mundo.
Sobre a criação de um partido, para mim seria um enorme erro estratégico e uma perda de legitimidade tremenda do movimento. Imagine, por exemplo: em vez de conversar com as pessoas para espalhar ideias, combater o inimigo e avançar em defesa de nossos princípios, estaríamos preocupados em ver uma chapa para saber que seria o secretário-geral do partido em tal lugar ou como obter mais fundo partidário. Isso consumiria muito tempo e também milhões de reais para conseguir obter as assinaturas. Há políticos que defendem nossa agenda e poderiam, sim, utilizar o selo do Movimento Brasil Livre, assim como Marina Silva utilizou o PSB com o selo da Rede, para defender a pauta da sustentabilidade. É o mesmo que o Tea Party [movimento conservador] faz dentro do Partido Republicano nos Estados Unidos, indicando aqueles que defendem sua agenda. Toda nossa base de divulgação e estrutura — inclusive se tivermos condições de financiar campanhas — servirá para essas pessoas que defendam nosso selo. Vamos lutar para que isso aconteça dessa forma.
Cezar Santos — O movimento não quer ter uma formalização jurídica?
Renan Santos – Não.
Cezar Santos — Nem há a intenção, por exemplo, de formar uma ONG [organização não governamental]?
Renan Santos — Sim, existe a intenção, especialmente para a necessidade de captação (de recursos). Mas não podemos nos estabelecer como uma ONG que engesse a estrutura completamente, hierarquizada, em forma de pirâmide. Não sei se isso seria necessário.
Murilo Resende — Eu conversava com eles sobre o projeto do pessoal de Goiás, que pensa em montar um instituto para defender as ideias. Mas isso seria à parte e viria de forma descentralizada, com iniciativas estaduais. O movimento se relacionaria com tudo isso, mas seria preservado de qualquer engessamento. A lição que temos hoje do Brasil é de que a política, nesse sentido de trazer um Estado inchado e de ser cheia de conchavos, se tornou inimiga da sociedade e deve ser recuperada para trabalhar em favor dela. A única forma de fazer isso é ser leve, sem depender da própria política. Ao mesmo tempo, mostrar para os políticos que o voto ideológico, de ideias, é mais barato e rende outros, também. Quem não começar a olhar para esse lado agora e ficar apenas com essa política de bastidor vai começar a perder muito e sua campanha se tornará cada vez mais cara.
Fernando Holiday — Eu venho da cidade de Carapicuíba (SP) e lá, se você perguntar para o cidadão médio o que é o liberalismo econômico e o que são as liberdades individuais, talvez não saiba responder. Mas, se apresentarem para ele algum político ou partido que defenda a diminuição de impostos, a liberdade de expressão, o direito de ir e vir, a redução das burocracias estatais, terão multidões e multidões apoiando esse mote. São ideias que não estavam sendo difundidas e que o Movimento Brasil Livre começa a fazer esse papel. Portanto, é importante ter essa leveza, não se engessar, para que o movimento continue flexível e entrando no seio da população. O povo precisa ter cada vez mais consciência de como a liberdade pode ajudar, inclusive para cobrar políticas mais liberais e mais claras.
Renan Santos — Temos como exemplo o Podemos, na Espanha, grupo que surgiu descentralizado, desburocratizado, usando redes sociais e hoje é o favorito nas eleições.
Murilo Resende — Mas é financiado pela Venezuela.
Renan Santos — Sim, mas estou usando o exemplo por questão técnica. Temos também o Tea Party, nos Estados Unidos, e o que a Rede tentou fazer no Brasil. Isso é o futuro e um caminho eleitoralmente falando muito mais poderoso do que abrir mais uma legenda. Que diferença terá passar de 39 para 40 legendas no País?
Murilo Resende — Vamos dar um exemplo local: ninguém aqui acredita que o governador Marconi Perillo (PSDB) seja realmente fã de Dilma Rousseff (PT) e tenha realmente interesse em apoiar as ideias do PT. Mas, a partir do momento em que foi eleito, está muito mais ligado ao governo federal do que à sociedade. Ninguém verá esses políticos de monta expressarem essa posição da sociedade como oposição verdadeira. Por quê? Porque o político hoje, quando acabam as eleições, depende da máquina estatal.
Esse é o problema da máquina inchada: ela sequestra a política para si e a ideia de representação se torna uma farsa completa. Isso vem também de uma sociedade fraca. Minha intenção ao estar neste movimento é falar para a sociedade “vocês têm de se tornar fortes”. O Estado é forte porque a sociedade é fraca, porque muitas vezes a gente pede esmolas ao governo em vez de afirmar a própria força. O Estado nos deseja tratar como crianças em um País onde há de 60 mil a 70 mil assassinatos por ano, o cidadão comum está totalmente desarmado, porque está dito a ele que, se lhe for dada uma arma sairá matando pessoas na rua, contra toda e qualquer evidência.
Alguns dos países mais seguros do mundo são extremamente armados como os Estados Unidos e a Suíça. Mas tudo aqui vai contra, pois existe essa ideia de enfraquecer a sociedade e o Estado poder tudo. Veja o discurso do PT: já faz quatro anos que ele está repetindo às pretensas classes C e D — as quais o partido diz que ergueu — que, se o cidadão viaja de avião é porque foi o PT que deu essa condição. O cidadão trabalha 15 horas por dia, acorda às 6 da manhã e foi o PT quem deu isso a ele? Isso deveria ser ofensivo, ser um motivo para despejar esse partido e dizer “não, vocês tomam da gente e eu quero ver o que vocês farão desse dinheiro, mas a nossa vida somos nós que a fazemos”.
Fernando Holiday — Inclusive, foi ao ar há pouco tempo, que o partido do governo Lula colocou os negros nas universidades, os pobres dentro dos aviões e, enquanto passava essa propaganda, na região que eu moro, eu ouvia gritos de revolta nas casas ao redor, de pessoas indignadas com o que viam e ouviam na televisão. As pessoas sabem que se chegaram onde chegaram é porque trabalharam por isso, porque trabalharam por isso. Eu, como negro e pobre, não admito que partido e político algum diga que me colocaram em tal posição. Não, não. Se eu cheguei onde cheguei é porque eu estudei e venci as adversidades, que não são poucas. Adversidades essas colocadas pelo Estado. Se eu tive uma educação de péssima qualidade, se eu tive professores que faltaram dia após dia e eu tive de recuperar o conteúdo dentro de casa, é porque eu tive um Estado incompetente e irresponsável que não dá conta da Educação. Se hoje as pessoas morrem nos prontos-socorros é porque eu tenho um Estado gigantesco que não consegue dar conta da Saúde. As pessoas, aos poucos, vão entendendo que a ascensão social se dá por conta de seu trabalho e não por um governo A ou B. A partir do momento em que o PT tenta trazer para si esse sucesso da sociedade, ele começa a dar um tiro no pé e se enfraquece cada vez mais. Nos últimos meses, a ideia de estatismo, de que precisamos de esmola do Estado para ascender, isso está aos poucos se esfacelando, sendo destruído. Aos poucos, teremos uma sociedade mais forte, uma sociedade mais consciente e que defenderá o liberalismo econômico e individual.
Arthur Otto — Quando eu fazia universidade, há 50 anos atrás já existia o Fies. Quando eu era menino, tinha o Banco Nacional de Habitação (BNH), que construiu muitas casas; a Vila Nova e a Nova Vila [bairros de Goiânia] começaram com esse financiamento. Então, essa história do PT de que eles fazem casa, que eles dão universidade, isso já existe desde que eu sou menino. Eles estão mentindo descaradamente. Já existia financiamento da universidade, então o PT não fez nada. O PT não deu avanço nenhum para o Brasil. A Bolsa Família quebrou a Caixa, quebrou o Banco do Brasil. Não é sustentável.
Murilo Resende — O PT está tentando fazer uma obra de arte totalitária, que é tentar redesenhar a classe média como elite patrimonialista no país. Olho para minha família e vejo também em muitas pessoas a história da maior parte dos empresários do Brasil. São profissionais liberais, que vieram do interior do País, de famílias pobres, ralaram a vida inteira e, hoje, têm certa prosperidade material. Então, o PT se reúne com banqueiros, os caras da Friboi, com os megaempresários brasileiros, e depois diz que essa classe média — que quer valorizar as questões do trabalho, mostrar que a sociedade ganha por si mesma e não pelo Estado — é uma elite patrimonialista terrível que está contra o PT porque ele trouxe os pobres para cima.
O que a classe média está dizendo é que eles vieram do mesmo lugar e que querem um Estado que abra essa oportunidade, pois esse Estado gigantesco será cada vez mais aquele da “Revolução dos Bichos” [livro de George Orwell], onde alguns animais são mais iguais que os outros; será uma elite partidária riquíssima, uma elite de empresários escolhida por ela e também riquíssima, e não terá mais espaço para quem vem de baixo. Isso já está acontecendo.
Frederico Vitor – Existe algum exemplo de Estado em que exista esse liberalismo forte?
Murilo Resende — Sempre existe a interferência do Estado na economia, mas um exemplo recente do que digo são os países do Leste Europeu, que saíram do comunismo e fizeram reformas liberais amplas. Muitos deles são chamados de “novos tigres asiáticos”.
Renan Santos — A diferença deles para países que não fizeram a mudança, como a Ucrânia que continua pobre. A Estônia é quase um país escandinavo em termos de qualidade de vida.
Kim Kataguiri — O Chile, o país mais liberal da América Latina, é o que mais se desenvolve, o que tem melhor educação e saúde e é esperado que seja mais rico que muitos países da Europa em 2020.
Frederico Vitor — A Embraer é a terceira maior fabricante de jatos comerciais no mundo. O Estado tem um papel fundamental em seu desenvolvimento, até mesmo para que ela se tornasse um “player”. Não há uma contradição nesse seu discurso, então?
Renan Santos — Eu rebato com o exemplo da Gurgel, que foi uma montadora criada por um empresário brasileiro [João Augusto Gurgel]. Por conta do lobby que as montadoras internacionais fizeram junto ao governo, ele teve todo tipo de fiscalização a mais, o que acarretou a quebra da empresa. Se houvesse um empresário do ramo da aviação com tino e vontade para o negócio, ele buscaria financiamento e teria construído isso. O polo de São José dos Campos (SP) da Embraer é fantástico. Enfim, é uma discussão de ações: talvez um pouquinho de Estado nessa área ou naquela…
Murilo Resende — Mas vamos lembrar que essas são ações cirúrgicas do Estado e que não envolvem, de forma alguma, a ideia do Estado gigantesco e burocrático como o que há no Brasil. Tenho essa convicção liberal, mas obviamente o Estado tem poder e capacidade de ação. Ele pode, sim, orientar uma ação que vá render frutos piores ou melhores.
Mas o que vemos é um Estado inchado e burocrático, basta ver a situação da educação e da saúde. Todos os serviços básicos são um caos. Ao mesmo tempo, os fundos partidários estão aumentando e os cargos comissionados, explodindo. Essa é a verdadeira conspiração com o povo brasileiro. Não é uma questão de acabar com o Estado ou de instaurar uma anarquia, mas de perceber que o próprio argumento daqueles que querem um Estado mais eficiente acaba sendo a favor do nosso argumento. Enquanto o Estado for preocupado com milhares de cargos comissionados e em resolver todos os problemas do mundo, nunca vai conseguir o que é essencial.
Laura Machado – Das manifestações que tiveram este ano, a primeira deu muita gente, eu mesma fiquei impressionada; já a segunda, tanto no Brasil inteiro como aqui em Goiânia, foi bem menor. Como vocês avaliam essa queda?
Kim Kataguiri — Nossa manifestação do dia 12 de abril era para estar no maior número de cidades possível. Então, nós tentamos pulverizar bastante o movimento; nós tivemos muito mais cidades participantes que no dia 15; portanto, nosso objetivo foi alcançado. Eu mesmo já falei que não existe curral eleitoral do PT. As próprias cidades do interior não estão susceptíveis mais à propaganda partidária do PT e, diferentemente do que diz a propaganda oficial, a indignação não diminuiu. Ainda que a participação popular no dia 12 tenha sido menor, a indignação não diminuiu. As estatísticas dizem isso. O que aconteceu é que as manifestações estavam menores, pois estavam mais pulverizadas e também pela própria desesperança, porque não houve, por parte da sociedade, uma macrovisão política de que tanto a manifestação do dia 15 quanto a do dia 12 tiveram resultados concretos. Exemplo desses resultados foi a queda drástica da popularidade da presidente Dilma Rousseff, que ficou menor do que a do ex-presidente Collor três meses antes de se iniciar o processo de impeachment. Dilma também sabe que não pode mais fazer pronunciamentos e aparecimentos públicos.
Murilo Resende — Aqui, em Goiânia, nós tivemos muitas reclamações de pessoas que desejavam ir à manifestação, mas que não receberam a notícia. Nós atribuímos isso ao nosso principal mecanismo de divulgação, que é o Facebook, para espalhar a notícia rapidamente. Um mecanismo excelente que descentraliza e que, com pouco recurso, você consegue divulgar. Houve relatos de todo o País — e até hoje não sabemos o que de fato aconteceu —, mas observamos uma queda da divulgação dessas ações pelo impeachment quase pela metade. Se você aplicava R$ 100 [em investimento para divulgação no Facebook], antes, você conseguia alcançar um quantitativo muito maior. Eu estava cuidando disso e vi isso na prática. Agora, se tivesse de fato diminuído a indignação, nós não teríamos tido um panelaço como o que vimos no Brasil inteiro e o apoio que tivemos em uma carreata aqui em Goiânia, à noite, no meio da semana. Portanto, o apoio da sociedade está aí e o recado foi dado. Se o governo continuar no trajeto que está indo, se não iniciar logo o processo de impeachment da Dilma, eu tenho certeza de que em breve se iniciará uma manifestação muito maior. Afinal, 87% da população são a favor do movimento e mais de 60% é a favor do impeachment. É uma demanda popular.