Em entrevista ao Opção, secretária da Educação Fátima Gavioli admite que Goiás pode perder a liderança no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

Fátima Gavioli, secretária da Educação de Goiás | Foto: Fábio Costa

Secretária da Educação de Goiás, Fátima Gavioli relutou a aceitar o convite do governador Ronaldo Caiado para ocupar o cargo. Sua ideia era assumir o mesmo posto no governo de Minas Gerais – ela havia feito uma avaliação aplicada pela OSCIP Comunitas, que prestou serviços para os governos de Goiás, Minas e Rio Grande do Sul.

O receio era assumir a pasta no Estado que ocupava a primeira colocação no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Porém, após uma conversa com Caiado, se convenceu de que muito havia a ser feito em Goiás. Seis meses após, tem um diagnóstico sobre os problemas da rede: escolas com poucos alunos, excesso de pessoal administrativo e ausência de formação continuada de professores.

Nesta entrevista ao Jornal Opção, Gavioli, que foi doméstica e depois alfabetizadora dos próprios patrões, admite que Goiás deverá perder posições no Ideb e que as notas do Sistema de Avaliação Educacional de Goiás (Saeg) também pioraram. Leia abaixo:

Euler de França Belém – Há uma informação de que o Ideb [Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico] foi falsificado no governo anterior. Isso procede?
Não acredito. O que aconteceu em Goiás foi uma ação que começou com o ex-secretário Thiago Peixoto, que culminava no resultado obtido. Esse plano previa o acompanhamento pedagógico e tutoria na escola. O Thiago é citado em palestras mundialmente sobre a ação dele na Secretaria da Educação. Para quem conhece o projeto que ele implantou, e que não foi descaracterizado no todo pelos seus sucessores na Seduc, sabe que o segredo é treino para conseguir uma boa nota e chegar ao primeiro lugar no Enem [Exame Nacional do Ensino Médio]. É uma ação de governo. Se perguntar ao governador Ronaldo Caiado, ele quer ser o primeiro colocado no Ideb, mas não é uma questão de honra. Ele está preparado para estar em outras posições.

Euler de França Belém – O que nos contam é que o governo sabia quais eram os melhores alunos de uma escola e os transferia para outras. Isso procede?
Não é do meu conhecimento, nunca chegou para mim. O Ideb é constituído de duas informações: a proficiência, que é o processo de aprendizagem e que somos o terceiro do Brasil; e a evasão, em que somos o primeiro. Goiás tem a menor evasão do País, o que faz com que o Estado salte no Ideb. O Rio Grande do Sul, por exemplo, está melhor na proficiência, mas está muito abaixo na evasão.

Não acredito [que a colocação de Goiás no Ideb] tenha sido manipulada, mas não há como negar que foi um projeto em longo prazo para que o Estado chegasse ao primeiro lugar.

Euler de França Belém – Esse projeto em longo prazo foi correto ou não?
As crianças foram treinadas para preencher provas no modelo da Prova Brasil e do Enem. Não é incorreto. Mas é preciso entender se isso está trazendo qualidade no ensino.

Rodrigo Hirose – Esse treinamento é semelhante ao que as escolas particulares fazem. Assim, elas usam o bom ranking no Enem para o marketing. Pedagogicamente, essa metodologia é boa ou não para os alunos?
Há correntes teóricas que dizem que é bom e há aquelas que condenam, pois acreditam que é preciso respeitar a liberdade de pensamento dos alunos, etc. A escola privada faz isso pelo marketing. Em alguns casos, isso [a classificação no Ideb] se torna uma questão de honra, sabe-se lá se pelo desejo de uma ascensão política nacional.

Goiás continua fazendo seu trabalho. O Piauí e o Ceará estão se preparando muito para avançar no ranking e, correndo por fora, vem o Espírito Santo. Não está errado, de acordo com o ponto de vista de cada administração.

Rodrigo Hirose – E a sua linha como secretária da Educação?
Crescer a aprendizagem sem se preocupar com a colocação. Nossa nota é 4,7, meu sonho é alcançar 4,9 no próximo Ideb. É difícil, mas é um sonho. E se esse 4,9 no deixar Goiás em sétimo, décimo ou em primeiro, não vai me desestabilizar.

Rodrigo Hirose – O mais importante é a evolução?
Mais importante é a curva e a régua. E aqui, há um problemão. O resultado do Saego [Sistema de Avalição Educacional de Goiás] de 2018 e Goiás caiu como nunca antes havia caído. Caímos também no Enem.

“Quando sair o resultado do Ideb ano que vem, ele cairá sobre mim” | Foto: Fábio Costa

Rodrigo Hirose – Isso em relação à nota média, entre escolas públicas e privadas?
Sim, perdemos posição. Ainda farei uma análise mais detalhada [a entrevista foi concedida poucas horas depois da divulgação do Enem]. Para nós, 2019 será um ano atípico, porque só teremos um ano para corrigir problemas de dois, 2018 e 2019? Quando sair o resultado do Ideb no ano que vem, o resultado cairá sobre mim. Vão dizer que assumi em primeiro e entreguei em décimo.

O que precisa estar firme são nossos propósitos com uma educação séria e de qualidade. Sobre a posição [no ranking do Enem], não percebo essa vaidade no governador.

Euler de França Belém – É fato ou mito que o Brasil precisa reforçar o ensino de matemática e português?
É fato. Alguém que tem essas habilidades tem muito mais facilidade para interpretar o mundo. Quem tem o domínio do português e matemática vai bem em história, geografia, biologia, etc. É muito difícil para uma criança que não tem essas competências e atitudes nessas duas áreas de conhecimento tem muita dificuldade para trabalhar as demais.

Um menino que não domina essas áreas, mas joga um “bolão”, tem uma habilidade específica, mas mesmo o melhor jogador de futebol do mundo tem uma hora em que precisa aprender a falar, a escrever, calcular seus ganhos.

Dou toda a razão para governos que focam em português e matemática. Algumas gerações passadas dominavam bem as duas. Mas alguma coisa deu errado. Começamos a falar muito em autonomia e fugiu do currículo. De repente, havia tanta autonomia para um aluno de ensino médio que ele não sabia o que fazer com ela, ficou antissocial.

Os alunos precisam de um norte, uma matriz, e sentir que existe uma liderança educacional. Porque senão não vão querer ficar na escola. Ou se tem liderança educacional, ou se está no lugar errado.

Augusto Diniz – O que significa essa liderança na prática?
O professor tem de trabalhar com o aluno entendendo que estuda para isso há pelo menos 15 anos, que é o mínimo de formação para se estar na sala de aula, com graduação e pós. O aluno tem de olhar para o professor e pensar: “Quando crescer, quero ser como esse cara”.

Vou dar um exemplo que presenciei em Rondônia. Um menino disse ao professor que gostaria que gostaria que ele fosse se pai. O professor quis saber o motivo. O menino respondeu: “Porque você coloca o capacetinho para trazer seu filho para a escola na moto”. O professor, então, observou que o pai desse aluno o trazia para a escola em uma moto grande, sem capacete, com o menino agarrado a ele, desprotegido, exposto a um acidente fatal.

É essa liderança educacional que estamos perdendo.

“Estamos colocando gente para dar aula por extrema necessidade: eu, de professores; eles, de salário” | Foto: Fábio Costa

Rodrigo Hirose – Diante das más condições de trabalho e remuneração, como despertar nos professores essa liderança inspiradora?
Vamos ser honestos. Ser educador no Brasil, especialmente em algumas regiões, é quase como fazer um voto: eu nasci para ensinar e mexer com gente. Quando sai um edital [de concurso], o candidato já sabe qual será o salário.

O Brasil avançou quando aprovou o piso nacional para o professor, que é de R$ 2,5 mil. Outros avanços ocorreram, como o limite de 26 horas aulas para quem tem carga de 40 horas semanais; hoje o número de professores com mestrado e doutorado cresceu muito. Por outro lado, estou recebendo pessoas que não tiveram oportunidade no mercado de trabalho e vêm para a educação porque há muitas vagas.

Um concurso para auditor fiscal oferece uma vaga. A seleção para professor na Seduc de Goiás teve 14 mil vagas. Quando as abro, estou dizendo ‘venham todos que têm licenciatura’. Mas não há candidatos suficientes. Então, convoco todos bacharéis, e ainda não tem o suficiente.

Há alguns dias tive um susto ao receber uma decisão judicial determinando a exoneração de todos os professores com ensino médio da rede. Questionei o superintendente de gestão de pessoas se não era um erro. Ele então me informou que ainda tínhamos 400. Como fazer com que alguém que não recebeu o preparo adequado gostar daquilo que está fazendo? Ele nem estudou para saber se gosta ou não.

Nós estamos colocando gente para dar aulas por extrema necessidade; eu, de professores, eles, de salário. É um salário baixo, mas certo, que cai na conta todo mês. Estamos muito longe de verificar se aquela pessoa tem a capacidade, paixão e desejo de lidar com gente e transformar vidas.

Comecei minha vida como doméstica, o que fiz por muitos anos. Depois, alfabetizei esses patrões. Logo adiante, estava alfabetizando os filhos deles. Eu sabia que queria ser professora, nasci para mexer com gente. O que não dá é colocar para mexer com crianças e adolescentes pessoas que não têm nem mesmo esse desejo, mas que o faz por necessidade.

E por que não tiramos essas pessoas? Mas colocar quem, se também não temos? Abri 14,5 mil vagas para professores temporários, mas só 6 mil passaram [na seleção].

Euler de França Belém – E qual é o salário dos professores temporários?
O professor temporário é CLT [Consolidação das Leis Trabalhistas], tem carteira assinada. O salário dele é de R$ 1.750 por 40 horas.

“O salário do professor temporário é de R$ 1.750. Abaixo do piso. Isso é uma angústia e uma vergonha que sinto”

Rodrigo Hirose – Portanto, abaixo do piso.
Abaixo do piso. É uma angústia e uma vergonha que sinto. Por ser CLT, é como se fosse o funcionário de uma empresa privada. Para eu pagar o piso, ele teria de ser um servidor efetivo da rede. Pergunte na rede privada se os professores dela têm obrigação de receber o piso nacional. Não tem. A rede estadual de Goiás foi inchada de contratos [temporários] porque paga-se R$ 1.750.

Euler de França Belém – Por que com 14 mil vagas só 6 mil foram preenchidas?
Muitos diplomas falsos. Foi de cortar o coração, porque, por mais que esteja como ordenadora de despesas, me doeu receber pessoas que já eram professores há cinco anos da rede, relatando que gostam de ser professor, mas que não tinham diploma verdadeiro. Sabia que meu não doeria demais, mas era a única solução que eu tinha.

Então pedi a eles que retornassem à faculdade para terminar o curso.

Euler de França Belém – Em Goiás, houve um programa de graduação parcelada. Então, a maioria dos professores têm graduação superior. Em Rondônia a maioria dos professores tem curso superior?
Sim, até porque tínhamos até 2010 para que todos na rede tivessem curso superior. Naquele ano, o Ministério da Educação estendeu o prazo por mais cinco anos. Em 2015, o prazo acabou e todos [os Estados] deveriam tirar o leigo da rede. Mas antes de tirá-lo, caso não fosse concursado, ele deveria ser alertado de que tinha um prazo de cinco anos para concluir o ensino superior. O governo ofereceu uma série de programas de formação. Hoje, em Rondônia, em uma rede de 17 mil professores ainda há 72 leigos concursados. Em Goiás, também zeramos o número de leigos temporários.

Rafael Oliveira – O desempenho dos leigos em sala de aula é ruim?
Nos dois primeiros anos da educação infantil, os leigos, que são do antigo magistério, são ótimos, dão um show. Começa a ficar um pouco mais complicado após o terceiro ano. O ser humano que trabalha na educação é construído com muita teoria e pesquisa, mas, sem dúvida nenhuma, a verdadeira base é a experiência e o dia a dia. É o chão de fábrica, como dizemos na pedagogia.

Gavioli: “As escolas militares são muito boas” | Foto: Fábio Costa

Euler de França Belém – Recebemos no Jornal Opção muitas críticas de que a sra. é contra as escolas militares, mas o que há é um remanejamento de policiais para a segurança nas ruas. Qual é a posição da sra. em relação a elas?
Sou a favor de todo o tipo de escola, seja especial, indígena, militar ou EJA [Educação de Jovens e Adultos].

Na verdade, as escolas militares são geridas pela Secretaria da Segurança Pública. Hoje, há projeto de implantação de mais 32. A parte que me cabe é só modular os professores. A gestão, implantação e com o secretário da Segurança, Rodney Miranda.

Euler de França Belém – Isso é correto?
Há um Comando de Ensino [na Polícia Militar], que é quem tem gestão sobre os gestores das escolas. Se está dando certo, eu manteria.

Euler de França Belém – A sra. manteria os policiais efetivos nas escolas? Diminuiu o número deles?
Diminuiu muito. Havia escolas que tinham 15 policiais e esse número baixou para 5 ou 8, dependendo o porte.

Euler de França Belém – E continua funcionando bem?
Continua. Elas [as escolas militares] são muito boas.

Rodrigo Hirose – No ranking do Enem, das dez melhores escolas estaduais, seis são militares e quatro são de tempo integral. A retirada desses militares pode prejudicar a qualidade dessas escolas? Qual é a real influência de um militar na escola?
Existe um fenômeno na escola militar. Pega-se um militar que não foi formado na área da educação, passa a gestão da escola com pouquíssimos alunos para ele, às vezes em uma área de risco, e em um ano a escola tem mil alunos, com uma disciplina impecável. Esses militares nunca fizeram uma faculdade [na área educacional], no máximo uma pós-graduação em gestão escolar. A impressão que me dá é que essas crianças, no fundo, precisam sim da bendita liderança, autoridade; daquela pessoa que diz sim, mas também sabe dizer não.

Os militares têm uma disciplina impecável. Há quem não goste e quem goste. Mas digo sem medo de errar: a substituição dos gestores vai causar uma quebra momentânea, porque os diretores estão há dois, três anos e todos estão adaptados. Quando há troca, as pessoas ficam sem saber o que vai acontecer.

Os militares não têm divergência de perfil. Quando a polícia troca o diretor, em uma semana roda tudo normal.

“Pedagogicamente, a rede estadual de Goiás é forte. Do ponto de vista administrativo-financeiro, ela está totalmente fragilizada”

Rodrigo Hirose – A sra. está em Goiás há seis meses. Nesse período, já foi possível ter um diagnóstico completo da rede de educação? O que a sra. detectou que precisa ser aperfeiçoado?
Os primeiros seis meses foram de adaptação, reconhecimento e conhecimento da rede. Fizemos visitas às escolas, Seduc Itinerante, atendimento às comunidades aos sábados. A rede é primeiro lugar no Brasil, tem muita coisa boa, a maioria dos professores são determinados e até um pouco vaidosos – eles gostam de ser os primeiros no Ideb no Brasil.

Mas na parte administrativa e folha de pagamento, há problemas. Há excesso de pessoal e problemas também na modulação de professores. Há mais de dez anos a Seduc não faz formação de professores. Abrimos agora uma formação de 400 professores de Educação Física. É um absurdo, demorei seis meses para abrir uma formação, porque quando se fala em formação de professores na Seduc, parece que estamos falando em um bicho de sete cabeças. E não é isso. O sucesso do Piauí está totalmente pautado na necessidade de formar professores. Precisamos de formação constante.

Pedagogicamente a rede de Goiás é forte. Do ponto de vista administrativo-financeiro ela está totalmente fragilizada. Há muita gente na rede, e gente que não entende o perfil que tem. Pessoas que têm um contrato para ser gestor de pátio, que veio por indicação (o que não acho errado), mas sem capacidade técnica para a função. Estamos tirando e substituindo as pessoas que não preenchem os requisitos.

Euler de França Belém – A Seduc está fechando escolas no interior?
Eles [os críticos] dizem que estamos fechando. Eu chamo de reordenamento de rede, coisa que está sendo feito nacionalmente. Aqui, ganhei o apelido de ‘secretária que fecha escola’. Há alguns anos, me parece que não houve estudos técnicos para implantar escolas. Um prefeito construía uma escola, o sucessor construía outra próxima. Foram sendo criadas escolas com distâncias de até dois quilômetros entre elas. Além disso, segundo o IBGE, estão nascendo 12% menos crianças por ano. Em dez anos, 50% das escolas não terão mais alunos, essa é uma previsão nacional.

Cada um, pensando em preservar sua fatia profissional, ficou com poucos alunos. Uma escola manteve 90 alunos, mesmo com capacidade para 500. Outra escola, com mesma capacidade, ficou com 70 alunos. E elas estão próximas, com menos de dois quilômetros de distância. As duas tornam-se escolas fracas, por causa do baixo número de alunos. Se juntarmos ambas, terei uma unidade fortalecida economicamente, porque recebemos [o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica – Fundeb] pelo número de alunos. Além disso, a outra escola pode ser entregue para as prefeituras, para instalação de creches, delegacias, sede do Corpo de Bombeiros, etc. Tínhamos uma escola com apenas 30 alunos que, após ser reordenada, virou um centro de reciclagem, porque ficava em uma área afastada.

Os críticos dizem “a secretária está fechando escolas”. Eu digo que estou tentando reordenar a rede.

Rodrigo Hirose – Quantas escolas e quantos alunos passarão por essa reordenação?
Se for possível reordenar a rede de verdade, dentro de um critério de seriedade com a gestão pública, são 200 escolas. Daqui a cinco ou seis anos, será preciso reordenar mais um pouco. Hoje, com 200 escolas reordenadas, teríamos escolas fortes economicamente, com o mínimo de alunos que uma escola necessita.

Augusto Diniz – Não há o risco de superlotação nas salas de aula?
Não. Do primeiro ao terceiro ano [do ensino fundamental], uma sala de aula tem de ter 25 alunos; no quarto e quinto, 30; do sexto ao nono, 35; e, no ensino médio, 40. Hoje não temos isso em todas as escolas. Visitei uma escola em Itapaci que tinha três salas de primeiro ano do ensino médio, uma com 14, outra com 19 e outra com 17 alunos. Juntando as três, teríamos duas salas. Mas não, estávamos com pingados. Por que se faz isso? Para se segurar os contratos [de professores temporários].

Isso só não ocorre no Entorno do Distrito Federal, que tem o quarto turno, o turno da fome. Estive lá e vi. Existe uma determinação do governador de que, em 2020, ele não quer mais o quarto turno no Entorno. Essa é a única região que vai trabalhar com a ocupação das salas sempre acima do permitido. Nas demais, tenho mais vagas que meninos.

“Tem gente que não entende que menino é verba. Quanto mais meninos [na escola], mais recursos eu recebo”

Augusto Diniz – A sra. citou a determinação constitucional das responsabilidades de cada gestão (municipal e estadual) em relação à educação. Às gestões municipais, cabe a educação fundamental. Nas discussões da Seduc com as secretarias municipais, qual a possibilidade de se colocar isso em prática em Goiás?
A colaboração com os prefeitos está sendo muito tranquila. Eles estão sendo muito honestos, já sabiam que têm de atender do primeiro ao quinto ano. Alguns prefeitos me pedem a escola, outros pedem um prazo de transição para os professores (50% em um ano).

Tem gente que não entende que menino é verba. Quanto mais meninos [na escola], mais eu recebo recursos. Quando os prefeitos fazem essa conta, querem assumir até os alunos do sexto ao nono ano. Aí sou eu que não dou. Do sexto ao nono, vamos dividir pela metade, senão em breve estaremos discutindo por meninos.

Os cálculos do desempenho do Enem são feitos apenas em escolas com ao menos 90 alunos. Quando há um número de crianças nas escolas abaixo disso, não é possível ter os resultados na Prova Brasil, nem no Enem, porque está abaixo do que o Inep e Ministério da Educação entendem como a capacidade.

Rodrigo Hirose – A sra. também está fechando, ou reordenando, escolas de tempo integral?
Do primeiro ao quinto [sim], porque é uma responsabilidade dos prefeitos. Só descobri que [o governo de] Goiás atendia essa faixa no dia em que assumi, isso não me foi informado na transição. Assim que assumi, comecei o reordenamento e, para minha surpresa, ainda descobri que eram de tempo integral. Se a escola tivesse 300, 350 alunos, poderia mantê-la até completar a transição. Mas a escola que encontrei com mais alunos tinha 132. Além de ser de uma etapa que é de responsabilidade dos prefeitos, as escolas ainda têm um baixíssimo número de alunos.

Passei em uma escola de tempo integral que não tinha ar-condicionado, nem ventilador, em um calor infernal. Na sala de nono ano, tinha apenas sete alunos. Do lado de fora, havia uma lona amarrada em árvores: era a sala dos professores. Aquela era uma escola integral. É tudo muito estranho, não tem a ver com o que aprendi sobre escola em tempo integral. É lógico que já mandei informar que, após julho, ela voltará a ser uma escola de tempo regular.

Ao entrar na sala, perguntei quem queria voltar para casa às 12h30. [A secretária faz o gesto de levantar a mão, em sinal de consentimento] Todos queriam ir embora para casa, pois à tarde faz um calorão. O alimento servido à tarde é um biscoito de polvilho e suco de abacaxi.

Augusto Diniz – Que tipo de atividade é oferecida no contraturno, após 12h30?
Dentro do nosso projeto, pode haver disciplinas eletivas, algumas atividades físicas, como judô, danças e artes. E podem também ter aulas, dependendo muito da forma como a escola se organiza.

Augusto Diniz – Essa é a realidade em todas as escolas ou há cenários diferentes?
No ensino médio está acontecendo. No ensino fundamental está mais difícil, porque o dinheiro que o governo federal manda [para a Seduc] é para o ensino médio. Tenho recursos para fomentar a educação integral no ensino médio, mas não no ensino fundamental. Acabo tirando de um para cobrir o outro.

“A escola de tempo integral não é para a criança ficar como se fosse uma creche. Ela tem um currículo ampliado, com disciplinas eletivas”

Rodrigo Hirose – Como fica a questão social do encerramento de um turno, quando muitos pais utilizam as escolas quase como creches, pois têm de trabalhar e não têm onde deixar os filhos? As prefeituras terão de se virar para atender essas famílias?
Dos prefeitos com quem conversei, apenas dois falaram que irão manter a escola de tempo integral. São prefeitos que não disputarão reeleição e deixarão que o sucessor decida depois. Os demais fizeram as contas e viram que não têm possibilidade nenhuma de manter uma escola em tempo integral.

Do primeiro ao quinto ano, a escola de tempo integral na maioria dos municípios tem um modelo metodológico voltado para a creche. Os pais levam os filhos de manhã e buscam no final da tarde. Se tem banheiro, chuveiro, refeitório ou quadra de esportes, não importa. O que importa é que a criança está lá. Um prefeito me perguntou o que fazer, pois esses pais trabalham. Falei para ele que tenho um pouco de experiência e que faria um estudo, pedindo que os pais apresentassem carteira de trabalho ou um comprovante de vencimento. A maioria não tinha. O pai trabalha, mas a mãe, ou a tia, ou a avó, não. Sempre tem alguém em casa.

A escola de tempo integral não é para a criança ficar como se fosse uma creche. Ela tem um currículo ampliado, com algumas disciplinas eletivas, quando o aluno já tem autonomia para escolher de acordo com a profissão que deseja ter no futuro. Um menino do primeiro ao quinto ano não pode fazer isso.

O trabalho [de reordenamento] que está sendo feito é sério e responsável, fruto de anos de estudos, mas é impopular. Mas em seis ou oito anos, vocês verão o fruto desse trabalho. Assim como disse que o Ideb de hoje é fruto de um planejamento feito pelo Thiago Peixoto. A educação é uma bênção, você só colhe com o tempo. E aquele que tenta fazer algo diferente apanha demais. As pessoas olham e dizem: “Há 30 anos é assim”. A vontade é dizer que há 30 anos está sendo feito de forma equivocada, vamos tentar corrigir.

Rafael Oliveira – Em Goiânia, há uma grande fila de espera para o ensino infantil, ao mesmo tempo em que há vagas ociosas nas escolas estaduais…
Inclusive o Marcelo Ferreira [secretário da Educação de Goiânia] está abrindo salas modulares. Goiânia municipalizou o ensino do primeiro ao quinto há muitos anos.

Gavioli, sobre as salas modulares da Prefeitura de Goiânia: “Elas são a última alternativa” | Foto: Fábio Costa

Augusto Diniz – Como a sra. vê essa questão das salas modulares? Elas são uma alternativa ou um problema?
Elas são a última alternativa para um secretário. Primeiro deve-se procurar salas em igrejas, salas convencionais. Não deu, os alunos vão ficar sem aula? Assim, sim, deve-se lançar mão de salas modulares. É triste assinar uma licitação para [construção] de salas modulares.

Rodrigo Hirose – Por quê?
Nos Estados Unidos e na Europa, a cultura em relação a essas salas é tranquila. Mas, no Brasil, não há essa cultura. As crianças adoram, porque elas são branquinhas, têm ar-condicionado. Mas nós, educadores, depois do acidente no Flamengo [no início do ano, jogadores da base morreram em um incêndio no alojamento, feito com salas modulares] ficamos apavorados. Contudo, recebi alguns laudos sobre salas modulares confeccionadas por meio de inteligência artificial à prova de incêndio. Depois do acidente, nenhuma delas pode ter menos de duas janelas e todas têm de ter extintores de incêndio. A gente está com medo.

Augusto Diniz – Como está a questão do ensino especial na rede estadual?
Dentro de cada uma das 40 coordenadores da Seduc há um mediador da inclusão, uma pessoa que dá formação aos professores da rede. As escolas estão fortalecendo, a partir desse ano, as salas de atendimento educacional especializado, vamos resgatar essas salas. Aqui em Goiás existe uma peculiaridade, que é ter o professor cuidador.

Em Goiás temos o higienizador, o professor de apoio, o mediador e uma Superintendência de Inclusão na Seduc. Se todos trabalharem em rede, conseguiremos, em algum tempo, ter alunos surdos, alunos cegos, concursados como professor. Hoje não temos. Rondônia tem 17 professores surdos, uma professora cega. Aqui não temos concurso para surdos, índios. Inclusão é isso: investir em inclusão, trazer quem está fora para dentro, para ele representar seus pares no futuro. É muito melhor um quilombola ter aula com um professor quilombola que comigo.

Rodrigo Hirose – A distorção entre a idade e a série dos estudantes goianos cresce ao longo dos anos escolares. Como fazer uma escola atrativa, que diminua essa distorção e a evasão?
Segurar um aluno de forma voluntária, da educação infantil ao terceiro ano do ensino médio, não é tarefa fácil. Mas temos de nos pautar em pesquisas e no que já temos no Brasil. Veja o exemplo de Sobral, que conseguiu reduzir a evasão escolar e tornar a escola atrativa. Sobral não banhou as escolas com ouro, não está pagando os melhores salários do Brasil para os professores. O diferencial foi um modelo que oportunizada formação continuada aos professores, possibilita que o profissional até dobre o salário ao cumprir metas, que seria uma meritocracia dentro do projeto, e que fez com que os pais se envolvessem no processo educacional.

Em Sobral, no final do bimestre, é realizado um show e o boletim dos alunos e apresentado publicamente em um telão. Os pais se envolveram nessa escola e, o mais importante, os alunos se apropriaram e se empoderaram. Existe um orgulho em dizer que ele é de Sobral. Quando se abre o mapa do Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes], Sobral está mais bem colocada que alguns países latino-americanos. Todos resolveram se apropriar da escola.

Há 25 anos, a primeira ação do Ceará foi passar do primeiro ao quinto ano para os prefeitos e do sexto ao nono e o ensino médio para o Estado. A primeira coisa que Sobral fez foi reordenar a rede. Não vejo esse orgulho hoje nas escolas. Aquelas que têm, são as que dão certo. Entro em uma escola que está bonita, mas em que todos estão rancorosos, mal humorados e chateados. Assim, contamino os alunos. A escola atrativa e gostosa de ficar é aquela em que compreendemos nosso verdadeiro papel e conseguimos traze a comunidade para dentro dela.

Augusto Diniz – O contingenciamento de recursos pelo Ministério da Educação (MEC) já tem algum reflexo em Goiás?
Não, até agora não foi contingenciado nada para a Seduca.

Augusto Diniz – Os recursos do Fundeb continuam os mesmos?

Sim e o MEC está falando até em melhorar.
Augusto Diniz – Há alguma discussão para modificar o Fundeb?

Este é o último ano do Fundeb. O Congresso precisa votar ou a continuação, o fim ou a melhoria da participação dos Estados. Mas não vejo o fim do Fundeb. Estou otimista de que vai continuar e melhorar.

Por que os professores acham que o Fundeb é uma verba federal? O Fundeb é nosso, é fruto dos impostos pagos por todos em Goiás. O governo estadual passa essa cesta para o federal, em torno de R$ 280 milhões, que devolve depois só uma parte. Aí, quando o professor faz greve, cobra “cadê o Fundeb que o governo federal mandou?”. Não, o governo federal não mandou nada. Isso foi tirado um pedaço do que já era nosso.

Augusto Diniz – A sra., então, defende a manutenção integral do Fundeb?
Eu não tenho vida sem o Fundeb. A folha da educação dá R$ 225 milhões por mês. O Fundeb varia entre R$ 150 milhões a R$ 170 milhões. Se perder esse recurso, o que será de mim? Esse é um dinheiro que não vejo risco de perder.

Augusto Diniz – Desde o início do ano, os recursos do Fundeb foram utilizados para pagar parte da folha de dezembro, inclusive o governo estadual aprovou créditos suplementares para isso. O que ocorreu desde então para que parte dos professores ainda esteja no escalonamento e não receberam o pagamento de dezembro?
No pagamento de junho, será paga a última parcela da Educação. Os professores alegavam que eu tinha o Fundeb e que não pagava o mês dezembro porque não queria. Mas o Fundeb era de R$ 170 milhões e a folha era de R$ 280 milhões. Como eu iria pagar? Queriam que eu pagasse dezembro sem que a Assembleia Legislativa tivesse voltado a trabalhar, sem ter aberto o orçamento e sem ter liberado o crédito. Precisei do tempo legal para liberar tudo isso, porque só o Fundeb não paga a folha e preciso de suplementação da folha.

Rodrigo Hirose – Até hoje o governador Ronaldo Caiado sofre desgastes por causa do não pagamento da folha de dezembro. Porém, a estratégia de priorizar a educação, que tem o maior número de servidores do Estado, ajudou a mitigar esse desgaste, já que é uma categoria que consegue mobilizar rapidamente uma greve?
Somos 47 mil servidores. Ao se fazer uma proposta e conseguir o acordo do sindicato que representa esses servidores, acalmam-se 60% do Estado. Graças a Deus havia recursos para remanejar crédito e tínhamos, principalmente, o Fundeb. Esse mês, graças a Deus, é a última parcela de dezembro. Aí, é bola para frente.

Rodrigo Hirose – Boa parte da mão de obra da educação tem muitos anos de serviço, até mesmo pela falta de concursos, e está prestes a cumprir os requisitos para aposentadoria. O governo estadual já anunciou que não fará novos concursos em breve. Como administrar esse possível aumento no déficit de professores?
Só este ano, já perdi 400 professores, que se aposentaram. Mas, à medida que formos reordenando a rede, abriremos margem para, no futuro, fazer uma proposta [ao governador] para substituir parte dos temporários por concursados. Mas só poderei pedir isso após demonstrar ao governador onde fiz cortes. Não adianta falar ao governador que quero pagar o piso sem demonstrar de onde tiraremos os recursos.

Tudo o que estamos fazendo (mudar de prédios alugados, reduzir a frota de carros e o número de contratos, diminuir o consumo de energia e tirar telefones funcionais) tem a ver com o que precisamos organizar para os servidores que estão na rede.

Fachada do Instituto de Educação de Goiás (IEG), onde a Seduc está funcionando

Rodrigo Hirose – Por falar em mudança, a secretaria já está funcionando totalmente no Instituto de Educação de Goiás (IEG)?
Já estamos no IEG há cerca de dois meses e já não pagamos o aluguel do prédio antigo, porque havia um crédito. No dia 30 de junho, todos estarão juntos no prédio do IEG. É lógico que se trata de um prédio rústico, de pouca estrutura física. Meu gabinete está em uma sala de aula. Mas está muito bom, estamos fazendo uma hora e um pomar. Nossa intenção é pintar, recuperar o prédio.

Rodrigo Hirose – É um prédio histórico para Goiânia.
Sim, mas estava bem destruído. Nossa intenção é transformá-lo em uma grande casa da educação em Goiás. Acredito que ele será sede da Seduc por muitos anos.

Rodrigo Hirose – Resumidamente, o que é o programa Aprender e Avançar, lançado recentemente pela Seduc?
É recuperar dois anos em um. É um modelo de escola diferenciada para o aluno que tem desvio idade/ano [escolar]. Não posso dar a um aluno de 14 que ainda está no quarto ou quinto ano e oferecer para ele os mesmos estímulos que ele teve quando desistiu de estudar, senão ele desistirá novamente. No Aprender e Avançar, o aluno conseguirá fazer o quarto ano em seis meses, se for aprovado, e nos próximos seis meses, já com a autoestima recuperada, ele vai para o quinto ano.

Uma vez, ao sair da sala dos professores, vi um aluno de chinelo Havaiana, boné e mochila nas costas olhando para o mural. Perguntei o que ele estava esperando e ele disse que estava esperando a publicação da lista dos aprovados e reprovados. Ele já havia reprovado quatro vezes, mas me disse que havia mudado demais naquele ano, que havia se esforçado, não havia batido em ninguém.

Imediatamente voltei para a sala dos professores e pedi para ver como ele estava. Fui informada que as notas continuavam ruins. Porém, na minha avaliação, esse aluno havia crescido muito mais do que quem tinha nota oito ou nove, se for analisado o crescimento humano dele. Se ele fosse reprovado novamente, nunca mais ele evoluiria. Porque ele iria imaginar que não havia adiantado nada mudar o comportamento.

O Aprender e Avançar terá um acompanhamento psicológico e multidisciplinar com esse tipo de aluno.

Augusto Diniz – Como a sra. vê o trabalho do ministro da Educação, Abraham Weintraub?
Estou torcendo para que tudo dê certo, porque senão os prejudicados serão os secretários estaduais e municipais. Acredito que no segundo semestre as coisas vão caminhar.

“Tinha passado na seleção para Minas e Rio Grande do Sul. Fui à Igreja pedir para Deus me ajudar na escolha. Na segunda-feira, o governador Caiado me mandou uma mensagem e depois me ligou”

Augusto Diniz – Como o governador Ronaldo Caiado a descobriu?
Fiz uma avaliação com o Zema [governador de Minas Gerais] e com o Eduardo Leite [governador do Rio Grande do Sul] e passei com os dois. Iria dar a resposta em uma segunda-feira, pois havia gostado muito de ambos. No domingo, fui à igreja e fiz um voto com Deus, para Ele me ajudar na escolha. Ele não falou nada. Comentei com meu marido que eu deveria estar com pouca fé.

Na segunda, acordei com uma mensagem de um homem que nunca havia visto antes, que dizia: “Bom dia, meu nome é Ronaldo Caiado, sou governador eleito de Goiás. Tive acesso ao seu currículo e gostaria de avançar nas conversas para que você seja a secretária de Educação de Goiás”. Não dei retorno, pois já havia decidido ir para Minas.

Mais tarde, na escola, recebi uma ligação do governador Caiado. Disse a ele que iria dar a resposta para o Zema, mas Caiado disse que havia visto o resultado dos meus testes com a Comunitas [Organização da Sociedade Civil de Interesse Público que auxiliou o governo goiano na transição] e reforçou o convite.

Vim para Goiás conversar com ele, que me convenceu que havia muita coisa para fazer juntos. Outro fator que pesou é que há voo direto de Goiânia para Rondônia. Foi assim que o conheci e até hoje nosso relacionado é uma via de mão dupla, eu trabalho muito e ele também. Apesar de todas as dificuldades, acho que ele tem uma boa avaliação do meu trabalho. Gosto muito de trabalhar com ele, é uma pessoa muito decente e honesta.

Augusto Diniz – Qual é seu posicionamento político? A sra. é de esquerda ou de direita?
Estou muito mais para centro. Já votei na esquerda, voto na direita. Voto muito em pessoas. Não sou extremista em nada, gosto de avaliar as coisas antes de tomar decisões.

“Paulo Freire segue sendo um ícone para a educação”

Augusto Diniz – Pelo viés da educação, como a sra. avalia as críticas que têm sido feitas a Paulo Freire?
O Paulo Freire tem sua contribuição, com seu método e o bem que fez à educação. Quem soube aplicá-lo adequadamente conseguiu bons frutos. Se causou algum mal, o que não acredito, não é hora de crucificar ninguém. Pessoas vão passar, os governos passarão. Paulo Freire teve o momento dele e segue sendo um ícone para a educação.