*matéria originalmente publicada em 2023 e atualizada nesta segunda-feira, 1º de abril de 2024

Pelo Brasil a fora, numerosas residências contam com os serviços de empregadas domésticas e profissionais dessa esfera, devidamente registrados, que se dedicam ao cuidado dos lares. Entretanto, a dedicação exclusiva a um único domicílio está gradativamente se tornando rara. Os empregadores estão optando por diaristas, uma mudança que converte esses trabalhadores em autônomos e, muitas vezes, lhes permite auferir ganhos superiores ao salário mínimo ao trabalharem em múltiplos locais.

Contudo, acabam por perder suas garantias sociais, tais como férias remuneradas, contribuições previdenciárias, auxílio-doença, décimo terceiro salário, licença-maternidade, limitação de jornada a oito horas diárias, seguro-desemprego, acesso ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), indenização por demissão sem justa causa e, em alguns casos, até mesmo a garantia de uma refeição, mostrando que a precariedade ainda persiste entre as trabalhadoras domésticas brasileiras, mesmo 11 anos após a promulgação da Proposta de Emenda Constitucional Nº 72, mais conhecida como PEC das empregadas domésticas. A lei foi promulgada no dia 2 de Abril de 2013 garantiu carteira assinada, férias, 13º salário, FGTS e demais direitos trabalhistas à categoria.

Rosângela Santos, que gosta de ser chamada de Rose, trabalha como diarista atualmente. Antes da pandemia, ela trabalhava como empregada doméstica em uma casa no Jardim Novo Mundo em Goiânia. Os patrões eram comerciantes do ramo de alimentos e tiveram de fechar o comércio e dispensar funcionários.

“Meus patrões eram donos de um restaurante que teve de ser fechado. Eles demitiram funcionários, fecharam o negócio e também me dispensaram. Na época foi muito complicado, porque com o fechamento de tudo e com o isolamento até mesmo as diárias eu não conseguia fazer. Então foi um momento muito complicado, pois fiquei sem trabalhar regularmente por quase seis meses, eu tentei bastante mas quase ninguém queria combinar faxina”, relembra.

Mas segundo Rose, mesmo depois do fim do lockdown e da reabertura do comércio, as consequências deixadas pela pandemia, sobretudo com o aumento da inflação e da perda de poder de compra, inviabilizam o trabalho doméstico com carteira assinada.

“Os salários oferecidos estão muito baixos e a carga horária é muito alta. Tudo encareceu demais e o jeito foi continuar como diarista, trabalhando do jeito que dá”, conta a profissional.   

Perfil

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano passado, o Brasil tem uma média de 7 milhões de trabalhadoras(es) domésticas(os), dos quais 92% eram mulheres.

Deste total, apenas 42% destes trabalhadores contribuem para a previdência social e só 32% possuem carteira de trabalho assinada. A grande maioria são mensalistas. As diaristas, por sua vez, enfrentam a possibilidade de situações de trabalho mais precárias e tem sua própria responsabilidade de contribuir para a previdência social. Apenas 4% da categoria é sindicalizada.

Para a professora do Instituto Federal de Goiás (IFG) e PUC-GO, doutoranda em história e coordenadora da Rede Estadual de Mulheres, Janira Sodré, a decisão destes trabalhadores de ficar na informalidade não seria uma opção e sim uma necessidade.

“Os números evidenciam que ficar na informalidade não é exatamente uma “preferência”, mas uma decisão difícil (ficar sem direitos sociais e garantias previdenciárias), para poder bancar as despesas básicas. Considerando os baixos salários e a escalada inflacionária mundial e brasileira”, afirma a professora.

A professora explica ainda que a baixa pressão sindical, um histórico de escravidão e colonialidade ainda exercem influência na visão que o Brasil tem do trabalho doméstico.

“Existe uma feminização e negrização das atividades domésticas. A demora na plena garantia de direitos trabalhistas e uma cultura das camadas altas e médias em minimizar direitos acabam por naturalizar a precarização do trabalho. Em níveis alarmantes há uma terceirização do trabalho doméstico” explica Janira.

Para a especialista, no Brasil esse quadro só poderá ser revertido com o fortalecimento de organizações que lutam pelos direitos e pela manutenção das conquistas dos trabalhadores e na ampliação do diálogo sobre as equidades de gênero e econômica.

“É preciso fortalecer as organizações que defendem, organizam, reivindicam direitos e protegem as garantias da categoria. É preciso avançar na consciência de classe, de gênero, de raça, garantir direitos sociais e ampliar as possibilidades econômicas deste grupo. Nos países centrais/desenvolvidos somente os extremamente ricos têm trabalhadores domésticos, justamente porque precisam pagar caro por isso”, afirma a professora.

Quem são?

São considerados como empregados domésticos todos que prestam serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas, de acordo com Lei n.º 5.859, de 1972. Mordomo, motorista, babá, governanta, jardineiro, copeira, arrumador, cuidador de idoso, caseiro são alguns exemplos de profissões que se encaixam nesta descrição.

Antes da Emenda Constitucional Nº 72, os trabalhadores que ocupavam tais funções não tinham direitos trabalhistas garantidos e, além disso, muitas vezes eram explorados com jornadas de trabalho exaustivas. Com a aplicação da lei, o cenário mudou e os empregadores passaram a ter o dever de proporcionar todos os direitos aos empregados domésticos.