Você está considerando se deve ser contratado como Pessoa Jurídica (PJ) ou pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)? A escolha entre essas modalidades pode ter um impacto significativo no seu contrato de trabalho, afetando diretamente seus direitos e obrigações profissionais. O Jornal Opção consultou advogados trabalhistas e o Procurador do Trabalho em Goiás, Marcello Ribeiro, para entender melhor como é essa relação de trabalho entre o prestador de serviço e o contratante.

Ilegalidade

Para o Procurador do Trabalho, Marcello Ribeiro, do Ministério Público do Trabalho em Goiás (MPTGO), a pejotização é uma fraude e, portanto, ilegal. Segundo ele, não existe uma lei específica que trate da “pejotização”, mas os trabalhadores “pejotizados” estão amparados pela CLT, desde que ingressem com ação na Justiça do Trabalho e tenham o vínculo empregatício reconhecido. “A ‘pejotização’ não é legal, tratando-se de fraude aos direitos sociais trabalhistas”, afirma o procurador.

Inicialmente, o trabalhador tem direito apenas ao que foi acordado. No entanto, ele pode recorrer à Justiça do Trabalho para reaver outros direitos. “Como PJ, o trabalhador pode pleitear na Justiça do Trabalho o reconhecimento da relação empregatícia e a condenação da empresa contratante ao pagamento de todos os direitos trabalhistas, como aviso prévio, férias, 13º salário, FGTS, entre outros.”

O procurador destaca que a pejotização causa um impacto devastador na vida do trabalhador. “O impacto é devastador, pois, apesar de o trabalhador prestar serviços mediante todos os requisitos da relação de emprego, ou seja, com subordinação, pessoalidade, não eventualidade e onerosidade, ele não goza dos direitos sociais conferidos pela Constituição Federal e pela CLT”, observa.

Sobre as recentes decisões do STF anulando sentenças da Justiça do Trabalho, o procurador foi enfático ao afirmar que essas decisões causam bastante preocupação, pelas nefastas consequências que poderão causar em vários aspectos. “Primeiro, com o devido respeito, as decisões do STF foram tomadas sob a premissa equivocada de que as sentenças da Justiça do Trabalho teriam contrariado o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da terceirização de atividade-fim ou meio das empresas (ADPF 324) e sobre a possibilidade de organização da divisão do trabalho não só pela terceirização, mas de outras formas desenvolvidas por agentes econômicos (RE 958252, Tema 725 da repercussão geral)”, diz.

Marcello Ribeiro, Procurador do Trabalho l Foto: Carlos Costa/Alego

O procurador explica que a terceirização não deve ser confundida com a pejotização. “No entanto a terceirização não se confunde com a ‘pejotização’, pois enquanto aquela foi disciplinada pela Lei 6.019/1974, com as alterações das Leis 13.467/2017 e 13.429/2017, que permite a terceirização tanto da atividade-meio quanto da atividade-fim da empresa contratante, a ‘pejotização’ é um expediente fraudulento utilizado para subtrair dos empregados os direitos constitucionais trabalhistas”, explica

O procurador lembra que o STF anulou sentenças sem antes analisar as provas dos autos dos processos em que as sentenças foram proferidas, o que, para ele, é motivo de preocupação. “Uma vez que o Supremo Tribunal Federal joga por terra o princípio da primazia da realidade, segundo o qual vale mais o que ocorre na prática do que o que foi formalizado pelas partes. Assim, sendo provado que o trabalhador PJ trabalhou com os requisitos da relação de emprego, mesmo que ele tenha constituído uma pessoa jurídica e firmado um contrato de prestação de serviços autônomos, ele será considerado empregado”, analisa.

Na avaliação do procurador, as decisões do STF, em última instância, poderão incentivar a contratação de trabalhadores como PJ. “Elas tendem a enfraquecer não apenas a CLT e a competência da Justiça do Trabalho, como também a arrecadação tributária e previdenciária, com nefastas consequências para o sistema de arrecadação federal”, argumenta. Ele lembra que existem várias ações na Justiça do Trabalho em que trabalhadores PJ pleiteiam, com êxito, o vínculo empregatício com as empresas contratantes.

Neste contexto, o procurador avalia que a pejotização poderá acabar com o celetista. “Sim, pois ao contratar trabalhadores PJ, a empresa deixa de cumprir todos os direitos trabalhistas e as normas de segurança e saúde no trabalho, barateando sobremaneira os custos de contratação. Então, obviamente, as empresas darão preferência para essa modalidade de contratação, caso a jurisprudência do STF se firme no sentido da licitude da pejotização”, atesta.

Falta de direitos

Para a advogada trabalhista Gabriela Medina, o maior impacto para os prestadores desse serviço é a falta de direitos. “Os trabalhadores contratados como Pessoa Jurídica (PJ) abdicam de proteção, por exemplo, em situações de acidente ou doença ocupacional. Além disso, deixam de ter acesso a férias regulamentadas, 13º salário, recolhimento de FGTS, seguro-desemprego, entre outros benefícios e direitos”, informa.

Medina ainda destaca que, para o empregado, não há vantagens a longo prazo, apenas um benefício imediato, que é o recebimento do salário sem deduções. Por outro lado, para a empresa, há uma série de vantagens na contratação de um empregado PJ em vez de uma pessoa física (CLT). Essas vantagens incluem a redução de custos com encargos trabalhistas e previdenciários, menos burocracia e maior liberdade para oferecer benefícios.

Gabriela Medina é advogada especializada em direito trabalhista l Foto: Arquivo pessoal

Na avaliação da especialista, essa modalidade tem o objetivo de isentar as empresas de suas obrigações. “A contratação de pessoa jurídica é justamente para burlar e isentar a empresa das obrigações contratuais trabalhistas, aumentando, inclusive, a exploração da mão de obra do trabalhador, que, por vezes, se submete a extensas jornadas de trabalho justamente por não haver ‘obrigação’ de pagamento ou compensação das horas extras eventualmente trabalhadas”, reitera.

Evelyn Gusmão, advogada, segue a mesma linha de pensamento. Ela ressalta que o ponto positivo seria apenas uma remuneração maior, uma vez que as empresas utilizam esse modelo de contrato para ofertar salários mais altos. “Para o trabalhador, a pejotização possui mais pontos negativos, pois muitas vezes o vínculo empregatício é maquiado por essa modalidade, fazendo com que o trabalhador saia prejudicado, já que precisa cumprir todas as obrigações decorrentes de um vínculo de emprego, sem, contudo, possuir os direitos trabalhistas básicos e garantias previstas em legislação própria, além de arcar com os custos decorrentes da abertura de empresa e emissão de notas fiscais”, pontua Evelyn. Neste contexto, ela lembra que a pejotização é um contrato firmado entre duas pessoas jurídicas para a prestação de serviços, e não entre pessoa física e jurídica.

Para ambas especialistas, as empresas estão cada vez mais optando por essa forma de contratação devido à economia na folha de pagamento. De acordo com as advogadas, um empregado custa para a empresa, em média, o dobro de sua remuneração, devido a encargos previdenciários e tributários. Além disso, há custos como licença maternidade e afastamento por doença e/ou acidente. Em contrapartida, as garantias previstas em lei não são vantajosas para a empresa.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil, com uma população de 203 milhões de pessoas, conta com 37,4 milhões de trabalhadores com carteira de trabalho assinada. Esse é o maior número registrado desde janeiro de 2015 e indica que apenas 18,4% da população possui esse tipo de registro empregatício.

Atualmente, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é o principal regime de contratação no Brasil. Ela oferece uma série de benefícios que garantem a segurança e o bem-estar dos colaboradores. Entre os principais direitos trabalhistas previstos na CLT estão o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), férias remuneradas, 13º salário e licença-maternidade. Esses benefícios proporcionam maior estabilidade financeira e proteção ao trabalhador, especialmente após a demissão sem justa causa, quando ele tem direito ao seguro-desemprego por um período de 3 a 5 meses.

No entanto, em contraste com a CLT, a modalidade PJ tem se expandido no país devido à flexibilidade e às constantes demandas do mercado de trabalho. Entretanto, essa flexibilidade oferecida por essa modalidade alternativa vem acompanhada de menos garantias trabalhistas ou, em alguns casos, nenhuma garantia.

 Sentenças anuladas pelo STF

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou decisões que anulam sentenças da Justiça do Trabalho, onde vínculos empregatícios foram reconhecidos em situações de pejotização. No ano anterior, o ministro Alexandre de Moraes anulou uma ação trabalhista em que uma médica, após oito anos trabalhando como PJ para um hospital, buscava o reconhecimento de vínculo empregatício e os direitos trabalhistas correspondentes. Em seguida, a ministra Cármen Lúcia também invalidou uma decisão favorável a um diretor de programas do SBT, que trabalhou na emissora por 11 anos como PJ.

Nessas decisões, os ministros do STF revogaram os vínculos empregatícios previamente reconhecidos pela Justiça do Trabalho, invalidando também direitos trabalhistas como 13º salário e férias remuneradas, entre outros garantidos pela CLT. O STF argumentou que a legislação trabalhista brasileira não está alinhada às mudanças no mercado de trabalho contemporâneo, defendendo que a terceirização deve ser permitida em todas as atividades.

Reforma trabalhista

Desde a reforma trabalhista de 2017, que permitiu a terceirização em qualquer atividade, houve um aumento significativo na abertura de CNPJs, especialmente de microempreendedores individuais (MEIs). Pesquisas da Fundação Getúlio Vargas (FGV) indicam que 53% dos MEIs atuam, na realidade, como empregados de outras empresas, caracterizando uma prática de contratação fraudulenta.

As decisões do STF têm gerado preocupação entre aqueles que temem que a CLT possa ser enfraquecida e que a competência da Justiça do Trabalho para julgar relações laborais seja esvaziada. A discussão sobre a pejotização e a terceirização continua refletindo a necessidade de ajustes na legislação trabalhista para proteger adequadamente os direitos dos trabalhadores em um mercado de trabalho em constante evolução.

Evelyn Gusmão acredita que a produção de provas é de extrema importância e necessidade no processo para reconhecimento do vínculo empregatício.

Evelyn Gusmão é advogada especializada em direito trabalhista l Foto: Arquivo pessoal

Ela ressalta que a Suprema Corte tem decisões bastante polêmicas em relação ao direito do trabalho. “Nesse particular, não acredito que enfraqueça a Justiça do Trabalho, já que houve uma mudança no posicionamento, com alguns ministros inclusive se posicionando de outra forma quanto a essa decisão”, lembra.

A especialista frisa que as chances de um prestador de serviço conseguir uma decisão a seu favor são praticamente nulas. “Quase nenhuma. O empregado contratado nessa modalidade precisa ajuizar uma ação trabalhista para reconhecimento do vínculo de emprego, demonstrando que estão presentes, concomitantemente, a subordinação, a onerosidade, a habitualidade, a pessoalidade e que a prestação de serviço se deu por pessoa física.”

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