Lula ou Bolsonaro? Especialistas analisam quem pode transferir mais votos em Goiânia e Anápolis

26 maio 2024 às 00h01

COMPARTILHAR
A capacidade de transferir votos é uma estratégia que políticos buscam para influenciar eleições além de suas próprias campanhas. No Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) são figuras centrais na política nacional e exercem grande influência sobre seus apoiadores.
Entretanto, a habilidade de ambos em transferir votos para outros candidatos varia significativamente, refletindo suas bases de apoio e estratégias políticas distintas.
Para as eleições de 2024, atualmente ainda em pré-campanha, Goiânia tem como pré-candidatos à Prefeitura os deputados federais Adriana Accorsi (PT) e Gustavo Gayer (PL), políticos diretamente ligados a Lula e Bolsonaro, respectivamente.
Na cidade de Anápolis, os pré-candidatos que polarizam essa questão são o deputado estadual e ex-prefeito do município, Antônio Gomide (PT), e o suplente de deputado federal, Márcio Corrêa (PL).
Dito isso, quem tem o poder de transferir mais votos a seus candidatos? Lula ou Bolsonaro? O Jornal Opção ouviu cientistas políticos e lideranças tanto do PL, quanto do PT, para responder a essa questão.
Histórico
Bolsonaro, presidente do Brasil de 2019 a 2022, consolidou uma base de apoio sólida entre conservadores, evangélicos e setores das forças armadas e da segurança pública. Seu estilo combativo e sua presença nas redes sociais ajudaram a manter um contato direto com seus eleitores.
O ex-presidente já demonstrou uma capacidade razoável de transferir votos, especialmente em eleições para cargos executivos, como governadores e prefeitos. Em 2022, por exemplo, seu apoio foi determinante para o sucesso de diversos candidatos alinhados com sua agenda.
No entanto, essa capacidade encontra limites, particularmente em eleições legislativas, onde a dinâmica local e as figuras políticas estabelecidas podem diluir a influência presidencial.
Por outro lado, Lula, atual presidente e de duas outras gestões, 2003 a 2010, e líder do Partido dos Trabalhadores (PT), tem uma popularidade entre as classes trabalhadoras, movimentos sociais e setores da esquerda brasileira, o que o torna uma figura quase mitológica em certas regiões do país.
Em diversas eleições, Lula conseguiu eleger ou alavancar candidatos, não apenas do PT, mas também de partidos aliados. Um exemplo marcante foi a eleição de Dilma Rousseff como sua sucessora em 2010 e sua reeleição em 2014.
Atualmente, segundo o cientista político Pedro Célio, Lula e Bolsonaro adquirem essa capacidade de transferência de votos muito mais em função da polarização política.
“De 2022 pra cá, parece-me que em aspectos fundamentais essa polarização não diminuiu em segmentos importantes da sociedade brasileira. Então, eu reputo muito mais essa influência do Lula e do Bolsonaro como fatores externos do que a uma disputa municipal. Trata-se de uma polarização em muitos aspectos ideológica, que vem desde duas ou três eleições atrás.”

Assim como Pedro Célio, o cientista político Leandro Gabiati atribui a atual capacidade de transferência de votos à polarização que existe entre PT e PL. Ele argumenta que, no passado, questões nacionais influenciavam pouco nas eleições municipais, mas isso tem mudado.
“Em eleições anteriores, estou falando de 10, 15 ou 20 anos atrás, a questão nacional geralmente não impactava tanto, porque você tinha um debate mais focado em questões locais. A política brasileira mudou nos últimos anos, então essa polarização ideológica, que a gente vem observando já faz um tempo, aparentemente tem passado a impactar mais na eleição municipal”.
O especialista afirma que o partido, a legenda ou a antiga coligação não influenciavam tanto na opinião do eleitor quando o assunto era eleições municipais. Atualmente, Gabiati diz que as rejeições aumentaram entre as pessoas.
“O número dos candidatos na eleição municipal talvez não era tão relevante. Hoje, tem gente que não vota no 22 e tem gente que não vota no 13 de forma alguma. Então, qualquer identificação, justamente de um elemento nacional como é o número do candidato do partido que se identifica os líderes desses partidos, como Bolsonaro e Lula, cria rejeição para o candidato que carrega essa marca”.
Afinal, Goiás é reduto bolsonarista?
Na visão do cientista político Pedro Célio, dizer que Goiânia, ou Goiás, são locais de direita em sua maioria faz parte de uma “tese intencional”. Para argumentar, o especialista lembrou que a capital já elegeu prefeitos do PT e esteve presente em outras gestões recentes, como a de Iris Rezende, em 2008.
“Isso é algo que está sendo construído. Me falaram que uma pesquisa afirmou que Goiânia é de direita. Isso é um absurdo completo, que carece de muito fundamento. Se você observar bem, nas duas últimas décadas, Goiânia elegeu candidatos de esquerda e até reelegeu nomes ligados à sigla de esquerda. Goiânia sempre foi um eleitorado em que o Iris Rezende Machado teve grande votação, e as grandes votações dele não se devem ao fato de ser um homem conservador.”
“Iris nunca foi de ficar brandindo os temas conservadores, foi muito mais de trabalhar explicitamente com os temas da área social, que o aproximavam muito mais das alianças à esquerda. Iris ganhou sempre quando ele esteve aliado à esquerda em Goiânia, e mesmo legendas de esquerda, como o PT, elegeram prefeitos em eleições recentes. Acho que nós estamos numa onda conservadora e que Goiânia também embarca. É nacional, é internacional, e Goiânia também vai”, completou.
Por outro lado, Lenadro Gabiati fez questão de mencionar o resultado das últimas eleições nacionais, em que Bolsonaro e a direita tiveram votações expressivas, se comparado com outros estados do Brasil. Para ele, Goiás tem um perfil mais conservador.
“Pela boa eleição que fez o ex-presidente Bolsonaro em 2022, certamente ele tem mais poder e mais capital político para transferir votos do que Lula. Outro fator negativo para o atual presidente, não sei se negativo, mas com uma piora da imagem e do governo também, são as pesquisas de avaliação do governo. Então, o Lula provavelmente terá uma eleição em Goiás onde não lhe é favorável. Isso certamente estará presente nessa questão de potencial para transferir votos ou de capital político”.

O vice-presidente estadual do PL e pré-candidato a vereador em Goiânia, Major Vitor Hugo, admite que existe uma polarização no país entre PT e PL, e que isso vai se transmitir em grande medida para os municípios, em especial aos maiores, como é o caso de Goiânia e Anápolis.
“Goiânia é a capital mais bolsonarista do país, é uma capital muito de direita, e Anápolis é uma cidade muito conservadora, majoritariamente cristã e muito evangélica. Então, na nossa visão, vai contribuir. Os dois pré-candidatos do PL, em ambas cidades, têm uma ligação muito clara e evidente com Bolsonaro. O Márcio Corrêa, quando foi deputado, foi um dos mais aguerridos defensores do Bolsonaro, das pautas da direita. E o Gayer é um dos deputados federais, um dos maiores expoentes no país na defesa da direita conservadora”.
A pré-candidata à Prefeitura de Goiânia, deputada federal Adriana Accorsi, disse que não há receio de estar vinculada diretamente ao presidente Lula, mesmo com a votação de Bolsonaro nas últimas eleições e o crescimento da direita na capital.
“Creio que a população sabe diferenciar uma eleição da outra e quem tem conhecimento e condições reais de reconstruir as politicas publicas de Goiânia. É vantagem ser próxima ao presidente para trazer os benefícios. Veja quantas obras o prefeito atual deixou de trazer por se recusar a ser parceiro do governo federal. Só no PAC são 25 obras que não serão feitas pois a prefeitura não inscreveu as mesmas”.
Major Vitor Hugo revela que, por Bolsonaro estar frequentemente em Goiás, será uma carta na manga para o PL. Apesar disso, o pré-candidato a vereador reconhece a presença do ex-presidente será disputada.
“São 5.570 municípios, então nós vamos entrar numa disputa com outros estados, com outros municípios pela atenção. Ele já nos prestigiou bastante desde a época do mandato dele como presidente, depois no ano passado. Ele veio mais a Goiânia, talvez mais que qualquer outro estado por causa do tratamento odontológico e também por causa dos convites que recebeu. A gente espera conseguir fazer isso mais de agora para frente. E é algo que eu não sei se os adversários nossos vão ter coragem de fazer com o líder deles, porque ele não tem uma aprovação muito grande aqui”.

E quem vai conseguir transferir mais votos?
Em Goiânia, nas eleições de 2022, Bolsonaro teve uma performance relativamente forte em Goiás, refletindo uma base conservadora sólida. Lula, embora tenha um forte apelo entre classes mais baixas e em áreas urbanas de todo o Brasil, pode encontrar maior resistência em regiões onde o conservadorismo é predominante.
Bolsonaro pode ter uma vantagem em Goiânia devido à tendência conservadora e à base eleitoral que se alinha com suas políticas e discurso. Por outro lado, Lula pode conseguir transferir votos especialmente em áreas urbanas e periféricas onde suas políticas sociais têm maior ressonância.
Do mesmo modo Anápolis, um importante centro industrial e logístico de Goiás, também possui uma tendência conservadora, mas com uma base significativa de eleitores preocupados com questões econômicas.
A eleição de 2022 também mostrou uma inclinação forte para Bolsonaro em Anápolis, com eleitores apoiando suas propostas de crescimento econômico e combate à corrupção. Lula pode ter apelo em segmentos da população beneficiados por políticas sociais durante seu governo, mas pode encontrar resistência devido à associação com a esquerda.
Bolsonaro, com seu discurso focado na economia e segurança, pode ressoar bem em Anápolis, especialmente entre os eleitores preocupados com o desenvolvimento industrial e empregos. Lula pode conseguir votos em segmentos mais específicos, especialmente entre trabalhadores industriais que se beneficiaram de suas políticas no passado, mas pode ter mais dificuldade em conquistar a maioria dos eleitores.
Na visão de Pedro Célio, é variável a questão de quem pode transferir mais votos a seus candidatos, se é Lula ou Bolsonaro. Para o especialista, existem aspectos que o ex-presidente consegue lidar melhor, enquanto outros ficam com o atual Chefe do Executivo.
“A iniciativa do debate sobre costumes, por exemplo, está se sobrepondo às questões de gestão pública, administração, de condução da economia. Então, esse aspecto eu acho que pesa a favor do Bolsonaro, porque ele manipula isso com mais facilidade ou com mais versatilidade, especialmente através das redes sociais. Bolsonaro depende de manter a radicalização política, o clima de polarização, que hoje favorece os candidatos direitistas”.
Quanto a Lula, Pedro Célio afirma que vai depender também da gestão do governo. “Eu tenho a impressão que se o desempenho do governo federal estiver bom, do ponto de vista da condução macroeconômica, dos preços dos produtos básicos para a maioria da população, que são relacionados a combustível, gêneros de primeira necessidade, aluguel, valorização do salário mínimo, isso pode gerar uma onda de aprovação e de simpatia que faz crescer o peso do Lula como cabo eleitoral”.
Leandro Gabiati analisa que não necessariamente aquele que votou no Lula em 2022 é um eleitor fiel do PT. Segundo ele, boa parte do eleitorado que apoiou o Lula, talvez o fez por uma rejeição a Bolsonaro.
“Assim como muito eleitor do Bolsonaro não necessariamente se identifica como bolsonarista, mas que votou no Bolsonaro para evitar o retorno do PT ao poder. Se a gente imagina um eleitor, aquele que sempre vota na esquerda, é um eleitor que tem duas características básicas: ser liberal na pauta de costumes e ter a preferência de um papel do Estado mais ativo na economia. Se a gente olha o eleitor mais conservador, ele tem justamente uma pauta mais conservadora na questão de costumes e um papel de uma postura mais liberal em relação ao papel do Estado”.
Pedro Célio ainda chama a atenção para outras pautas além da polarização. O cientista político defende que primeiro é preciso olhar para as questões e problemas municipais nestas eleições. “Muita gente está esquecendo que a eleição é municipal. Existem fatores que são apenas e tão somente locais. Eles dependem de avaliar a organização da cidade, o tipo de abordagem que os candidatos vão fazer para a gestão da cidade”.
Nessa linha de raciocínio, é o que a pré-candidata Adriana Accorsi afirmou à reportagem. “O foco da campanha municipal, sobretudo em uma cidade que enfrenta uma grave situação de abandono e descaso em razão da falta de gestão, será muito menos os partidos e a polarização nacional e muito mais os problemas locais, quem é o candidato ou candidata que conhece a cidade, que tem identidade com ela de verdade e que apresenta soluções realistas para os problemas tão graves que enfrentamos”.

O Jornal Opção ainda ouviu o deputado federal Rubens Otoni, que está na coordenação de pré-campanha de Adriana Accorsi. O parlamentar também reforçou o foco nas questões locais.
“Nossa estratégia em Goiânia e Anápolis será discutir os problemas da cidade, mostrar que nossos candidatos conhecem a realidade e tem capacidade para administrar. É isso que o eleitor quer saber. A vinculação com o debate nacional, ou com lideranças partidárias, será elemento secundário na eleição municipal. Sempre foi assim”.

Transferência x rejeição
Segundo Leandro Gabiati, dizer que em Goiás Adriana e Gomide podem ter mais desvantagem por estarem ligados a Lula é relativo. Para ele, depende do tipo de campanha e de discurso que cada candidato terá.
“A gente sabe que os candidatos do PT têm uma identificação partidária muito forte, e eles fazem questão de exaltar a figura do Lula. Agora, justamente, talvez percebendo que o Lula não está tendo uma avaliação tão positiva no estado, eventualmente eles tendem desnacionalizar a campanha deles, colocando mais ênfase em questões locais. Essa seria uma forma implícita de evitar talvez esse desgaste que poderia vir”.
O especialista ainda considerou um outro cenário, quando um candidato tentar desgastar o outro. Nessa questão, Gabiati disse que pode ser uma tendência do lado que estiver com a imagem melhor nacionalmente.
“Vou traçar uma eventual estratégia de um candidato aliado ao Bolsonaro. Se sou candidato aliado ao Bolsonaro, e eu sei que a cidade onde eu vou disputar é mais conservadora, eu vou, de alguma forma, trazer problemas do governo Lula ou vinculados ao PT para desgastar o meu opositor. Acho que isso faz parte da estratégia que cada candidato estabelecerá antes de confirmar a candidatura. Você terá que avaliar se a nacionalização ou não da campanha te favorece ou te prejudica”.
Sobre essa estratégia, Major Vitor Hugo disse que, como não é pré-candidato a prefeito em Goiânia, e nem em Anápolis, não pode bancar que será algo feito pelo partido nas cidades.
“Eu não posso falar pelos pré-candidatos, porque cada um tem sua estratégia. Sou vice-presidente estadual do PL e pré-candidato a vereador em Goiânia, então eu vou falar da minha visão. Eu acho que os de esquerda estão sim querendo se afastar da chaga que é ser do PT. Querem ter uma imagem própria, construída por si só, distante da ideia partidária. Mas, isso vai ficar claro cada vez mais conforme a pré-campanha for acabando”.
“Os candidatos do PL tenho certeza que vão apresentar planos de governo coerentes com os problemas que nós precisamos resolver nas cidades. O PL tem mais de 120 pré-candidaturas a prefeito no estado de Goiás, cerca de 40 a vice, mais de 2 mil pré-candidatos a vereador. Estamos tendo um olhar de lupa do que precisa ser feito para as cidades e efetivamente falar dos problemas de saúde, da mobilidade urbana, do desenvolvimento econômico, da segurança e da integração das cidades. De um lado, que é o plano de governo, a parte técnica, e no campo político, claro, demonstrado o que cada um defende no campo ideológico”, finalizou.
Leia também: