O projeto de lei que tramita na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) que quer proibir a violência física e moral contra calouros nos trotes universitários tem repercutido positivamente na comunidade estudantil. No entanto, tanto os estudantes quanto a universidade negam que existam tal prática hoje em dia e são unânimes em condenar os abusos no que chamam agora de “recepção calorosa” ou “momento de acolhida”.

O coordenador geral do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Goiás (UFG), Marcos Soares, avalia que o projeto de lei em questão é válido por trazer mais segurança aos calouros e propor um legislação especifica sobre o trote violento. No entanto, ele lembra que a universidade “já trabalha há algum tempo com medidas para coibir esses atos”. “Sem a lei, o trote já passa por essas mudanças benéficas de conceito”, avaliou.

No início desta semana, na Praça Unversitária, os estudantes da UFG organizaram o que chamaram de “recepção dos calouros” para comemorar a aprovação em universidades a partir do Sistema de Seleção Unificado (Sisu) 2023. A estimativa dos organizadores é que tenham passado por lá na última segunda-feira, 28, cerca de 1.200 estudantes. “Em especial, neste ano, tivemos o apoio da GCM, da Amma e contamos com a presença de brigadistas, caso alguém passasse mal”, comentou Marcos.

Para estudantes, modelo de evento realizado na Praça Cívica deve ser replicado para os próximos anos / Foto: Atletica de Farmácia da UFG

Para o coordenador do DCE, a recepção é calorosa, mas não violenta. “Pode ser que alguma brincadeira passe do ponto, mas não observamos, principalmente neste ano, qualquer tipo de ato que incitasse a violência. O trote vem se afastando, principalmente na UFG, desses marcados por violências física e moral e assédio aos calouros”, explicou.

A presidente da Atlética do curso de Farmácia da UFG, Hellen Munyque, lembrou que o evento foi transferido para a Praça Universitária depois de orientação da Agência Municipal de Meio Ambiente (Amma). Ela inclusive explicou que a mudança do nome “trote” para “recepção” se deu após uma reunião com a reitoria da UFG, que entendeu que era preciso se afastar das práticas nocivas e violentas comuns em trotes universitários no passado.

Para Hellen, o modelo de recepção dos calouros desse ano deve ser replicado para os próximos. “Atlética não é bagunça, não é só fazer festa. Tem responsabilidade social”, explicou. Ela acredita que a recepção calorosa não precisa se resumir a “sujar calouro, encher de terra ou fazer com que ele faça coisas horrorosas”. “A gente não quer vincular o momento com atitudes que não são cabíveis”, completou.

Na visão da presidente da Atlética, o segredo é o consentimento. “Não pode humilhar o calouro, tem que ser respeitoso. Se a pessoa permitir, jogamos ovo, farinha. Se deixar, escrevemos no corpo dela o nome do curso. E muitos calouros chegavam perguntando, pedindo pra ser sujado. Os pais também pediam pra quebrar ovo nos filhos”, lembrou.

O pró-reitor de graduação da UFG, Israel Elias Trindade, destaca que o evento que ocorreu na Praça Universitária não é da universidade. De fato, acontece fora dela, apesar de ser organizado por estudantes da instituição.

UFG trabalha com conscientização dos alunos

O pró-reitor da UFG condena a palavra “trote”. Segundo ele, o correto seria chamar o momento de acolhida. “Na comemoração da aprovação, é hora de apresentar a universidade, falar das oportunidades, falar dos direitos e dos deveres dos estudantes, do compromisso social que é estudar em um universidade pública fomentada com dinheiro público”, reforçou.

Segundo Israel, na UFG, já impera a cultura do respeito e do “não-trote”. Além disso, a universidade já trabalha com a conscientização dos estudantes. “A aprovação é um momento de conquista, alegre. Pra que transformar isso em um momento de constrangimento? O que leva uma pessoa a transformar um momento tão alegre em algo trágico?”, questionou.

Na UFG, segundo o pró-reitor, a palavra trote é vedada dos documentos oficiais. “O estudante que praticar trote pode ter sanções que podem ir de advertência à expulsão, dependendo da gravidade do ato”, avisou. Mas, para Israel, o ideal é que nem fosse necessário a criação de um projeto de lei para proibir a violência em trotes universitários. “Educação sempre precede a repressão”, argumentou. De qualquer forma, ele acredita que cabe aos deputados deliberarem sobre a questão.

Deputado detalha projeto que quer proibir trotes violentos

O projeto de lei que trata sobre o tema em tramitação na Assebleia é de autoria do deputado Amilton Filho (MDB). Ele justificou a propositura com o histórico de casos de estudantes que tiveram finais trágicos em trotes. ” Um caso recente e que serve de alerta é o do estudante de 18 anos, de Rio Verde, que sofreu uma intoxicação ao ter todo seu corpo coberto por tinta preta. Ele foi abandonado pelos seus colegas, desacordado, e por pouco não veio a óbito”, lembrou.

“Violência não é questão de opinião”, afirma deputado Amilton Filho (MDB) / Foto: divulgação/ Alego

Para o deputado, violência não é uma questão de opinião. “Todo trote que envolva qualquer tipo de coação, agressividade ou constrangimento é o tipo de ação que visamos combater através desse projeto”, explicou. Ele reforçou ainda que a ideia é coibir apenas atos violentos e agressivos. “Coisas como pintar o rosto e jogar ovos dependem da concordância e anuência dos participantes”, ponderou.