Rejeição de Bolsonaro pode ser o maior general eleitoral de Lula
05 junho 2022 às 00h00
COMPARTILHAR
Eleitores estão buscando candidatos com experiência. Em Goiás, não há sentimento de mudança. Pelo contrário, Ronaldo Caiado lidera com folga
Políticos se fazem uma pergunta, com frequência: por que Marconi Perillo ainda não se definiu como pré-candidato a governador?
Costumam dizer: Perillo é uma raposa política e, por isso, está esperando o cenário ficar mais “claro”. Trata-se de uma resposta lógica, com pedaços da verdade, mas não inteiramente precisa. Ou seja, não é a verdade toda.
Na verdade, Perillo ainda não se definiu por outro motivo: sua rejeição é muito alta, notadamente na Grande Goiânia. É o grande drummond no meio de seu caminho.
Se a rejeição estivesse um pouco mais baixa, Perillo já teria definido sua pré-candidatura. No momento, com uma rejeição alta — 46,3%, no levantamento do Instituto Brasmarket, e 36%, na pesquisa do instituto Real Time Big Data —, o ex-governador prefere manter seu projeto político-eleitoral em aberto.
Se jogar realmente para o PSDB, para fortalecê-lo em Goiás, Perillo certamente disputará mandato de deputado federal, porque poderá contribuir para a formação de uma bancada tucana em Brasília.
Se Perillo não disputar mandato de deputado federal, é provável que o PSDB não eleja nenhum parlamentar em 2022. Lêda Borges e Helio de Sousa talvez não tenham a mínima chance de vencerem o pleito se o partido não tiver um puxador de voto.
Para senador, Perillo aparece em primeiro lugar, à frente de um político altamente popular, Delegado Waldir Soares, do União Brasil, do deputado federal João Campos, do Republicanos, do presidente da Assembleia Legislativa, Lissauer Vieira, do PSD, e do ex-ministro Alexandre Baldy, do pP.
Mas, dada a estrutura da base eleitoral governista, Perillo pode começar em primeiro, com destaque, e acabar em segundo ou terceiro lugar, como em 2018, quando ficou em quinto lugar.
Há quem postule que Perillo está se colocando no processo agora para ser lembrado em 2026, quando sua rejeição poderá ser menor e enfrentará, não o governador Ronaldo Caiado (União Brasil), e sim, possivelmente, Daniel Vilela, do MDB.
Porém, em termos da disputa de 2022, o que definirá o projeto de Perillo é sua rejeição. Caindo um pouco mais, irá a governador; se permanecer alta, certamente disputará mandato de senador ou deputado federal. Racionalmente, deveria pleitear uma vaga no Senado ou na Câmara dos Deputados. Mas política também envolve emoção e, por isso, poderá disputar o governo do Estado.
O antibolsonarismo do país fortalece Lula da Silva
Doutor em ciência política e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Carlos Melo concedeu uma entrevista à repórter Cristiane Noberto, do jornal “Estado de Minas”, na qual afirma que a rejeição vai decidir a eleição presidencial de 2022.
De acordo com Carlos Melo, na disputa deste ano, “a rejeição” será “mais decisiva do que a aprovação”. O cientista político diz que, em 2018, prevaleceu o antipetismo. “Bolsonaro se engana quando pensa que ganhou por seus méritos. O sistema queria um candidato outsider, entre todos, ele foi o escolhido. Mas foi uma eleição do antipetismo.”
Em 2022, quatro anos depois, está vicejando o antibolsonarismo. “Há uma adesão a Lula por ser o candidato que está se colocando” como antibolsonarista. “45% não são só voto de petistas; são votos contrários ao presidente, muito por conta de sua figura controversa.”
Mesmo assim, Carlos Melo sugere que “Bolsonaro pode ganhar”. Mas, pelo quadro de hoje, não vence Lula da Silva.
Ao examinar com acuidade a última pesquisa do Datafolha, Carlos Melo nota que há “um certo viés” a ser ressaltado: “O petista está consideravelmente à frente e que ele tem a seu favor o voto feminino e dos jovens”.
De certa forma, as mulheres podem garantir a vitória de Lula da Silva. Por que elas rejeitam Bolsonaro? Há dois aspectos. Primeiro, a linguagem grosseira e machista do presidente não as agrada. Segundo, a (falta de) ação do gestor nacional no combate à pandemia do novo coronavírus certamente desagradou parte significativa das mulheres. No fundo, as mulheres tiveram e têm um papel crucial no cuidado de doentes de Covid-19. Por isso não aprovam a conduta negacionista (anticientífica) do líder político do PL.
O mestre do Insper afirma que “Bolsonaro tem cerca de um terço do eleitorado, mas uma rejeição muito grande, mostrada pela pesquisa do Ipespe”. Terá tempo suficiente, com um país em crise, de reduzir a rejeição? Difícil, talvez impossível. Mas ele está tentando a bala de prata, ou seja, reduzir o preço da gasolina. Conseguirá? É provável que uma redução impactante só será possível se o preço do petróleo cair no mercado internacional. Noutras palavras, o fator externo (a crise Rússia versus Ucrânia) pesará mais do que o interno.
Carlos Melo enfatiza que 68% dos eleitores afirmam que já decidiram o seu voto, em 2022. Em 2018, no mesmo período (maio), só 44% estavam definidos. Isto significa que a terceira via tem poucas chances de emplacar um candidato eleitoralmente consistente. Ciro Gomes (PDT), por exemplo, não chega a 10%. Simone Tebet (MDB) aparece com 3%. Luciano Bivar (União Brasil) tem 1,8%.
Os eleitores estão dizendo que a disputa que interessa será entre Lula da Silva e Bolsonaro. Os eleitores de Bolsonaro avaliam que só ele tem condições de derrotar o petista. Já os eleitores do pré-candidato do PT acreditam que só ele pode vencer o candidato do PL. O número de eleitores que não votam nem em Lula da Silva nem em Bolsonaro caiu de 30% para 16%. No lugar de terceira via, pelo menos por enquanto, talvez seja mais justo falar em última via.
Quanto mais se esvazia a terceira via, mais cresce a possibilidade de vitória de Lula da Silva — ou de Bolsonaro — no primeiro turno. Carlos Melo assinala: “Eu ainda trabalho com a hipótese do segundo turno, mas não dá para descartar um breve desfecho”.
Costuma-se sugerir que, calado, Lula da Silva é um poeta, quase um João Cabral de Melo Neto; falando é, às vezes, sincericida. Há pouco, para se mostrar moderno, passou a “defender” o aborto. O que disse nada tem de incorreto, pois sugeriu que as mulheres pobres devem ser atendidas no setor público, pois as ricas podem frequentar clínicas particulares. Não foi hipócrita, porém “chocou” eleitores evangélicos, porque, ao contrário do que disse, passou a impressão de que estava “defendendo” o aborto. A rigor, estava defendendo a vida.
Depois, Lula da Silva disse que vai “desmilitarizar” o governo federal, pois há quase 8 mil militares no setor público, quer dizer, fora dos quartéis. A proposta é correta e há um projeto no Congresso que ajudará o próximo governante, se não for, é claro, Bolsonaro. No fundo, Lula da Silva criou uma animosidade gratuita com os militares, e no momento errado. Acertou, porém, quando pôs o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim para conversar com militares.
Mais recentemente, Lula da Silva disse que o PSDB “acabou”. Depois, tentou se corrigir, sugerindo que estava se referindo ao ex-governador João Doria. Parte dos líderes do PSDB, seguindo o voto útil, tende a apoiar o petista-chefe já no primeiro turno. O ex-senador Aloísio Nunes, por exemplo, já embarcou na arca de Noé red. Há outros se aproximando.
A entrevista de Carlos Melo foi concedida antes da fala recente de Lula da Silva sobre o PSDB. Por isso ele diz: “Lula tem procurado conversar com o PSDB, o MDB, está focado em ampliar palanques como não fez em 2018”. O professor do Insper postula que a história deve ensinar que a “euforia [do tipo: já ganhamos e não precisamos de ninguém] é um erro”.
O cientista político não fala a respeito, mas parte do PDT vai deixar Ciro Gomes e vai seguir com o petista. Porém, se o político do Ceará sair do páreo, Lula passa a ter chance de ganhar no primeiro turno. Mas votos migram de um candidato para o outro?
Carlos Melo frisa que só houve migração de votos de um político para o outro em 1989. Leonel Brizola (do mesmo PDT de Ciro Gomes), que havia sido candidato a presidente, transferiu votos para Lula da Silva no segundo turno.
O mestre do Insper sugere que é preciso observar com atenção a questão eleitoral em Minas Gerais e no Rio de Janeiro — dois Estados que só perdem em número de eleitores para São Paulo. “Rio de Janeiro e Minas são mais voláteis [do que São Paulo, onde tem prevalecido o antipetismo] e é sempre uma eleição muito importante. O que me parece é que Lula está na frente nesse dois Estados. O PT fez uma concessão grande para abrir esse palanque: abriu mão do candidato ao Senado — pragmatismo puro. Mas, quando isso aconteceu, o (governador Romeu) Zema, que vinha com discurso ambíguo, não se comprometendo com Bolsonaro — não restou outa alternativa, já que Lula tem um grande potencial de votos — teve que se deixar abraçar por Bolsonaro”.
Para governador em Minas, o PT apoia o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Calil, do PSD. Lula da Silva persuadiu o PT local, que tem força política, a apoiar um outsider que, aqui e ali, lembra Bolsonaro. Mas política é assim mesmo: disputa-se eleição com aliados políticos reais, e não necessariamente ideais.
O petista-chefe operou fortemente em Minas para tentar vencer a parada no primeiro turno. Trata-se do Estado com o segundo maior eleitorado do país.
Economia e social: crescimento e luta contra a pobreza
O Brasil cresceu 1% no primeiro trimestre de 2022, o que é muito pouco, e graças a um único setor, o de serviços. Agropecuária e indústria tiveram baixo desempenho. Portanto, a economia estará no centro do debate e das preocupações dos candidatos e dos eleitores.
Carlos Melo frisa que “é muito difícil sair do campo da economia porque a situação vai muito mal. Tem um grau de desemprego muito grande, e empregos precários, a queda da renda. A gente precisa colocar isso numa perspectiva do país todo: queda de renda, inflação de dois dígitos, salário-mínimo decrescente. Pela primeira vez, a fome no Brasil é maior do que a média mundial. São questões econômicas prementes. Lula está bem no eleitorado feminino porque quem entende de economia são as mulheres. Elas sabem o preço de tudo. Diria mais: nesse processo de pandemia, quando morreram 670 mil pessoas, foram as mulheres que cuidaram, que têm vivido a tragédia cotidiana. A economia e o voto feminino são os temas da campanha”.
Neste momento, com o país em crise e um presidente errático, Carlos Melo sublinha que “as pessoas procuram alguém com experiência capaz de tirar o país de onde está”. Este ano, ao contrário de 2018, os eleitores não estão mais procurando o outsider, o “antipolítico”.
Sem sentimento de mudança na disputa de Goiás
Em Goiás, o governador Ronaldo Caiado lidera e as pesquisas indicam que não há sentimento de mudança, não há um anticaiadismo entre os eleitores. Por fazer um governo decente, sem escândalos, e preocupado com as pessoas, a aprovação do gestor estadual é alta — o que trava a ascensão de outros candidatos. Em tempos de crise econômica e de saúde pública, por causa da Covid-19, o governante goiano mostra eficiência, decência e serenidade. “Não deixou a peteca cair” — dizem as pessoas nas ruas. Por isso, no entendimento dos eleitores, merece a chance de governar por mais um mandato.
Há problemas para as oposições. Perillo tem um imenso desgaste político (tanto que em todas as suas falas passa recibo, falando de sua prisão pela Polícia Federal, o que só reforça a imagem negativa), quiçá incontornável.
O pré-candidato do Patriota, Gustavo Mendanha, é visto como inexperiente e lhe falta o apoio de um grupo político consistente (governar Aparecida de Goiânia não é o mesmo que administrar um Estado que é maior do que Cuba, Israel e Portugal juntos).
Major Vitor Hugo, do PL, talvez esteja desconsiderando um fato: as eleições em Goiás nunca foram federalizadas. Portanto, Bolsonaro poderá até ajudá-lo a ter uma votação razoável. Mas dificilmente contribuirá para uma vitória eleitoral.