Reitor da Universidade de Columbia afirma que o Brasil não é República das Bananas
30 abril 2016 às 13h17
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Aparentemente irado, o jornalista Mino Carta afirma que o país é a Republiqueta das Bananas. Mais sereno, o americano John Coatsworth afirma que instituições patropis são sólidas e que o Brasil deve sair da crise
Com o futebol em crise, o brasileiro está se destacando mais na arte de falar mal do próprio país. Maldizer o Brasil é, ao lado do futebol, o “esporte” preferido de todos nós. O brasileiro fala de si na terceira pessoa — como Edson Arantes do Nascimento, Pelé, e o deputado federal Waldir Delegado Soares. “O brasileiro é isto”, “o brasileiro é aquilo”, mas quem fala em geral não se inclui, aparentemente, na crítica. O inferno são os outros.
Nos momentos de crise, quando é oportuno para a argumentação, o Brasil se torna o saco de pancadas predileto. A revista “CartaCapital”, editada pelo genovês Mino Carta, de 82 anos, publica como manchete da semana: “Republiqueta das bananas”. É um comentário cáustico, com o objetivo de desqualificar tanto o país quanto as oposições que estão, por meio de um impeachment, retirando Dilma Rousseff, do PT, da Presidência da República.
O Brasil figura entre os dez países mais ricos do mundo, mas é tratado com extrema crueza por Mino Carta: “Um paiseco do tamanho de um continente, destinado pela natureza para ser um paraíso terrestre, fica entregue à sua própria desgraça, algo assim como um suicídio coletivo”. Depois, revisa a história e sugere “que a chamada redemocratização foi uma farsa”.
A ira por vezes paralisa as mentes mais brilhantes, como a do jornalista, que, obviamente, está fazendo um julgamento mais emocional do que racional. O impeachment iminente da presidente Dilma Rousseff deixa-o desconsolado. Daí o ataque ao Brasil e às oposições ao governo do Partido dos Trabalhadores. Para o celebrado editor, o PT e, sobretudo, Lula da Silva estão acima do país. São superiores — a parte boa, que não integra o “paiseco”. Quiçá o país do futuro.
O Brasil já foi analisado com mais acuidade e temperança por Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Celso Furtado, Darcy Ribeiro e Raymundo Faoro. Discípulo analítico de Raymundo Faoro, Mino Carta não tem a independência e a percuciência de seu mestre, embora seja, por vezes, mais agudo do que a maioria dos jornalistas patropis. Escapa ao editor, ainda que leitor de Raymundo Faoro, que o PT de Lula da Silva fez um pacto faustiano com as elites, tornando-se, até mesmo, parte delas. A Operação Lava Jato prova que o petismo envolveu-se profunda e profusamente com as elites. Corrompendo-as e se corrompendo — numa espécie de dialética vermelha.
Reitor de Columbia
Brasilianistas, como Richard Morse, Thomas Skidmore, Stanley Hilton e Robert Levine, estudaram detidamente a história e a sociedade do Brasil e publicaram livros extraordinários. Ao mesmo tempo que apresentaram novas interpretações sobre a história e a cultura do país — Richard Morse era um ensaísta de primeira linha, assim como John Gledson é um finíssimo analista da prosa de Machado de Assis e da poesia de Carlos Drummond de Andrade —, dialogaram com autores e obras basilares do país. Há, pois, uma tradição de intérpretes estrangeiros dos assuntos locais de competência comprovada — com trabalhos, em geral de matiz acadêmico, de uma seriedade exemplar.
Na edição de 16 de abril, num sábado, no caderno “Mercado”, a “Folha de S. Paulo” publicou uma entrevista do reitor da Universidade de Columbia, John Coatsworth — um especialista em economia. “País tem instituições sólidas, não é República das Bananas” é o título do texto. Embora permitam um debate produtivo, para além das ideologizações tão em voga, nem a “Folha” demonstrou interesse por discutir as ideias do acadêmico norte-americano.
O repórter Álvaro Fagundes pergunta a John Coatsworth se a América Latina “está vivendo outra oportunidade perdida”. Sua resposta: “O que é mais interessante é que, pela primeira vez desde os anos 1960, as instituições democráticas de boa parte da América Latina está sob pressão, e o que é mais impressionante é que essas instituições estão sobrevivendo — e até ficando mais fortes —, apesar da recessão. É uma oportunidade perdida? Talvez em termos econômicos, de usar o boom de preço das matérias-primas em crescimento sustentável, mas nem todos os países perderam essa oportunidade e devem voltar a crescer logo”.
Se Mino Carta está pessimista, assim como outros camaradas do PT, John Coatsworth contrapõe: “Estou bastante otimista com o Brasil. Existe um dinamismo na economia que não foi afetado pelo colapso do boom das commodities e, à medida que a economia global melhorar, o Brasil vai estar muito melhor. Outro motivo é que parte dos problemas econômicos do Brasil se deve à turbulência política. Um presidente popular e com mão firme vai deixar os investidores e os consumidores mais confiantes. Mesmo na questão política, o fato de as instituições estarem descobrindo e punindo corrupção é um grande avanço”.
Leitores do Jornal Opção certamente devem ter percebido que há uma sintonia do nosso pensamento com o mestre americano: a vitalidade das instituições é inconteste. Quanto ao presidente popular dificilmente se poderá dizer isto de Michel Temer (PMDB) — ao menos no início de seu possível governo. Mas tudo indica que terá mais pulso do que Dilma Rousseff.
O repórter inquire sobre os motivos de as instituições estarem mais fortes. “Um dos motivos é que, diferentemente dos anos 1960, os problemas políticos vividos pela América Latina são 100% internos, não são afetados pela Guerra Fria. Os Estados Unidos não estão envolvidos nas dificuldades atuais do Brasil e isso é altamente positivo, porque os brasileiros vão poder resolver seus problemas sem se preocupar com outros fatores — o que não foi o caso em 1961”, afirma John Coatsworth. É provável que esteja se referindo a 1964, quando João Goulart foi retirado da Presidência da República por um golpe civil-militar.
A situação atual do país não tem a ver com outros tempos, na avaliação do reitor de Columbia. “Hoje o Brasil tem instituições que permitem que resolva isso” — sua crise política — “democraticamente, sem a mudança de regime. Eu não vejo nenhum motivo para o Brasil enfrentar uma crise constitucional.” De maneira analítica e sutil, o que John Coatsworth está dizendo é que não há nenhuma similitude entre os quadros políticos de 1964 e 2016.
Em 1964, havia uma crise institucional de ampla magnitude, que levou à derrubada do presidente João Goulart, o Jango. Cinquenta e dois anos depois, em 2016, não há uma crise que possa levar a uma ruptura institucional.
A presidente, se retirada do poder por intermédio do mecanismo do impeachment, não estará sendo “derrubada”, quer dizer, não há e não haverá nenhum golpe. Por meio de um mecanismo legal, o impedimento, civis estão sacando Dilma Rousseff do Palácio do Planalto, mas o país continuará democrático — quiçá mais democrático e mais aberto às variadas correntes políticas.
Se grupos articulados pelo PT, como o MST, usarem a violência de maneira sistêmica, para confrontar um possível governo de Michel Temer, aí se poderá falar em reação antidemocrática, porque se estará contrariando as leis e as instituições. “Os brasileiros” consideram “que a democracia funciona bem. (…) O problema são os políticos recentemente eleitos”, interpreta o reitor de Columbia.
John Coatsworth, sem a paixão de Mino Carta e epígonos menos dotados, que escrevem artigos nos seus blogs com o objetivo de replicá-los nas redes sociais — não se importando com a veracidade do que dizem, mas contando com a ignorância de milhares —, faz uma análise mais abrangente do Brasil que os brasileiros, que quase sempre estão falando de um país que não existe mais, como se fossem nostálgicos da decadência. Não se trata da velha discussão do Brasil potência, que o próprio Lula da Silva andou a vulgarizar, nos seus tempos de presidente, e sim de admitir que se trata de uma nação poderosa, e não de um “paiseco”.
Lamentável é que se precise de um estrangeiro para nos dizer o que, em regra, não queremos perceber: o Brasil mudou muito, nos últimos 30 anos, e está cada vez mais avançado. O que se precisa, isto sim, é de uma governança eficaz. Os políticos, que não podem e não devem ficar para trás, precisam acompanhar o país que cresce e se torna cada vez mais dinâmico — à revelia deles. O que a nação necessita é que os políticos sejam de fato “contemporâneos” dos demais agentes sociais, isto é, que estejam no mesmo “espaço” e no mesmo “tempo” de todos brasileiros. O Estado patropi precisa ser tão moderno e eficiente quanto o mercado.
Michel Temer, se se comportar como estadista — percebendo o que Fernando Henrique Cardoso quis dizer quando chamou a próxima gestão de “governo emergencial” (não se espera milagres do novo presidente, portanto, e sim o básico) —, terá de entender que se processa, na vida do país, uma profunda desconexão entre sociedade política e sociedade civil. O desenvolvimento e o crescimento econômico, a recuperação da esperança — que move montanhas —, começa pela rearticulação entre política e sociedade. O país, para voltar a funcionar, precisa se sentir representado pela política, pelos políticos. É isso, leitor. Nada mais.