A maioria dos brasileiros e dos deputados federais quer a aprovação da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Mas é preciso discutir o fato de que, por motivação ideológica, o governo petista investe pouco e mal em segurança pública

Há violência em todos os países, como Estados Unidos, China, Japão, Alemanha, França, Inglaterra e Brasil. Em algumas nações, porém, os índices de violência são menores e há, sobretudo, menos impunidade. A impunidade é uma fábrica de mais violência. Pode-se dizer que há impunidade na terra de Pontes de Miranda e Nelson Hungria? Por certo, há, porém não na proporção geralmente sugerida, pois 581.507 presos estão nas cadeias brasileiras. Oficialmente.

O que se vai discutir a seguir é a redução da maioridade penal. Mas antes é preciso apresentar algumas questões.

É um equívoco dizer que os abnegados que defendem os direitos humanos são, acima de tudo, defensores de criminosos. Não são. Conter excessos da polícia é fundamental. O problema é quando se avalia que o problema é a polícia, não aqueles que cometem crimes. O principal “problema” não é a polícia, e sim o bandido. Não se deve distorcer a realidade.

As esquerdas e outros idealistas não ideológicos tendem a avaliar que a violência deriva, sempre ou quase sempre, de problemas sociais. É a pobreza da maioria das pessoas que “gera” o (e “leva” ao) crime. Os autores deste argumento mal percebem que estão vinculando pobreza e violência, ou seja, sugerindo que os pobres estão mais “aptos” a cometerem atos violentos — portanto criminosos — exata e exclusivamente porque são pobres. Na verdade, não há um alinhamento automático entre criminalidade, violência e pobreza.

Porém, ao interpretarem que a criminalidade excessiva deriva da pobreza, alguns governantes (e não só eles), notadamente petistas — mas não todos, sobretudo as figuras dominantes —, avaliam que é preciso “pegar” mais leve com o banditismo. Ocorre que a criminalidade se tornou um negócio — uma S.A., por assim dizer —, com variadas grifes, como PCC, altamente lucrativo e nada (ou pouco, conceda-se) tem ver com a pobreza.

Há algum tempo, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo — do grupo tido como ético do PT, cada vez menor —, admitiu que o governo da presidente Dilma Rousseff não havia conseguido investir o suficiente, embora com dinheiro no caixa, na construção de presídios. Não faltara dinheiro, e sim gestão.

Entretanto, o que parece tão-somente uma questão técnica — incapacidade de gerir recursos — mascara a questão de fundo, que é de matiz ideológico. O petismo avalia que, como a violência “deriva” de uma “crise” social, por sua vez derivada do capitalismo (esquecendo que o Canadá é capitalista e os índices de violência no país são muito baixos), é preciso resolver primeiro a questão social. Não há dúvida de que o PT investiu maciçamente no social e, ao contrário do que pensam os liberais ortodoxos, de maneira relativamente acertada. O que se deve discutir é a falta de uma política mais ampla de inclusão que não fique meramente na assistência social — que, se cria “clientes eleitorais”, não gera cidadãos.

Se a violência não deriva maciçamente da questão social, como prega a esquerda, conclui-se, assim, que um nó passa a “apertar” a cabeça dos petistas que estão governando o país. O que o petismo precisa entender é que a criminalidade, ao menos em certa medida, está organizada ou está se organizando cada vez mais. O Estado só conseguirá combater a violência, que está se tornando cada vez mais orgânica, se o fizer com Inteligência, de maneira técnica, e não ideológica. Em alguns casos, os criminosos estão muito mais bem armados, com armas sofisticadas, fabricadas em Israel e outros países, do que os policiais. Há pouco tempo, num assalto ocorrido em Goiás, os criminosos usaram fuzis, metralhadores e granadas. Os seguranças portavam pistolas e, no máximo, escopetas.

Há o argumento de que é melhor construir escolas do que presídios. O argumento é bom, mas é romântico. Nenhum país, por mais civilizado e democrático que seja, abdica de suas prisões e, também, de construir novas penitenciárias. O que está errado é transformar os criminosos, mesmo os que cometeram crimes hediondos, em farrapos humanos em prisões degradantes. Mas excluir indivíduos que não seguem as normas da boa convivência é uma regra universal. A prisão é uma maneira educativa de se dizer que aquele que não sabe conviver de maneira civilizada, sem violência, merece ser excluído da sociedade.

Se as penitenciárias são ruins, se não se criaram mecanismos de integração social — como centros educacionais e tecnológicos —, a responsabilidade é de quem? Dos governantes que gastam muito e mal nas penitenciárias. Se há prisões terceirizadas que funcionam bem, com os presos vivendo de maneira decente, deve-se concluir que o Estado gere mal seus estabelecimentos de “reeducação”. Em 12 anos de poder, o PT do ex-presidente Lula da Silva e da presidente Dilma Rousseff não soube criar uma política penitenciária decente. Não soube ou não quis. Tampouco os dois petistas investiram em escolas decentes para os não criminosos.

O governo federal, que fica com a maioria dos recursos financeiros do país, precisa criar uma política de segurança pública universalizada, quer dizer, em parceria com todos os Estados. Sem o governo federal no combate direto à criminalidade, os Estados, como Goiás e Tocantins, não terão condições de coibi-la. O Estado de São Paulo está atuando de maneira mais rigorosa no combate aos criminosos e, com isso, muitos estão se dirigindo aos demais Estados, que, ao contrário da unidade mais rica da federação, não têm recursos suficientes para combatê-los. Aí teria de entrar o governo federal, unindo políticas de combate ao crime, para criar a ideia de que não há Estados mais “seguros” para criminosos, organizados ou não.

Porém, como percebe a violência tendo origem no social, o governo petista prefere não criar uma política de segurança eficaz contra a violência. Os Estados não têm condições — e também são limitados geograficamente — de combater o poder de organização e migração dos narcotraficantes e outros criminosos. Um dia eles estão operando em Brasília, dali a pouco correm para o Rio de Janeiro e, de lá, seguem para Goiás e Mato Grosso. Uma ação policial eficaz só pode funcionar se coordenada a partir do governo federal, agindo em consonância com os governos estaduais. Se continuar como está, com o governo de Dilma Rousseff “fingindo” que o problema é dos Estados, a criminalidade vai se tornar, se já não se tornou, uma espécie de segundo Estado.

Não há saída: o governo federal precisa gastar mais, e de maneira inteligente e planejada, em segurança pública.

Maioridade penal

A discussão da redução da maioridade penal é parte da discussão acima. Não pode ser examinada de maneira isolada.

Na quarta-feira, 1º, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda à Constituição nº 171, de 1993 — foram 42 votos a favor e apenas 17 contra —, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. O texto será examinado por uma comissão especial e, depois, irá ao plenário. O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, é favorável à mudança.

Os que são contra a modificação dizem que não vai reduzir a violência e mencionam o fato de que menos de 1% dos homicídios é cometido por menores de 18 anos. Ora, se é assim, o que se tem a temer? O dado revela, então, que poucos menores de 18 anos serão encarcerados.
Na verdade, a legislação tende a ser mais rigorosa com os jovens que forem acusados de cometer crimes hediondos — como latrocínio (roubo seguido de morte), sequestro, estupro e homicídio qualificado — e não infrações ditas mais leves, como assaltos, porte de armas e porte de drogas.

Aos 16 anos, um jovem tem plena consciência do que faz? Tudo indica que tem plena capacidade de discernir o que é certo e errado. Tanto que, nesta idade, já é um cidadão apto a votar e, mesmo contrariando a lei, dirige automóveis. Alguns já fazem curso superior, trabalham e são até pais. Noutras palavras, são cidadãos, mas, para a lei, continuam a ser tratados como “crianças”, o que não são.

Porém, mesmo sendo considerado um cidadão aos 16 anos, é natural que, ao julgá-lo, o juiz terá preparo jurídico e cultural para, sem contrariar a lei, verificar com precisão seu grau de amadurecimento e, ao mesmo tempo, participação no crime cometido. O magistrado poderá encomendar perícia médico-psicólogica, por exemplo. Hoje, menores são instrumentalizados por criminosos mais velhos tanto para matar quanto para assumir crimes cometidos por maiores de 18 anos.

PT, PC do B, PSOL, partidos de esquerda que tratam o menor de 18 anos como criança, portanto incapaz, não têm argumentos convincentes e, por isso, estão na contramão do que pensa a sociedade brasileira. A única coisa em que estão certos é que a redução da maioridade penal não vai resolver o problema da violência no país. Não vai mesmo. A violência, por sinal, não acaba, apenas diminui. E, para ser reduzida, é preciso que o governo federal, controlado hoje pelo PT, invista mais em segurança pública.

O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso é favorável à redução da maioridade penal. Entrevistado pela “Folha de S. Paulo”, o jurista disse: “O jovem de hoje é diferente do jovem de 1940, quando essa maioridade penal [de 18 anos] foi instituída. Agora, ele é bem informado, já compreende o que é uma atitude delituosa. Muitos jovens com 16 anos já estão empregados no crime organizado. A redução vai inibir os adolescentes e criminosos que aliciam menores”.

Carlos Velloso avalia que a redução da maioridade penal vai reduzir o número de crimes. “Os jovens cometem os delitos porque não são incriminados. E por isso são procurados por criminosos mais velhos, como os traficantes. Uma pequena parcela dos crimes cometidos por menores é hedionda. Não se pode levar em conta só homicídios. Crimes contra o patrimônio têm índices maiores.”

A redução da maioridade mostrará, quem sabe, que o Brasil está finalmente chegando à idade adulta e está perdendo o receio de discutir (e aprovar) temas que se tornaram tabus.