PT planta discursa do ódio e colhe o muro da vergonha em Brasília
16 abril 2016 às 15h51
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A sociedade democrática não exclui o conflito, mas precisa do consenso para avançar. O ódio entre classes e indivíduos trava a vida institucional. O PT e Lula da Silva, se quiserem sobreviver, precisam entender que a tolerância é essencial
No seu melhor livro, “Os Intelectuais”, Paul Johnson escreve ensaios seminais sobre figuras representativas do pensamento filosófico — como Rousseau, Karl Marx e Jean-Paul Sartre. O historiador, ensaísta e polemista britânico mostra que Marx era um pregador inveterado da violência, tanto no discurso quanto na prática. A ideia da violência como “parteira” da história contaminou a filosofia e a ação dos homens — políticos ou não. Os marxistas soviéticos, como Lênin, Stálin e, mesmo, Trotski, foram largamente influenciados pela tese de que o único meio de promover a mudança social efetiva — a construção do socialismo e, seguida, do comunismo (a ideia de “paraíso” terrestre que o marxismo furtou dos cristãos, diria o filósofo inglês John Gray) — é por intermédio da revolução, ou seja, pela violência articulada pelo Partido Comunista, apontado como a vanguarda do proletariado.
Marx morreu em 1883 e sua ideia de que era possível articular a revolução que destruiria o capitalismo e levaria ao socialismo e, depois, ao comunismo — a imaginária sociedade dos iguais (quiçá um nostalgia mítica pelo primitivo) — era uma utopia. Pelo ideário do filósofo alemão, a revolução deveria começar por países como a Inglaterra e a Alemanha, no qual o capitalismo estava avançado para a etapa seguinte, a socialista, com um proletariado definido.
União Soviética
Lênin “corrompeu” a tese de Marx e sugeriu que, com um Partido Comunista organizado — o Bolchevique —, seria possível liderar o proletariado, ainda que este fosse incipiente, e “tomar” o poder num país não tão industrializado. No “vácuo” político que ocorreu com a crise entre os apoiadores do czar, os democratas e os comunistas, com os segundos chegando ao poder por algum tempo, aqueles que eram mais determinados e sem escrúpulos humanistas, os terceiros, assumiram o comando do país. O caos gerado pela Primeira Guerra Mundial contribuiu em parte para que os bolcheviques, que não eram fortes nem a maioria, assumissem o comando da Rússia.
No poder, com o objetivo de “acabar” com as classes sociais e começar uma sociedade do zero — ideia que em geral leva ao totalitarismo —, os bolcheviques-comunistas disseminaram o discurso do ódio interna e externamente. Há quem acredite que, se Lênin continuasse no poder (morreu em 1924), tudo seria diferente, o que pode ser apenas um mito retroativo. Lênin criou a precursora do KGB e foi um dos primeiros a construir campos de concentração para adversários políticos. Pode-se dizer que o leninismo era o stalinismo engatilhado e o stalinismo era o leninismo atirando.
O sucessor de Lênin, Stálin, construiu o socialismo a ferro e fogo na União Soviética, tentando criar uma sociedade unitária, sem divisão de classes sociais. Os resultados de suas ações são os mais dramáticos possíveis. Para construir o socialismo, a sociedade igualitária — que talvez seja uma impossibilidade real mas agradável como ideia —, mandou matar de 25 milhões a 30 milhões de pessoas. Elas eram vistas como inimigas do socialismo. Dizia-se: “Fulano é trotskista” e, pronto, era encaminhado para um campo de trabalho forçado ou fuzilado.
Longe de criar uma “sociedade de iguais”, com fartura para todos — ou em que todos pudessem consumir —, Stálin produziu uma sociedade da escassez e tolheu a liberdade dos indivíduos. Ao final, o que se erigiu foi uma sociedade do medo, sem criatividade, parcialmente amorfa e sem iniciativa. Em 1991, setenta e quatro anos depois da Revolução de 1917 — tempo que é uma gota d’água no oceano, menos para os que vivem sob uma ditadura —, o socialismo soviético ruiu inteiramente.
O caos atual da Rússia, que tem um sistema ancorado no vale-tudo, decorre em parte de que os russos, manietados durante tanto tempo por um regime opressivo, agora não querem respeitar regras e rotinas. Há quem tenha saudade do comunismo pela ideia de que havia um ordem — ainda que opressiva. Respeita-se o presidente Vladimir Putin porque é um Stálin com alguma tolerância dos czares. Mas o fato é que o “discurso do ódio”, plantado e adubado pelos comunistas, continua germinando na velha Rússia. Para dirigir um país assim é que se precisa, em tese, de um czar produzido pelo comunismo, como Putin.
Estados Unidos
Na primeira metade da década de 1860, os Estados Unidos foram convulsionados pela Guerra Civil Americana ou Guerra de Secessão. Confederados, os sulistas, lutaram — bravamente, diga-se — contra ianques, os nortistas. O presidente Abraham Lincoln, um homem sábio — tão leitor de Shakespeare quanto Faulkner —, foi desafiado pelas tropas de Jefferson Davis e do general Robert Lee (o sobrenome da cantora Rita Lee deriva do brilhante militar americano; vários “fugitivos” da guerra vieram para o Brasil).
Por ser agrícola, com a economia voltada para a exportação para as nações europeias, o Sul era visto como atrasado. Para produzir, usava, em larga escala, a mão de obra escrava. O Norte, mais industrializado e com a economia voltada cada vez mais para o mercado interno, mas começando a expandir suas exportações, era contrário à economia escravista. Sobretudo, queria manter sua hegemonia tanto política quanto econômica.
Os americanos começaram uma matança sem precedentes na história, porque agora usavam armas de fogo relativamente mais poderosas. O resultado é que o discurso do ódio, distribuído em igual dose pelos sulistas e nortistas — não se pode falar em heróis de um lado ou de outro lado —, levou à morte mais de 600 mil americanos, sem contar o imenso número de mutilados.
Ao final da guerra, com o Sul derrotado pela maior fartura de recursos do Norte, que tinha o presidente Abraham Lincoln, o discurso do ódio, de tão disseminado, continuou sólido na cabeça dos homens. Lincoln, homem e político notável — Edmund Wilson diz que a prosa americana enxuta, que desaguou em Hemingway, deriva tanto de seus discursos concisos quanto da prosa de Mark Twain —, percebeu que para reunificar o país não bastava a força, a pressão. Por isso pensava tratar o Sul com o máximo de decência e tolerância. A retomada da União deveria ser política, geográfica e psíquica. Porém, antes que pudesse fazer qualquer coisa, foi assassinado por um sulista, num teatro. Sem o político aglutinador e não vingantivo, o país mergulhou no caos durante anos, com governos ineptos e corruptos.
Na segunda metade do século 19, depois de Abraham Lincoln, os Estados Unidos se tornaram um dos países mais corruptos do mundo. A fratura entre as duas regiões tornou-se, durante muitos anos, uma espécie de fratura psicológica. Um povo havia se tornado dois e foi muito difícil torná-lo uno outra vez. A criação de instituições sólidas — trabalho de políticos, intelectuais e juristas de primeira linha — contribuiu, de maneira decisiva, para reduzir a divisão e, aos poucos, se não eliminar, reduzir o discurso e a prática do ódio. Donald Trump é um retorno a um passado que os americanos, cumpridores da lei e tolerantes, renegam. É o que há de pior nos Estados Unidos.
Alemanha e o muro
Ao fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, os Estados Unidos e a União Soviética se tornaram as potências dominantes. Dado o domínio da bomba atômica, os dois países optaram por se respeitar — daí a Guerra Fria —, mas se tornaram inimigos figadais. Como resultado da divisão de poderes entre os grandes vitoriosos, uma Alemanha permanece capitalista-democrática, a Ocidental, e uma Alemanha se torna comunista-totalitária, a Oriental. Um povo dividido em dois — com o ódio alimentado por seus governos, notadamente pelo socialista.
Aliada da Inglaterra, da França e dos Estados Unidos, a Alemanha Ocidental se tornou uma potência econômica. Alinhada à União Soviética, a Alemanha Oriental se tornou um país de segunda categoria, com uma economia em frangalhos, um dos regimes mais autoritários do Leste Europeu e uma polícia política das mais rigorosas e brutais, a Stasi (matriz da polícia “secreta” de Cuba, criada pelo alemão oriental Markus Wolf). Em 1989, vinte e oito anos depois de sua construção, os alemães orientais, com o apoio dos ocidentais, puseram o muro de Berlim abaixo, reunificando o país e o povo. O discurso do ódio disseminado pelos alemães orientais, seguidores caninos (com o devido respeito aos cachorros) dos dirigentes soviéticos, aos poucos foi cedendo e eles foram assimilados, com alguma dificuldade, pelos irmãos da Alemanha Ocidental, agora apenas Alemanha. O muro é visto hoje como uma coisa inominável, produto da barbárie comunista que se apresentava, na teoria, como redentora dos homens.
O Brasil e o PT
Os ideólogos do PT nada têm de néscios. Eles produziram um discurso do ódio, cevaram-no e tentaram transformá-lo em “sentimento” nacional (quase uma “emoção” cristalizada, hegemônica). Noutras palavras, jogar uns contra os outros, ampliando as divisões sociais e políticas — com um objetivo: ficar no poder o maior tempo possível. Os formuladores do partido, embora não sejam intensamente radicais, pensam mais ou menos como os radicais: duvidam do processo parlamentar, da democracia representativa. Porém, como sabem que não é possível confrontá-la, pensam noutra alternativa para contorná-la com o objetivo de não sair do poder — criando uma espécie de ditadura petista, uma democradura vermelha, mas sem a cara definida de uma ditadura.
Para contornar a democracia representativa, que pressupõe alternância de poder — uma desmexicanização (lembre-se do PRI) —, mas sem destruí-la, os ideólogos do PT decidiram criar uma via curiosa e relativamente funcional: subornaram políticos de vários partidos, com dinheiro e cargos públicos. Integrantes do PMDB, do PP, do PR e do PTB, para citar apenas quatro partidos, passaram a “comer” nas mãos dos petistas. Nas eleições nacionais, para presidente, juntavam-se ao PT e elegiam um petista, como Lula da Silva e Dilma Rousseff. Largamente cevados pelo petismo no chiqueiro-chique da política nacional — daí a origem da Corruptobrás, a maior estatal do país, se não criada, potencializada pelo PT —, os caciques regionais preocupavam-se unicamente em manter o controle do poder nos Estados e no Congresso Nacional, com o objetivo de, aqui e ali, pressionar os governantes federais — criando, por assim dizer, um parlamentarismo às avessas, mais conhecido como presidencialismo de coalizão.
Porém, como partido criado por ideólogos de origem tanto marxista quanto católica — o que não chega a ser um paradoxo, quem sabe (John Gray avalia que o marxismo é uma religião laica, derivada do cristianismo e do positivismo) —, mesclando ideias de excomunhão e redenção, o PT, cada vez mais controlado pelo Lulopetismo (um movimento mais do que um partido), se não produziu, azeitou o discurso do ódio.
O marxismo sugere que as classes sociais estão em guerra e, por isso, querem e devem se destruir. A vitória final será do proletariado — a classe “escolhida”. O PT adotou a tese de “nós contra eles”. “Nós” são os petistas e seus aliados — aqueles que, teoricamente, defendem os pobres. “Eles” são todos os adversários políticos e, inclusive, a Imprensa — exceto a “CartaCapital” (bíblia ou catecismo petista — Mino Carta é o apóstolo Paulo de Lula Jesus da Silva Cristo). A ideia foi bastante disseminada nas eleições de 2010 e 2014 e acabou por funcionar em algumas regiões mais pobres do país, notadamente no Nordeste, que foram transformadas em “currais eleitorais” — expressão grosseira e imprecisa mas não falsa — dos petistas, que ganharam graças aos chamados “grotões”. Porém, como as ideias que se levam à prática, transformando-se em comportamento, não são inteiramente controláveis, o discurso do ódio voltou-se contra o PT. Em São Paulo, por exemplo, milhões de eleitores tomaram a ideia ao pé da letra e votaram contra a candidata petista, Dilma Rousseff — o que quase deu a vitória ao senador Aécio Neves. Se este não tivesse perdido vergonhosamente em seu próprio Estado, Minas Gerais, provavelmente teria sido eleito presidente.
O discurso do ódio, semeado pelo PT com sementes poderosas — superiores às transgênicas —, ganhou o país. Mas o ódio não é mais contra os adversários do PT. O ódio voltou-se contra o PT e seus representantes — em parte devido à crise econômica e em parte em razão da corrupção, não criada, mas alimentada e potencializada pelos governos petistas.
Hoje, mudando o “nós contra eles”, o que se configura é o Brasil contra os petistas. O país quer retirar o PT do poder de qualquer maneira. Equivoca-se inclusive em avaliar que todos os problemas do país foram criados pelo PT — e que serão resolvidos, num passe de mágica, com a retirada dos petistas do governo federal —, com a possibilidade de salvar corruptos que comeram e lambuzaram-se nos melhores pratos dos “palácios” do governo red. Mas a responsabilidade por isso é do próprio PT, que, ao expandir o ódio — inclusive o racial —, se tornou vítima dele. Tornou-se o sujeito que é também vítima. Ideias são vírus perigosos e nenhum laboratório é capaz de controlá-las inteiramente e para sempre. O ódio azeitado pelo PT se tornou uma espécie de H1N1 para o combalido petismo.
Em Brasília, para a votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, colocaram um muro de latão para separar os que defendem e os que são contra. Quem colocou o muro tem uma preocupação: evitar a violência. Trata-se de uma motivação justa. Mas o muro em si mostra o que aparentemente esconde: um país quase fraturado pelo discurso do ódio.
É um engano e um exagero de militância sugerir que todos os petistas são criminosos e que o PT não deu uma importante contribuição para a vida política do país — a rigor, o partido tem mais relevância do que seus próprios ideólogos percebem. Mas a ideia de que há “puros” e “escolhidos” — que, na verdade, não são puros nem escolhidos (sociedades democráticas excluem ou devem excluir isto) —, portanto que se deve propalar o ódio contra alguns, “eles”, as oposições que não dão apoio e só combatem, estava transformando o Brasil num país que não é, que nunca foi. Há um grau de tolerância no Brasil que atrai pesquisadores — como os brasilianistas — de todo o mundo. O PT tentou fraturar o povo, impondo uma ideologia, mas o próprio povo, que não está sendo controlado pelos partidos — está por si nas ruas —, reagiu e está se reunificando. Os petistas estão isolados. Mas, se é justo criticá-los, é vital que se tenha tolerância. Senão o linchamento moral, os gritos em aeroportos, poderá se tornar linchamento físico.
Lula da Silva, um dos mais importantes políticos do país, que parece ter piorado ao ser adulado pelos ideólogos do PT, como Marilena Chauí — uma filósofa que envergonha seus pares; dada sua limitação mental circunstancial, tornou-se uma tarefeira —, afirma que, se Dilma Rousseff cair e se Michel Temer assumir a Presidência da República, não sairá das ruas e se tornará combatente de um provável governo do peemedebista.
Quando Lula da Silva, um político mais moderado do que parece — as palavras são “quentes” em sua boca, mas suas ações são em geral moderadas —, acalmar-se, por certo perceberá que sua missão será outra. Primeiro, reorganizar o PT ou criar outro partido, a partir dos escombros. Segundo, pacificar seus parceiros, tanto os dos movimentos sociais e sindicais, como o MST e a CUT, quanto os políticos.
Lula da Silva tem de optar entre dois caminhos: ficar ainda menor, comportando-se de maneira enlouquecida, ou moderar-se e dialogar com as forças que poderão assumir o poder e mesmo as que ficarem de fora. Sua missão, se há uma, é tornar seus aliados mais tolerantes, e não mais intolerantes. O discurso do ódio, criado ou incentivado pelo PT, pode destruir o PT e o próprio Lula da Silva.
Mais do que nunca, Lula precisa escapar ao jugo dos ideólogos petistas, dos tarefeiros intelectuais, e retomar a escalada democrática. Sua sobrevivência vai depender muito mais de sua capacidade de ser tolerante do que da possibilidade de disseminar o ódio. Um líder como Lula da Silva, por ter uma grandeza ainda não devidamente avaliada — o que só poderá ocorrer quando sair de cena, quando as paixões partidárias permitirem o julgamento mais justo do que isento —, é necessário para o seu tempo. Ele será corroído, poderá ficar menor, mas não será destruído pela Operação Lava Jato. Seus adversários também precisam pensar nisto.
A sociedade democrática não exclui o conflito, mas precisa do consenso para avançar. O ódio entre classes e indivíduos trava parcialmente a vida institucional (chega a amedrontar magistrados e políticos). O PT e Lula da Silva, se quiserem “sobreviver”, precisam entender que a tolerância é essencial. Mas os adversários dos petistas e do ex-presidente também precisam entender e aceitar isto. Sem o consenso, mínimo que seja, o país não sai da crise atual. Um país só cresce e sedimenta sua democracia — política e social — quando deixa de ser fraturado.
O peemedebista Michel Temer, que pode assumir a Presidência da República com o descenso de Dilma Rousseff, é, sem dúvida, uma figura menor do que Lula, assim como Itamar Franco era uma figura menor do que Fernando Henrique Cardoso, mas portou-se de maneira exemplar como gestor e homem de Estado. Pacificar a política e o país é uma das missões de Michel Temer, mas terá de contar não apenas com aliados, tanto do PMDB quanto do PSDB. Precisará de Lula da Silva também — se este tiver grandeza para entender sua própria dimensão política e escapar ao ensandecimento.
Outra missão de Michel Temer é criar um ambiente, uma espécie de segurança jurídica, para que o país saia da crise econômica. l