Ao comprar apoio político, o PT praticamente dissolveu os principais partidos do país. Não há alternativa: a reconstrução passa pelo PT, pelo PSDB e pelo PMDB. Mas é preciso pensar no país e não em eleições

Eduardo Cunha: o presidente da Câmara dos Deputados está com a cara e o cheiro de Fernando Collor | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Eduardo Cunha: o presidente da Câmara dos Deputados está com a cara e o cheiro de Fernando Collor | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Na semana passada, a notícia de mais impacto foi a prisão de João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT. A direção nacional do PT aportou R$ 31,6 milhões na campanha que garantiu a reeleição da presidente Dilma Rousseff, em 2014. O caixa do partido era controlado por Vaccari Neto. Algumas das 21 empresas que fizeram doação são investigadas na Operação Lava Jato.

Os números oficiais podem, porém, esconder outros dados ainda mais robustos. O ex-gerente de Serviços da Petrobrás Pedro Barusco, que fez delação premiada, contou que Vaccari Neto recebeu pelo menos 200 milhões de dólares. O dinheiro seria para o PT. O Ministério Público Federal sublinha que o ex-tesoureiro esteve em reuniões com o ex-gerente de Serviços da Petrobrás Renato Duque, apontado como “homem de José Dirceu e do PT”, para discutir o pagamento de propinas. Estas eram transformadas em doações legais para o partido. Segundo o MPF, em 18 meses, as doações alcançaram o valor de R$ 4,2 milhões.

O procurador do MPF Deltan Dallagnol sustenta que “Vaccari ti­nha consciência de que os pagamentos eram feitos a título de propina”.

O PT não tem como desvencilhar-se com facilidade de Vaccari Neto, porque, se o ex-tesoureiro aderir à delação premiada — acredita-se que, como Delúbio Soares e José Dirceu, homens de partido, vai permanecer calado, pois seria adepto de algo parecido com a omertà italiana —, a bomba pode estourar mais para o “alto”. De uma maneira um tanto quanto pueril, aliados da presidente Dilma Rousseff sustentam que Edinho Silva, hoje ministro da Secretaria de Comunicação Social, foi o responsável direto pela arrecadação de sua campanha em 2014. É um argumento para advogados trabalharem, mas as informações, pelo menos as divulgadas até agora, sugerem que o homem que buscava e levava dinheiro para a campanha era mesmo Vaccari Neto. O que se deve fa­zer, a partir de agora, é investigar suas conexões com Edinho Silva. Ressal­te-se que, até o momento, o nome do ministro da Comunicação Social não foi citado de modo desabonador. Mas a própria equipe de Dilma Rousseff está fornecendo pistas.

Apesar da onipresença do caso Vaccari Neto na mídia, o PT e o governo da presidente Dilma Rousseff não pretende discuti-lo em tempo integral. O que não se quer é arrastar o governo para mais uma crise. Na verdade, PT e governo estão no olho do furacão. Petistas graduados, como o ex-presidente Lula da Silva, afirmam que o ex-tesoureiro não vai ser abandonado — seria a senha para ele não abrir a suposta caixa preta do partido com os empreiteiros e outros empresários. Mas acrescentam que, como o momento é de “virar a página”, o caso deve ficar a cargo do advogado de Vaccari Neto — não do PT e do governo Dilma Rousseff.

Petistas mais distanciados realçam que Vaccari Neto deveria ter deixado a tesouraria do PT há mais tempo e frisam que, além de envolver o partido no propinoduto da Petrobrás-Sete Brasil, parte de sua família, como mulher, filha e cunhada, pode ter se beneficiado dos recursos obtidos com o esquema corrupto. Há fortes indícios de enriquecimento pessoal às custas do partido e de empresas. A possibilidade de o ex-te­sou­reiro ser condenado adiante, dada à fartura das acusações, é imensa. O PT sobreviveu ao julgamento, condenação e prisão de seu ex-tesoureiro Delúbio Soares. Resta saber o que será do partido daqui pra frente. É provável que, ao longo dos próximos anos, se desintegrará — co­meçando com políticos históricos, como Marta Suplicy e Paulo Paim, deixando suas hostes.

Dinamitando o sistema partidário

Lula da Silva, Aécio Neves e Fernando Henrique Cardoso: uma aliança do PT com o PSDB é vista como impossível, mas somente os dois partidos podem “salvar” o sistema partidário | Foto: Montagem/Ricardo Stuckert/ Instituto Lula; Jefferson Rudy/Agência Senado;  Fernando Frazão/ Agência Brasil
Lula da Silva, Aécio Neves e Fernando Henrique Cardoso: uma aliança do PT com o PSDB é vista como impossível, mas somente os dois partidos podem “salvar” o sistema partidário | Foto: Montagem/Ricardo Stuckert/ Instituto Lula; Jefferson Rudy/Agência Senado; Fernando Frazão/ Agência Brasil

A corrupção existe em todos os lugares do mundo e sempre existiu nos governos brasileiros, mesmo nos mais decentes. Trata-se de um problema que não tem como ser controlável 100%. Mas há países que conseguem “administrá-la de maneira mais eficaz e, ao mesmo tempo, pune com mais rigor seus praticantes. Para tanto, as instituições precisam ser sólidas e respeitadas. No momento, as instituições patropis estão funcionando, e muito bem. A Polícia Federal, como peça do Estado, está investigando com isenção, e, quando acionada pela Justiça, prende os corruptos, sejam ricaços ou não. O Ministério Público Federal faz um trabalho irretocável, altamente in­dependente, e com rigor e competência. O Poder Judiciário — com Sérgio Moro à frente — também tem se comportado de maneira decente e eficiente. Noutras palavras, as instituições e as leis do país estão sendo respeitadas. É um avanço.

Mas há um problema que começa a ser mais discutido. O PT surgiu, na década de 1980, com o objetivo de depurar o sistema partidário e, ao mesmo tempo, construir uma sociedade mais igualitária. No poder, há 12 anos e quase quatro meses — mais de uma década —, o PT trabalhou, com certa firmeza, para melhorar a qualidade de vida dos mais pobres. Tanto que, nesta questão, chamou a atenção do mundo para o país. Pode-se dizer que poderia ter feito mais — como sincronizar de maneira mais eficiente os programas sociais e a educação. O fato é que 12 anos parecem muito, mas, para resolver demandas sociais históricas, não o é — tanto que a nação mais rica do mundo, os Estados Unidos, tem cerca de 46 milhões de pobres, ou seja, 15% da população.

Se atuou relativamente bem no combate à pobreza, o PT conduziu-se mal muito na questão política. Para governar — a chamada governabilidade — e ficar mais tempo no poder, o Partido dos Trabalhadores expandiu uma esquema que possivelmente existia em outros governos, mas não nos níveis atuais. O partido de José Dirceu e Lula da Silva decidiu comprar apoio político. Primeiro com o mensalão. E, mais recentemente, com o petrolão. Aliás, não se tratou tão-somente de comprar apoio. A corrupção na Petrobrás envolve diretamente o PT — que recebeu dinheiro para se financiar — e integrantes do partido, que decidiram locupletar-se.

Portanto, no lugar de “deputar” o sistema partidário, o PT dinamitou-o. Se a imagem dos partidos era ruim, com a corrupção do PT — que havia sido criado para “limpar” a política —, piorou ainda mais.

A impressão que se tem hoje não é mais que o PT se tornou um partido como os outros — co­mo os piores, acrescente-se. O que as ruas co­mentam — e se está falando aqui de algo mais profundo e amplo do que as manifestações nas ruas — é que o PT, porque se apresentava como o “puro da aldeia”, se tornou um partido pior do que os outros. O Partido dos Trabalhadores — no­me que não é mais representativo do que se tor­nou a legenda — decepcionou os brasileiros, in­clusive aqueles que não eram e não são seus e­leitores. Porque o PT era uma referência… sim, positiva.

Além de piorar sua própria situação, o PT dinamitou outros partidos. O PMDB é visto pela população como o partido que pressiona o governo federal, não para melhorá-lo para o país, e sim para beneficiar a “nação peemedebista”. O PMDB, sob o governo do PSDB de Fernan­do Henrique Cardoso, não tinha uma imagem muito positiva, mas guardava certa compostura. Agora a imagem que está se cristalizando é a de que só quer mais cargos e articular negócios para alguns de seus integrantes. Fica-se com a impressão de que se trata mais de um balcão de negócios do que de um partido. E isto não é positivo para o Brasil, porque um partido grande como o PMDB é uma fonte de moderação, às vezes, e de avanço, outras vezes, para qualquer governo e governante. O partido teve Tancredo Neves e Ulysses Neves como referências e agora tem Eduardo Cunha, Romero Jucá e Renan Calheiros. Não dá para comparar.

Partidos menores do que o PMDB, como o PR, o PP e parte do PTB, foram parcial ou inteiramente conspurcados pelo PT no afã de comprar apoio político para, quem sabe, não sair mais do poder.
No futuro, os historiadores, ao julgarem o PT, certamente dirão que, além da corrupção, dinamitou o sistema partidário brasileiro. A reconstituição do sistema partidário — com a imposição de limites — será muito difícil e certamente levará anos. Fala-se muito em reforma política. Porém, ao se observar quem está trabalhando para colocá-la em prática, não há como, nem mesmo os brasileiros de boa vontade, não se suspeitar do que virá.

O PT avacalhou tanto o país, desordenou tanto o sistema partidário, que, de repente, pessoas de bem começam a avaliar que a solução passa por um Eduardo Cunha. Não passa, é claro. Mas o presidente da Câmara dos Deputados “joga” com rara habilidade e os inocentes úteis de sempre — até porque ele “enfrenta” a presidente e o PT; na verdade, não “enfrenta”, e sim faz uma guerra de posição, para o PMDB ampliar seu naco no poder — acreditam que é uma alternativa. Não é.

Como não há alternativa — e Eduardo Cunha não é alternativa alguma, pois não tem uma visão de Estado (e seu posicionamento evangélico radical não é representativo da moderação do país) —, a saída é mesmo PT e PSDB juntarem seus ca­cos e encontrarem uma saída. Não há como sair da crise política sem PT, PSDB e PMDB. O senador Aécio Neves, pensando em 2018, quer pôr mais lenha na fogueira. Porém, se não pensar mais no país do que em eleição, a fogueira também poderá devorá-lo. Um outsider como Eduardo Cunha pode chegar em 2018 com “cheiro” do Fernando Collor de 1989 e, aí, adeus Aécio Neves. Fernando Henrique Cardoso sugeriu uma saída conciliatória, mas está sendo contido por Aécio Neves. Pode ser um erro. A presidente Dilma Rousseff vai sofrer impeachment? Muito difícil — talvez impossível. Então, ante a realidade, é mais saudável “salvar” o país. Porque a cri­se econômica deve “devorar” dois longos anos — 2015 e 2016 — da vi­da dos brasileiros. Em­presas estão de­mitindo e fechando as portas. En­tão, para ser honesto com a população, é preciso pensar mais no presente, 2015, do que no futuro, 2018.