Na década de 1950, enfrentando tubarões internos e externos, Getúlio Vargas criou a Petrobrás. Sessenta anos depois, os governos do PT são responsáveis por prejuízo de R$ 21,6 bilhões e uma corrupção mafiosa que arrancou R$ 6,2 bilhões da empresa, que tem uma dívida de R$ 351 bilhões

Getúlio Vargas criou a Petrobrás; e os governos petistas, do ex-presidente Lula da Silva e da presidente Dilma Rousseff, podem destrui-la. Empresa petrolífera era o símbolo de um Brasil que funcionava, porém não é mais | AWikipédia Commons / Ricardo Stuckert/ Instituto Lula / Antonio Cruz/ Agência Brasil
Getúlio Vargas criou a Petrobrás; e os governos petistas, do ex-presidente Lula da Silva e da presidente Dilma Rousseff, podem destrui-la. Empresa petrolífera era o símbolo de um Brasil que funcionava, porém não é mais | AWikipédia Commons / Ricardo Stuckert/ Instituto Lula / Antonio Cruz/ Agência Brasil

A Petrobrás foi criada na década de 1950 pelo pre­sidente Getúlio Var­gas. A história é registrada pelo jornalista Lira Neto na biografa “Getúlio — Da Volta Pela Consagração Popular ao Suicídio (1945-1954)”, lançada em 2014.

Inicialmente, os nacionalistas criticaram o projeto, alegando que era “entreguista”. “Em vez de estabelecer o monopólio estadual sobre a exploração do produto”, anota Lira Neto, “a proposta original do governo previa a criação de uma empresa de economia mista — com a União detendo 51% das ações — abrindo-se espaço para o capital privado e permitindo que 10% do controle acionário ficasse nas mãos de estrangeiros”.

A UDN de Carlos Lacerda e Bilac Pinto, “numa reviravolta surpreendente”, sugere Lira Neto, “partiu em defesa do monopólio estatal”. Na verdade, a UDN, sem perceber, aderiu a um jogo bem armado por Getúlio. Aos deputados Tancredo Neves, Antônio Balbino e Brochado da Rocha, o presidente contou-lhes que “era francamente favorável ao monopólio estatal. Mas não incluíra tal cláusula no projeto enviado ao Con­gres­so para evitar que os adversários rejeitassem a proposta de antemão, por mera pirraça oposicionista, arquivando-a em definitivo. Pre­feria deixar a questão em suspenso, na expectativa de que algum parlamentar mais neutro propusesse uma emenda alterando o texto original, dando margem para que as negociações pudessem seguir adiante”.

Tancredo Neves salientou que “a malícia do presidente era realista. Os parlamentares da União Demo­crá­tica Nacional passaram a apoiar a tese do monopólio estatal do petróleo”.

Gigantes do petróleo, como a Standard Oil, começaram a combater o projeto que, com emendas e um substitutivo do deputado Eusébio Rocha, do PTB de São Paulo, propunha a criação “de uma empresa petrolífera genuinamente nacional, com capital acionário da União”. Em 3 de outubro de 1953, pela lei nº 2004, Getúlio criou a Pe­tróleo Brasileiro S. A. — Petrobrás. Fora a “Última Hora”, de Samuel Wai­ner, os demais jornais não de­ram destaque à notícia. No “Diário da Noite”, aparentemente ecoando a posição do governo e de empresários norte-americanos, Assis “Chatô” Chateaubriand atacou o monopólio estatal. A Petrobrás, de acordo com o “Correio da Manhã”, era “uma aventura de nacionalistas rasteiros”. Estes seriam defensores de “monstruosidades como o monopólio estadual petrolífero”.

Além da Petrobrás, Getúlio criou a Companhia Siderúrgica Na­cional e a Eletrobrás (sem mencionar as leis trabalhistas, a CLT). O presidente foi decisivo para criar uma estrutura estatal útil ao crescimento e ao desenvolvimento do país. Especula-se que Fernando Henrique Cardoso, nos seus dois mandatos presidenciais, tentou desmontar o Estado criado por Getúlio. As privatizações foram uma tentativa de tornar o Estado mais “barato” para a sociedade. No meio do caminho, surge a chamada privataria, que os tucanos não querem discutir, escamoteando com a tese de que os serviços, por exemplo os de telefonia, melhoraram. A privataria, apesar de serviços modernizados e democratizados, não é um assunto “morto” — história “assentada”, digamos — e, por isso, precisa ser discutida pela sociedade. A Eletrobrás continua no mercado e, em Goiás, controla a Celg.

Getúlio era autoritário, sobretudo no período do Estado Novo, entre 1937-1945, mas fortaleceu o Estado nacional e se tornou, apesar de muito combatido pelos liberais, peça-chave da expansão dos negócios das empresas brasileiras. Talvez até mais do que Juscelino Kubi­tschek — e quem sabe como Ernesto Geisel, sim, o general-presidente da década de 1970 —, Getúlio foi o presidente que percebeu, ao menos em larga escala, que o Brasil tinha mesmo condições, no concerto internacional, de se aproximar de potências econômicas como Alemanha e, sobretudo, Estados Unidos. Ao investir em estatais, para fortalecer áreas estratégicas — como petróleo e energia elétrica —, nas quais a iniciativa privada local não tinha condições de alocar recursos financeiros, o presidente percebeu que o país poderia competir com as nações poderosas. Era uma aposta do presente e para o futuro.

Em 2015, apesar da crise, o Brasil é a sétima potência global — perdendo apenas para alguns países, como Estados Unidos, China, Japão, Alemanha —, com a possibilidade de, em pouco tempo, superar a sexta colocada, a Inglaterra. A Petrobrás, conhecida em todo o mundo, é um dos motivos de o Brasil ser respeitado.

Galinha de ovos de ouro

Se Getúlio pudesse sair do túmulo, mudaria sua carta-testamento e incluiria um novo parágrafo: “Pelo amor de Deus, não deixem o PT acabar com a Petrobrás, um tesouro do povo brasileiro”. Porém, como ninguém pode deixar o túmulo, é preciso recorrer à história, como se fez acima, para avaliar, criticar e condenar o que os governos do PT estão fazendo com o pa­trimônio público — que, em tese, “defende”. O petismo é crítico persistente das privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso e banca blogs que as tratam como produto de uma privataria.

O que o petismo e seus aliados fizeram na Petrobrás? Privatizaram-na de maneira indireta. Uma privatização cinza, já que não se pode mais dizer “branca”, dada a hegemonia bestificante do politicamente correto. Continua estatal, no papel, mas, na prática, foi entregue a grupos econômicos e políticos — numa associação criminosa que merece, sem tirar nem pôr, o título de “Máfia”. Há empreiteiros posando de mocinhos — alegando que, como corruptores, eram pressionados. Na verdade, não há vítimas nesta história, insistamos, mafiosa. Aliás, há duas: o país e o povo brasileiro. Os outros são santos com pés de barro.

Na semana passada, Aldemir Ben­dine — não tem a ver com Arturo Bandini, personagem do romance “Pergunte ao Pó”, de John Fante; a única afinidade é que a estatal do petróleo está virando pó —, presidente da Petrobrás, divulgou o prejuízo da empresa em 2014. Anote: R$ 21,6 bilhões de reais. Leia sobretudo a palavra “bilhões”. Trata-se do primeiro prejuízo em 24 anos. Para piorar o quadro financeiro, e sua imagem no país e no exterior — afinal, a em­presa tem ações comercializadas na bolsa de valores —, admitiu-se, por fim, que a corrupção retirou R$ 6,2 bilhões do caixa da estatal.

Num tom meio de Pangloss, o de Voltaire, e não o do espertíssimo Bandini, o de Fante, Bendine disse: “Os valores da corrupção são recuperáveis. À medida que forem sendo pagos, entrarão no balanço”. Quem diz isto só pode ser leitor do livrinho “Otimismo em Gotas”. Seis réus foram condenados pela Justiça Federal a devolver R$ 18 milhões de reais à Petrobrás. Se há um desvio de R$ 6,2 bilhões comprovados — mas pode subir, dependendo de novas investigações —, o valor de R$ 18 milhões é uma gota d’água num oceano. Processos judiciais que envolvem bilhões, nos quais atuam advogados de primeira linha, desses que aproveitam o que é legal e as brechas das leis, geralmente têm um desenrolar lento. A conclusão não é rápida, dados os recursos possíveis de advogados hábeis na arte de fazerem as leis dizerem mais do que dizem e, mesmo, do que não dizem. Não só. Os juízes precisam respeitar o direito de ampla defesa, examinando os documentos com acuidade.

A dívida da Petrobrás chega a R$ 351 bilhões. Especialistas dizem que a empresa precisa de pelo menos 4,8 anos para pagá-la, mas aceitáveis seriam 2,5 anos. Dependendo da gestão, se não for profissionalizada, pode-se tornar uma dívida impagável.

Getúlio criou a Petrobrás, en­frentando tubarões internos e externos, e a esquerda petista, do ex-presidente Lula da Silva à presidente Dilma Rousseff, pode destrui-la. Mas torcer contra a recuperação da empresa, unicamente para solapar a já corroída imagem do PT, é jogar contra o país. Arrancar a Petrobrás da lama tende a contribuir para a recuperação da economia e, especialmente, da imagem interna e externa do país.