Próximo presidente da República deve ser aquele que conquistar o centro e as classes médias

01 março 2025 às 21h00

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Vale examinar os números das eleições para a Presidência da República, em 2018, com vitória de Jair Bolsonaro, então no PSL, e a de 2022, com a vitória de Lula da Silva, do PT.
Em 2018, Jair Bolsonaro venceu Fernando Haddad, do PT, no segundo turno, com relativa facilidade, obtendo 57.797.847 votos (55,13% dos votos válidos). O petista conquistou 47.040.906 votos (44,87% dos votos válidos).
As abstenções chegaram a 21,30% (31.371.704 votos). Anularam o voto: 7,43% (8.608.105 votos). Brancos: 2,14% (2.486.593 votos). Somados, 42.466.402 (30,87%) brasileiros não votaram nem em Jair Bolsonaro nem em Fernando Haddad. Um número muito alto. Observe-se que São Paulo, o Estado com maior população do país, tem 34.403.609 eleitores.
Quatro anos depois, em 2022, Lula da Silva foi eleito com 50,90% dos votos válidos (60.347.999 votos), deixando Jair Bolsonaro, do PL, em segundo lugar, com 49,10% dos votos válidos (58.206.354 votos). A votação do candidato da direita não caiu, até subiu um pouco, mas a votação do candidato da esquerda subiu — comparando com a votação de Fernando Haddad — 17.881.597 votos. De onde saíram tais votos? Possivelmente, da classe média, ou das classes médias (de tão diversificadas, merecem o plural).
Mostrando que se trata de uma “regra”, a abstenção permaneceu praticamente a mesma: 20,58% (32.200.558 votos). Muito alta. Os votos nulos caíram bem: 3,16% (3.930.765 votos). Quanto aos brancos, houve uma queda não substancial: 1,43% (1.769.678 votos). Tudo indica que vários eleitores que haviam votado nulo em 2018 decidiram, na maior parte, votar no postulante do PT.
Jair Bolsonaro perdeu para Lula da Silva por uma diferença mínima — 2.141.645 votos. Quer dizer, foi derrotado porque não agregou novos eleitores, dado seu discurso radical (contra a vacina para conter a epidemia de Covid, por exemplo), que pode ter afugentado parte dos eleitores das classes médias.
Classes médias não se sentem representadas
Cientistas políticos e jornalistas dizem que deve ser eleito em 2026 aquele candidato a presidente que conquistar o apoio do centro político. De fato, quem mantiver os próprios votos, à esquerda e à direita, e conquistar a maioria do centro — que, vale sublinhar, vai além do Centrão — tende a ser eleito.

Lula da Silva, o candidato do bolsonarismo e o postulante da centro-direita (é possível que saiam três candidatos competitivos) devem, portanto, sair de suas bolhas político-eleitorais. Noutras palavras, precisam conquistar novos apoios. Quer dizer, apoios sobretudo entre aqueles eleitores que, nas duas últimas eleições, se abstiveram fortemente, distanciando-se tanto da direita bolsonarista quanto da esquerda petista.
Em 2018, dadas as denúncias de corrupção contra os governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff, havia uma forte descrença nas classes médias contra o postulante do PT. Já em 2022, apesar da boa votação, havia um descontentamento com Jair Bolsonaro.
Onde e como localizar os eleitores que, entre 2018 e 2022, rejeitaram a direita bolsonarista e a esquerda petista? Quem são eles? O que de fato pensam? Por que não estudá-los com extrema atenção, sem preconceito de feitio ideológico e sem menosprezo classista?
Reduções sociológicas como “pobre de direita”, fortes para chamar a atenção e gerar polêmicas artificiais, não ajudam a entender fenômenos complexos. Primeiro, não há tanto pobre nem de direita nem de esquerda no país (confira as votações de Jair Bolsonaro e Lula da Silva acima). É provável que os que não têm nada ou têm muito pouco nem ligam muito para isto. Se ligassem, Lula da Silva não teria obtido uma votação expressiva no Nordeste, uma das regiões mais pobres do país. É certo que, de alguma maneira, votaram mais no petista-chefe do que na esquerda em si.
Segundo, há a possibilidade de aqueles que não optam por não votar estejam “recusando” a política como um todo, por não acreditar que os candidatos, qualquer um deles, possam, uma vez no poder, melhorar suas vidas. Não tem a ver com “pobre de direita”, por exemplo, e sim com outra coisa: não se sentir representado por ninguém.
As classes médias têm uma vida melhor do que a dos pobres e pior do que a dos ricos. Mas elas não se consideram representadas pelos políticos que ocupam cargos no Poder Executivo federal. Os pobres ganham programas sociais e os ricos as “chaves” do BNDES, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e as verbas do Orçamento da União. O “prêmio” (negativo, claro) das classes médias são impostos, notadamente o imposto de renda (leva quase 30% de seus ganhos), mas não só.

Neste momento, economistas dizem que as classes médias, ao menos a sua porção um pouco mais rica, estão estabilizadas. A rigor, voltaram a crescer, depois de uma fase de pauperização. No meio da pirâmide, são classes instáveis, quase sempre afetadas por crises conjunturais, que podem puxá-las para baixo. Lutam para subir, mas, se o país não cresce, acabam por cair.
Tais classes médias, ao menos parte delas, acreditaram em Jair Bolsonaro, em 2018, e em Lula da Silva, em 2022. Para 2026, daqui a um ano e sete meses, em quem vão acreditar? Talvez num candidato de centro-direita, mais moderado do que o grupo de Jair Bolsonaro e sem vínculos com a esquerda do petista-chefe.
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), pode ser uma alternativa? Ainda não é, dada a força do bolsonarismo, no espectro da direita. Mas, ao se tornar conhecido, com um cartel positivo a ser exibido ao país — como as melhorias na segurança, na educação e na saúde —, pode ganhar apoio popular. Os eleitores apreciam políticos que têm o que mostrar, ou seja, que fazem coisas que deram certo e melhoraram a vida — o cotidiano — das pessoas.
Há quem postule que Jair Bolsonaro pode apoiar Michelle Bolsonaro, sua mulher, ou Eduardo Bolsonaro, seu filho, para presidente. Mas quais são as verdadeiras qualidades de ambos? Não se sabe. Porque nunca administraram nem uma sanduicheria.
Os eleitores certamente não querem votar numa candidata só porque é mulher de Jair Bolsonaro e não querem votar num candidato apenas porque é filho do ex-presidente. No momento em que compararem candidatos, os eleitores vão sopesar os currículos, resultados de suas atividades. Por isso, as pesquisas atuais, longe de revelar definições, são cartas de intenções provisórias, que revelam mais conhecimento de nomes do que estatura política e administrativa.
As classes médias são racionais e demoram a avaliar os candidatos. É como se, no momento, não estivessem no jogo. Por isso, com as urnas contabilizadas, os resultados eleitorais surpreendem tanto os avaliadores apressados. Os que avaliam o amanhã — 2026, daqui a um ano e sete meses — pelos dados de hoje podem decepcionar-se. Eles são indicações, e não definições.
Subestimar Lula pode ser um equívoco
Os políticos de centro — o Centrão é de centro, mas não é todo o centro —, assim como a maioria do eleitorado, estão esperando o quadro ficar mais claro para se posicionarem ou se reposicionarem.
O presidente do pP, o habilíssimo senador Ciro Nogueira, sugere que quer distância do governo de Lula da Silva. Mas seu partido não se comporta exatamente assim. Políticos realistas comem a carne aos poucos e, na sequência, roem os ossos. O governo do petista-chefe ainda tem muita carne — um ano e 10 meses — e, por isso, nem se chegou aos ossos.
O PT tem o hábito de começar os governos com idealistas, como os extraordinários Cristovam Buarque e Nísia Trindade, e de terminá-los com realistas. Porque os realistas, menos burocráticos, acabam por contribuir por melhorar a imagem da gestão. São, por assim dizer, mais funcionais e, por isso, contribuem para elegerem e reelegerem seus líderes.
O sacrifício da admirável Nísia Trindade no altar da frigideira do poder não é pessoal. É pura e dolorosamente política. Realista absoluto, Lula da Silva está de olho em melhorar seu governo tendo em vista a disputa eleitoral de 2026. As outras cousas e pessoas se tornam acessórias. (Política, insista-se, não é espaço de mocinhos, e sim de realistas, que fazem o que têm de ser feito, independentemente de apreços pessoais.)
As mudanças ministeriais do governo Lula da Silva têm tripla função. Primeiro, ampliar a boa relação com o Congresso, destravando possíveis pautas. Segundo, melhorar a relação com as forças políticas. Terceiro, tornar o governo mais proativo para requalificar sua imagem. Olha-se para a árvore, 2025, mas de olho grande na floresta, 2026.
Lula da Silva está fragilizado por seu governo, como provam as pesquisas. Mas sua intenção de voto permanece quase tão alta quanto a dos bolsonaristas. O que indica que, se melhorar o governo, ao menos em parte, criando mais expectativa de consumo para as classes médias, se tornará altamente competitivo. Aliás, persiste competitivo.
Subestimar o PT talvez seja possível. Mas subestimar uma raposa política como Lula da Silva, uma mistura maquiavélica de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, talvez seja um erro crasso tanto por parte de analistas quanto dos próprios políticos.
Como toda raposa política — que aprecia mais pesquisas qualitativas do que quantitativas —, Lula da Silva sabe que o “melhor” desgaste é aquele que precede o ano da eleição. Então, o desgaste, se ficar grudado em 2025 e não saltar para 2026, não deve atrapalhar de maneira decisiva as pretensões eleitorais do petista-chefe.
A recuperação da imagem de Lula da Silva — sobretudo do governo — depende de vários fatores, como a melhoria da economia (o custo de vida precisa abaixar e o consumo aumentar) e a recomposição política. A rigor, o governo do petista é uma frente, e não é de centro-esquerda, e sim de centro-direita-esquerda. Mas o centro quer mais espaço. Quer mandar e ter mais voz no orçamento federal.
No momento, os três grandes profissionais da política, em todo o país, são Lula da Silva, Jair Bolsonaro e Ronaldo Caiado. O jogo vai passar pelos três. Aliás, já está passando. São operadores-mestres. Nenhum pode ser subestimado. Eles fazem política 24 horas por dia. São vocacionados.