Demógrafo diz que, “em menos de 20 anos, Brasil deixará de ter maioria católica”. Mesmo assim, há uma tendência de perceber evangélicos como não modernos

Marcelo Crivella, prefeito do Rio de Janeiro, não impediu o Carnaval, não travou nenhum desfile e tem o direito de não participar das festas de Momo | Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Por que a Alemanha, tendo se tornado país em 1871 — há 147 anos — e perdido duas guerras mundiais, em 1918 e 1945, se mantém como uma potência econômica extraordinária? No livro “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, o sociólogo alemão Max Weber escreveu, contrariando o marxismo, que o crescimento e o desenvolvimento da Alemanha não foram impulsionados pela infraestrutura, e sim pela superestrutura, o fenômeno religioso. O luteranismo contribuiu, de maneira extraordinária, para liberar as forças produtivas do país, ao sugerir, entre outras coisas, que o trabalho duro era positivo e que o lucro (a Igreja Católica criticava a usura) nada tinha de prejudicial à vida e à conduta dos indivíduos.
Karl Marx era um filósofo e economista perspicaz, mas comportava-se também como político. Por isso interpretou a religião como “ópio do povo”. Os religiosos, afinal, eram e permanecem adversários ferrenhos do comunismo. A visão marxista é simplista, pois a religião é, ao lado das artes — como literatura e música —, um dos maiores fenômenos culturais da história universal. Não deve ser vista como mera interdição ou alienação. As organizações religiosas, com suas várias identidades e interpretações, são poderosas agentes sociais, agregando e formando, por assim dizer, sociedades. Durante anos, pensou-se na Idade Média como a “era das trevas”. Historiadores franceses do maior gabarito, como George Duby e Jacques le Goff, demonstraram que a Idade Média foi extremamente rica em termos religiosos, culturais e econômicos. Se a cultura greco-romana chegou até nós, de maneira orgânica e ampla, deve-se, em larga medida, aos homens do período medieval — notadamente os religiosos, que, no geral, tinham mais preparo intelectual. Os homens do medievo, com os católicos na linha de frente, estudaram a cultura da Grécia e de Roma, entre outras, a conservaram e a expandiram. O Renascimento, que tanto encanta os visitantes da Itália, é produto de financistas católicos — do clero ou não. É muito menos pagão do que alguns imaginam.
O Brasil é um país católico. Ainda é. Mas, de acordo com reportagem do jornal “Valor Econômico”, assinada por Ricardo Lessa, “em menos de 20 anos, deixará de ter maioria católica”. A informação é do demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE. O padre Valeriano dos Santos Costa, diretor da Faculdade de Teologia da PUC-SP, admite que o quadro é pior do que apura o levantamento estatístico. “Menos de 10% dos batizados na Igreja Católica Apostólica Romana frequentam as missas dominicais, o que significa um mínimo de pertença”, afirma. Trinta e quatro cidades do Rio de Janeiro já têm maioria evangélica. No censo de 2010, a Assembleia de Deus apresentou 12,3 milhões de seguidores e a Igreja Universal, pouco menos de 2 milhões. Em oito anos, as duas igrejas cresceram.
O modelo para “recuperar” católicos (não se trata nem de conquistar novos) pode, em parte, ser as táticas e estratégias dos evangélicos? O padre Valeriano sugere que não há outro caminho: “Temos que ir a campo, procurar as pessoas. Temos que adotar esse espírito empresarial, que é o que cria novas possibilidades”. A Renovação Carismática, embora não igual, aproxima-se dos cultos evangélicos. Há menos distanciamento e mais comprometimento dos fiéis.
Os críticos dos evangélicos, sem a percepção de que as igrejas protestantes não são idênticas — há diferenças às vezes cruciais —, fazem críticas radicais. Deixam de perceber, inclusive, a fase de maturação de algumas delas. As mais antigas e estruturadas não são adeptas da teologia da prosperidade e se aproximam, e não vagamente, da Igreja Católica — em termos de credibilidade e respeitabilidade. Quem pode sugerir que a Igreja Assembleia de Deus não é séria? Há, sim, um preconceito visceral contra as correntes evangélicas.
Mas a universidade começa a estudar a sério as igrejas evangélicas. A professora-doutora Maria das Dores Campos Machado, do Núcleo de Religião, Gênero, Ação Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, assinala, na reportagem do “Valor”, que “os pastores têm um grande senso de oportunidade e muita ousadia de inventar rituais que oferecem expectativas para os que estão sofrendo. Os evangélicos estão indo onde o Estado não vai atender as demandas básicas dos mais necessitados”. Noutras palavras, pode-se dizer que as igrejas estão atendendo os indivíduos, aqueles que são esquecidos pelo Estado, que não tem, não pode ou não quer transformar em cidadãos. O pastor Deiró de Andrade, da Assembleia de Deus, sugere que “a mensagem evangélica é mais poderosa do que a católica porque considera o indivíduo maior que o Estado”. Praticamente uma visão liberal.
Maria das Dores Campos Machado pergunta: “Quantos padres ou bispos negros católicos existem hoje? Muito poucos. As igrejas evangélicas buscam seus pastores diretamente nas populações mais carentes. Há vários pastores negros e também mulheres pastoras e bispas. As igrejas evangélicas criaram um caminho de inclusão e ascensão social”.
Em termos políticos, há 72 deputados evangélicos filiados em 18 partidos. A Assembleia de Deus tem 25 deputados e a Igreja Universal, 11. A reportagem do “Valor” sugere que “os evangélicos estão dominando canais institucionais que foram no passado monopólio da Igreja Católica, como as obras sociais e assistenciais, com repasses de verbas públicas”. A pesquisadora Maria da Dores Campos Machado assinala que “as ONGs de assistência aos viciados em crack estão nas mãos dos evangélicos”. Os evangélicos são necessariamente conservadores? A professora da UFRJ diz que às vezes sim, às vezes não. Em termos comportamentais, de valores — por exemplo, a respeito de casamento entre homossexuais —, as correntes evangélicas são reativas, críticas. No geral, não são diferentes das correntes tradicionais da Igreja Católica.
Marcelo Crivella
As igrejas evangélicas têm doutores, intelectuais preparados, mas são tratadas, notadamente por intelectuais de esquerda — sobretudo por causa do combate às mudanças comportamentais —, com certo preconceito. São vistas como apologistas do atraso — o que não é um fato, como atestam pesquisas, como a da professora da UFRJ. Elas são cada vez mais modernas e atentas àquilo que ocorre na sociedade, portanto não estão distanciadas de seu público e de outros públicos não necessariamente religiosos, mas que não se consideram de esquerda. Estão crescendo e enraizando-se na sociedade exatamente porque compreendem o que é o Brasil real. Há pontos de contato com maiorias silenciosas que, por vezes, são ignoradas por todos — Estado, universidades, intelectuais e Imprensa. Há quase um olhar antropológico para o outro. Os deserdados de tudo e por todos se sentem conectados, há uma sensação de pertencimento.
Pode-se falar que as igrejas evangélicas exploram os pobres e as classes médias? Depende do que se entende por exploração. Quem frequenta a igreja, e fornece uma contribuição, está mesmo sendo explorado? Não será que alguns estão pensando por tal pessoa? No geral, não há vítimas, e sim uma conexão entre indivíduos e religiosos. De fato, há igrejas evangélicas muito agressivas na tentativa de enriquecimento, mas não são todas. Vale notar que, em certo período, religiosos da Igreja Católica, na formatação de seu patrimônio, chegaram a vender lascas da “cruz” em que Jesus Cristo foi crucificado e o mercado de indulgências era azeitado.
Com o tempo, dadas à maturação e à consolidação de suas estruturas (inclusive com o Banco do Vaticano e propriedades em quase todo o mundo), a Igreja Católica, embora mantenha o dízimo e a contribuição durante as missas, mudou. Trata-se de uma instituição seriíssima.
Veja-se, por fim, o caso do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, do PRB. Ele é integrante da Igreja Universal — bispo — e, como tal, não é apologista de determinadas festas ditas pagãs, como o Carnaval. Não há a menor dúvida de que o Carnaval se tornou uma instituição brasileira — como o futebol — e deve ser visto como ecumênico: todos podem participar.
O Carnaval encanta tanto pela festa em si, da qual todos podem participar ativamente, quanto pelo fato de que, querendo, as pessoas podem inverter seus papeis sociais-comportamentais. Homens heterossexuais, por exemplo, podem se vestir de mulher e, acabada a festa, levar a mesma vida de antes — sem pilhérias e achincalhes. As religiões não têm o direito de impedir que as pessoas se divirtam da maneira que quiserem. Mas os religiosos têm o direito de não participarem da festança e de criticá-la. A democracia contempla a diversidade de condutas sociais.
Entretanto, como prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella não tem o direito de se omitir? Por que não? Ele impediu o Carnaval, algum desfile deixou de ocorrer porque não tem simpatia pelo período de Momo? Nenhum.
A TV Globo, que tem interesse comercial — e quiçá “artístico” — no Carnaval, assim como hotéis e outros empreendimentos, não aprovou o “distanciamento” de Marcelo Crivella e procura alfinetá-lo sempre que pode. É provável que a rede da família Marinho, do Grupo Globo, torce para que, na próxima eleição, seja eleito um prefeito mais identificado com a imagem festeira do Rio de Janeiro. Mas e se o preconceito contra Marcelo Crivella derivar em parte do fato de ser evangélico — um líder religioso — e não apenas de não apoiar o Carnaval? Se é mau prefeito para a população, se não está correspondendo como gestor, que o critiquem, até de forma acerba. Quanto ao Carnaval, que fique sob os cuidados da iniciativa privada — e não dos cofres públicos. l
Perfeito! Até que em fim uma matéria imparcial, que mostra os dois lados da moeda, isso é que é jornalismo de ponta.
Terceira Lei de Newton = para toda ação tem uma reação. Essa gente é preconceituosa, intolerante, autoritária, é a minha opinião. Exemplo, candomblé, macumba, de origem afrodescendentes, são criticadas… Tô fora!
Na verdade não sao criticadas, os proprios demonios dessas “religiões” se expõe na igreja Universal caidos e sem autoridade. Coloca a culpa neles de se mostrarem fracos diante de Jesus e de sua autoridade.
Eu não entendo um país, uma cidade questionar a retirada de verba do carnaval para melhoria na saude, educação… Eu tenho pavor de carnaval sempre tive. E acho desagradável o Brasil ser visto apenas por esta festa .medíocre que nao acrescenta em nada. É claro, que o Governador sofre perseguição por ser.evangélico ainda mais sendo da Universal, ja que a Globo odeia a UNiversal, bispo etc… Globolixo.