Os acertos e os equívocos do primeiro mês de governo do presidente Lula da Silva
05 fevereiro 2023 às 00h00

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Daqui para frente, direta ou indiretamente, o presidente Lula da Silva tende a atrair senadores e deputados do PL para outros partidos de sua base — como o PSD. Desmobilizar o bolsonarismo inteiramente não é possível, mas pode-se enfraquecê-lo — isolando-o no Congresso. Isto é garantia de governabilidade
Há um certo preconceito com os políticos ditos profissionais. Mas eles são essenciais para a política e, por isso, o sociólogo alemão Max Weber os “defendia”.
O profissional verdadeiro é aquele que vive “para” a política, e não “da” política. O político, no entendimento de Max Weber, precisa ter três qualidades cruciais: paixão, sentimento de responsabilidade e senso de proporção.

Quais políticos brasileiros se encaixam neste tipo de formulação? Existem alguns, talvez contados nos dedos das mãos e dos pés. O presidente Lula da Silva (PT) e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), tanto pelo passado quanto pelo presente, se enquadram na tese weberiana. Assim como o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD). É cedo para falar do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), mas ele está governando e se comportando diferentemente do bolsonarista tradicional.
Mais do que seu vice, Geraldo Alckmin, Lula da Silva é o autêntico político profissional, altamente vocacionado para o poder e a ação pública (Iris Rezende, em Goiás, era um exemplo equivalente).
Pós-Jair Bolsonaro, com o país conflagrado — e havia mesmo uma articulação golpista planejada pelo núcleo bolsonarista (e ela não está inteiramente desmontada) —, o Brasil precisa de um político moderado e maduro. Lula da Silva é este político. Por vezes, no calor da hora, apresenta um discurso mais radicalizado (na verdade, enfático), mas, na prática, nada tem de radical ou intransigente.

Para um período de transição, no qual é fundamental manter a democracia estabilizada — pouco depois de Bolsonaro, como presidente e ex-presidente da República, ter “convidado” o país para um golpe (a história de jogar nas “quatro linhas” era uma farsa; quem joga nas quatro linhas não precisa ficar dizendo isto a todo momento) —, Lula da Silva é o político mais adequado, dada sua capacidade de liderança e contenção de excessos. Assim como sua parceria com Geraldo Alckmin, conservador igualmente moderado, é saudável para o país.
Em um mês de governo — e não dá para avaliar um presidente que está no poder há apenas 30 dias, e tendo de reorganizar o país (o 8 de Janeiro deu uma desestabilizada inclusive na psiquê dos brasileiros) —, Lula da Silva demonstrou que planeja ajustar o Brasil em termos políticos, econômicos e sociais. Sobretudo, está sugerindo que planeja fortalecer o capitalismo, ou seja, não há uma medida que leve o Brasil para o campo do socialismo.
Pode-se falar que Lula da Silva tem acertado mais do que errado, e ressaltando, mais uma vez, que está no governo há somente um mês. A seguir, se falará dos acertos e dos equívocos (sublinhando que há tempo para mudar de opinião e não cometer erros do passado).

Quando fala em reindustrialização, medida tipicamente capitalista, Lula da Silva certamente não está falando em reserva de mercado para os empresários brasileiros. O que está sugerindo é um fortalecimento da indústria do país — o que, além de produzir mais recursos para o mercado e para o governo, de maneira global, tende a gerar mais empregos. O presidente indica que planeja conectar crescimento econômico com o desenvolvimento. A aposta não é meramente no “desenvolvimentismo”, ou seja, o Estado investindo a qualquer custo, de maneira desmedida, para forjar crescimento. Resta saber, porém, se o incentivo do governo vai contribuir para a criação de um mercado interno moderno e competitivo. A indústria para ser realmente forte precisa ter qualidade e preços competitivos, sobretudo se quiser conquistar o mercado externo. Enfrentar os preços chineses — e a qualidade de seus produtos, como automóveis e computadores, está melhorando — é uma missão difícil, mas talvez não impossível.
O posicionamento firme para salvar a vida dos yanomamis indica que o governo de Lula da Silva é realmente diferente do anterior (e é muito bom ver a Aeronáutica contribuindo para melhorar a vida dos indígenas). Prevaleceu um comportamento humanista, não apenas afeito ao aspecto econômico. Desde o início, ao agir para cuidar dos indígenas, a gestão do petista agiu de maneira correta. Agora, é esperar que se consiga, com o apoio das polícias Militar e Federal e, até, das Forças Armadas, retirar os garimpeiros das áreas dos povos originários. O senador Hamilton Mourão, um general que sabe das coisas, está equivocado ao postular que a retirada dos garimpeiros é “hipocrisia”. Não é. O que se está colocando em primeiro lugar é a preservação de vidas, e não o interesse econômico dos garimpeiros, dos empresários que os apoiam e, inclusive, de traficantes de drogas que agem no local, em parceria, direta ou indireta, com os que extraem ouro (e vendem madeira).

Pessoas ingênuas, que vivem no mundo da lua, acreditam que Lula da Silva, ao apoiar Rodrigo Pacheco (PSD) para presidente do Senado e Arthur Lira (pP) para presidente da Câmara dos Deputados, cometeu “equívocos” políticos. Teria se aliado a “reacionários”. O deputado seria integrante de um grupo fisiológico.
Na verdade, aceitando que a vida é de um realismo cruel, Lula da Silva mostrou habilidade política. O país está conflagrado — menos nas ruas e intensamente nas redes sociais — e o presidente precisa governar num ambiente de relativa paz. Sem o apoio dos presidentes do Senado e da Câmara, e com uma oposição radicalizada, o petista correria o risco de passar quatro anos “atado”, inclusive com dificuldade para aprovar seus projetos.

Arthur Lira não é e nunca foi bolsonarista — era e é governista. Desde sempre. Trata-se de um político altamente pragmático e Lula da Silva sabe negociar com ele. Sua vitória, obtida com o apoio do presidente, vai render frutos para o governo. Certo, as pressões vão continuar, mas são típicas da democracia e do mundo real.
Lula da Silva atuou como expert em política ao apoiar Arthur Lira porque se trata de um homem real, não de um homem ideal — que não existe na vida, ao menos não no Congresso. Os dois são profissionais, embora o político de Alagoas não caiba no perfil traçado por Max Weber. O parlamentar está na Câmara, não vai sair de lá e teria sido eleito mesmo se o presidente não o tivesse apoiado.
Sem o apoio de Lula da Silva, Arthur Lira se tornaria um calo permanente no seu sapato, como Eduardo Cunha foi no da ex-presidente Dilma Rousseff. Como se disse, haverá pressões, dado o empoderamento do presidente da Câmara, mas o presidente da República soube se posicionar para reduzir danos.

Rodrigo Pacheco é um político mais moderno do que Arthur Lira mas não é um articulador de primeira linha (é meio burocratão, lento). Tanto que, na hora agá, Lula da Silva teve de “entrar” em campo, ainda que sem sair do Palácio do Planalto, para garantir sua vitória.
Ao garantir a vitória para Rodrigo Pacheco — por 49 a 32 votos —, Lula da Silva assegurou sua própria governabilidade. O petista-chefe derrotou, na Câmara e no Senado, o bolsonarismo. Não está errado quem fala em terceiro turno. O bolsonarismo tencionou com o objetivo de tentar enfraquecer a gestão do petista. Não deu certo porque o presidente é um profissional.
Lula da Silva é tão profissional que, doravante, certamente vai tentar atrair parte do PL para o governo, tanto para facilitar sua vida no Senado e na Câmara quanto para enfraquecer o bolsonarismo. A ligação de Michelle Bolsonaro com o PL, sinalizada por Valdemar Costa Neto, que não consegue “viver” sem o governo, indica que o político está se sentindo enfraquecido, dentro do partido, pelas tropas bolsonaristas. Teme, por certo, perder o controle do PL para os aliados de Bolsonaro.

Entretanto, se Lula da Silva dividir o partido, atraindo alguns de seus membros com a oferta de cargos qualitativos, é muito provável que Valdemar Costa Neto aproxime o PL do governo (se não se ligar ao petista-chefe, Valdemar Costa Neto tende a perder o partido para o bolsonarismo. Por isso seu pacto faustiano com Bolsonaro tende a ser rompido). Daqui para frente, direta ou indiretamente, o presidente tende a atrair senadores e deputados do PL para outros partidos de sua base — como o PSD. Desmobilizar o bolsonarismo inteiramente não é possível, mas pode-se enfraquecê-lo — isolando-o no Congresso.
O presidente, possivelmente via Arthur Lira, vai “cativar” o pP daqui para frente. Atrair o pP, ampliando a força do governo federal no Congresso, é outra maneira de enfraquecer e isolar o bolsonarismo. E, claro, de governar com alguma paz.
Do ponto de vista estritamente político, as jogadas de Lula da Silva têm sido de mestre. Irretocáveis.
Na questão do meio ambiente, convocando o mundo para apoiar o Brasil, Lula da Silva também está agindo com correção. Se todos querem salvar a Amazônia, como Alemanha e Noruega, então é salutar que enviem recursos financeiros e que o país os receba.
Opinião sobre a Ucrânia beira o amadorismo diplomático

Mas nem tudo são flores. Há também ervas daninhas no sendeiro de Lula da Silva. No encontro com o chanceler alemão Olaf Scholz, há poucos dias, numa formulação equivocada, o presidente disse, ao comentar a invasão da Ucrânia pela Rússia, que, “quando um não quer, dois não brigam”.
Em 1º de setembro de 1939, a Alemanha invadiu a Polônia, que, mesmo não querendo briga, sofreu um ataque brutal e o país foi dividido entre o país nazista e a União Soviética comunista de Ióssif Stálin. O mesmo ocorreu agora: a Ucrânia não queria briga com a Rússia de Vladimir Putin, porque não tem os mesmos recursos militares e financeiros do país vizinho. Ainda assim, foi invadida. Por isso teve de reagir. Não há notícia de que a Ucrânia tenha enviado soldados, com tanques e aviões, para invadir a terra de Púchkin e Anna Akhmátova.
Lula da Silva quer ficar bem com a Rússia, produtora de fertilizantes, e com a Ucrânia ao defender um caminho alternativo? É possível. Mas sua fala é brutal. Sua humanidade com os yanomamis não é a mesma com a qual lida com os ucranianos (cujo país está sendo destruído). As estatísticas ainda não são precisas, mas uma reportagem da BBC de Londres informa que já morreram 100 mil militares e 40 mil civis ucranianos na guerra. O petista critica Bolsonaro por causa da quantidade de mortes em decorrência da pandemia do novo coronavírus, mas, até agora, não se condoeu das mortes no país de Nikolai Gógol, Mikhail Bulgákov e Liev Trótski. Quem está elaborando os “textos” do gestor brasileiro seria um nostálgico do comunismo russo-soviético? Talvez não. O mais provável é que o presidente, querendo ser realista — mantendo pontes comerciais com os países —, esteja absorvendo informações de segunda categoria.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defende a reindustrialização do país. Para tanto, os industriais vão precisar de apoio do governo federal, via, por exemplo, o BNDES. Porém, se o banco se concentrar em emprestar dinheiro para países da América Latina e da África, haverá dinheiro suficiente para alavancar empresários brasileiros?

E, se o Brasil emprestar dinheiro, os países receptores, como Venezuela e, sobretudo, Cuba, terão condições de ressarci-lo? Agentes do governo frisam que o governo estará financiando empresas brasileiras em outros países. Porém, no caso de Cuba, para ficar no exemplo mais gritante, o que se sabe é que o país do Caribe não tem recursos financeiros para pagar aqueles que o financiam. Portanto, quem emprestar dinheiro para Cuba tem de saber que será a fundo perdido.
Lula da Silva não é comunista — é democrata — mas a defesa que faz de Cuba (e da Nicarágua), uma ditadura cruenta, é estranhíssima. Como pode um democrata ter simpatia por uma ditadura? Outro equívoco do presidente patropi: o país da dinastia Castro é pobre não por causa do chamado “embargo americano”, e sim porque não tem dinheiro para ir às compras no mercado internacional.