O presidente ideal, as Forças Armadas, os eleitores indecisos e a democracia
11 julho 2021 às 00h00
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Os indecisos superam Lula da Silva e de Bolsonaro. Mas quer o centro? Já a democracia precisa ser bem-cuidada, assim como as Forças Armadas merecem respeito
O partido Democratas, presidido pelo ex-prefeito de Salvador ACM Neto, divulgou uma pesquisa do Ipsos que traça o perfil do “presidente ideal”, na opinião dos eleitores brasileiros.
Na visão dos eleitores, o postulante deve ser homem e precisa ter de 40 a 60 anos — o que sinaliza, por certo, experiência e maturidade. O candidato também deve ser honesto, ser politicamente experimentado e precisa se comunicar de maneira inteligível.
Políticos que foram ou são acusados de corrupção, portanto, devem colocar as barbas de molho. O ex-presidente Lula da Silva pode disputar eleição presidencial em 2022, com a aprovação do Supremo Tribunal Federal.
Mas a ampla investigação dos governos do PT, de Lula da Silva a Dilma Rousseff, deixou patente que houve corrupção. Tanto que, processados judicialmente, políticos, executivos e empresários — notadamente empreiteiros — devolveram dinheiro ao Erário. Aliás, se há uma “grita” contra a Operação Lava Jato — no Brasil quem investiga as elites acaba sendo esmagado, adiante, por elas? —, por que não se critica a imprensa, que divulgou maciçamente as denúncias de corrupção? Se a Lava Jato estava “errada”, a imprensa, que lhe deu amparo, também “estava”. Afinal, havia ou não um pacto, quem sabe faustiano, entre procuradores da República e jornais, revistas e emissoras de televisão?
Só uma pessoa mal-intencionada — ou então um militante ideologizado — pode negar que não tenha existido corrupção, e farta, nos governos do PT. Muitos políticos, tanto do PT quanto do MDB (de Geddel Vieira Lima), do PP (de Ciro Nogueira, hoje aliado de Bolsonaro), do PL (de Valdemar Costa Neto, hoje aliado de Bolsonaro) e do PTB (de Roberto Jefferson, hoje aliado de Bolsonaro), se locupletaram às custas do Erário.
A pesquisa sugere que os eleitores não querem votar em políticos inexperientes em termos administrativos. Em 2018, depois do cansaço com políticos de esquerda, que haviam chafurdado no lamaçal da corrupção, milhões de votantes elegeram Jair Bolsonaro para presidente da República. Os dados atuais sugerem que, dada a falta de experiência do gestor — que não se está provando como gestor —, os eleitores querem um administrador com experiência. Frise-se, porém, que as pesquisas de intenção de voto mostram Lula da Silva — que governou o país por oito anos, em tempos de bonança consumista — em primeiro lugar e Bolsonaro em segundo lugar, mas este em processo de “derretimento”. O presidente, mesmo derretendo, segura a ascensão de um candidato do centro. De alguma maneira, mesmo que não seja a intenção, Bolsonaro “ajuda” o postulante petista, ao, ficando em segundo lugar, segurar uma possível ascensão de um candidato de centro. Um presidenciável moderado, se percebido como possível adversário competitivo contra Lula, pode acabar crescendo. Entretanto, Bolsonaro, ao menos no momento, não cresce e “não” deixa ninguém crescer. Indireta e paradoxalmente, ajuda Lula da Silva.
A pesquisa Ipsos informa que os eleitores querem um candidato — ou candidatos — que seja “cristão”, “conservador” e “do povo”. Costuma se dizer que a voz das ruas é a voz a ser ouvida. Mas é provável que, ante o radicalismo de Bolsonaro e os problemas gerados pelo PT, os eleitores talvez estejam mesmo é à procura de um candidato “equilibrado”. Fica a ressalva de que, se querem um candidato conservador, o que explica Lula da Silva em primeiro lugar em todas as pesquisas de intenção de voto? O petista é de esquerda, não da radical, e sim da moderada, aproximando-se da socialdemocracia.
A pesquisa ressalta que o candidato precisa ter capacidade para liderar e ter uma percepção aguçada para aqueles que são mais pobres e desassistidos. É provável que, neste momento, Lula da Silva esteja sendo visto, ao menos em parte, como tal candidato, porque, no seu governo, criou o programa Bolsa Família. A eleição presidencial de 2022 será disputada daqui a um ano, dois meses e vinte dias. Bolsonaro terá tempo de ampliar os programas sociais, para atender os carentes, e adequar a política econômica para aumentar o consumo da classe média? Talvez sim, talvez não. Com um economista liberal no Ministério da Economia, Paulo Guedes — que parece ter escassa visão política —, é provável que o presidente não consiga promover mudanças sociais substanciais.
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Centro quer “desidratar” Bolsonaro
Uma pesquisa da Quaest Consultoria sugere que um candidato de centro pode crescer na disputa para presidente da República. No levantamento espontâneo, os indecisos somam 57%, superando Lula da Silva, com 21%; Bolsonaro, com 18%; e Ciro Gomes (PDT), com 1%.
A pergunta é: por que um candidato de centro não chega perto de Lula da Silva e Bolsonaro? Talvez porque ainda não sejam suficientemente conhecidos. Mas pode ser também porque não são avaliados positivamente. Seriam mais do mesmo, quiçá. O fato de se ter 57% de indecisos não significa que votos deles vão migrar, necessariamente, para um postulante centrista.
Ciro Gomes (PDT) e João Doria (PDSB) adotaram uma tática semelhante: estão concentrando artilharia em Bolsonaro. Porque acreditam, e com razão, que, desidratado, o presidente pode cair para terceiro lugar, abrindo espaço para um candidato de centro, como o governador de São Paulo, e de centro-esquerda, como o ex-governador do Ceará. Portanto, antes de lutarem para se aproximar de Lula, precisam retirar Bolsonaro do páreo.
É possível? Até é. Mas não será fácil. Mesmo em crise, Bolsonaro mantém um capital eleitoral relativamente alto, com a possibilidade de conquistar mais apoio na classe média, à medida que se começar a campanha, com os ataques, possivelmente brutais, a Lula da Silva — que, certamente, caracterizado como “corrupto” e “ex-presidiário”. Dependendo do marketing, se mais informativo do que agressivo, poderá ter algum efeito, notadamente na classe média, cuja “moral” parece mais à flor da pele.
O problema é que, se Bolsonaro se desidratar muito e o centro não crescer de acordo com suas expectativas, Lula da Silva pode cristalizar-se na liderança, deixando os adversários muito atrás, e ganhar no primeiro turno.
A pesquisa da Quaest Consultoria mostra que 41% dos entrevistados — no total foram ouvidos 1500 eleitores em todo o país — querem que Lula da Silva seja eleito presidente. Já 24% preferem Bolsonaro. “Nem um nem outro” superou o presidente, com 31%, ficando em segundo lugar. Ciro Gomes aparece com 11%. João Doria tem 7%, Luiz Henrique Mandetta (DEM) tem 6% e Eduardo Leite (PSDB) tem 4%, Rodrigo Pacheco (DEM) e Tasso Jereissati (PSDB) têm 3%.
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Seguidores de Bolsonaro sustentam ruína do presidente
Todas as pesquisas sugerem que Bolsonaro vai “mal” e que, se continuar caindo, poderá não ir para o segundo turno, sendo superado por um candidato de centro. Há, inclusive, a possibilidade de Lula da Silva, se não surgir outra alternativa, liquidar a fatura já no primeiro turno.
Se Bolsonaro vai mal, se sua comunicação é desconectada da maioria dos brasileiros — fica-se com a impressão de que o presidente prega para os convertidos, o que não atrai novos eleitores —, por que seus aliados não lhe dizem para corrigir os rumos do governo e de seu marketing político e pessoal?
Se o governo é mal avaliado, ainda que a economia do país tenha voltado a crescer, por que os aliados insistem que Bolsonaro está certo em tudo? Porque falta visão política e realismo à maioria de seus apoiadores. Se eles pressionassem o presidente, se sugerissem novos rumos — como a vacinação em massa desde o início e uma abertura comercial com todos os países, independentemente de ideologias (dinheiro não é capitalista nem socialista) —, é provável que seu governo estivesse mais bem avaliado.
Portanto, pode-se dizer que, de alguma maneira, os apoiadores de Bolsonaro, por falta de senso crítico e incapacidade de avaliar o quadro real do país, ao não perceberem com nitidez o desgaste do governo federal — atribuindo “tudo” à solércia da imprensa e das oposições —, são também responsáveis, ainda que de maneira indireta, pela ruína de sua imagem pública. Os melhores apoiadores são os críticos — os que não temem a verdade — e não são meros seguidores fanatizados.
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Por que empurrar as Forças Armadas pra Bolsonaro?
As Forças Armadas do Brasil, depois do longo aprendizado de como termina uma ditadura — o presidente Ernesto Geisel disse que decidiu “matá-la” porque havia virado uma “bagunça” —, com os civis que a apoiaram saindo de fininho e deixando o desgaste exclusivamente para os militares, se tornaram democráticas. A rigor, não querem golpe militar nem ditadura. Ao mesmo tempo, como conjunto, é composta de pessoas decentes, em sua larga maioria. Não estão contaminadas pela corrupção. Há problemas, claro, mas são pontuais.
Portanto, quando se criticar integrantes das Forças Armadas, é preciso singularizar a denúncia, explicitando os nomes dos indivíduos, e não caracterizando o problema como se fosse da Aeronáutica, do Exército e da Marinha, ou seja, as instituições devem ser preservadas.
Ao notar que militares podem ter se corrompido no Ministério da Saúde — e o comandante da Marinha, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior está correto quando sublinha que investigação não é decisão judicial —, o presidente da CPI da Pandemia, senador Omar Aziz, um político moderado e equilibrado, a rigor, não atacou as Forças Armadas. Entretanto, o que se disse pode mesmo ser interpretado como os comandantes perceberam, ou seja, que os militares da área de saúde podem ter contaminado as Forças Armadas. O que, claro, não é um fato. Até porque, no Ministério da Saúde, não estão como representantes da Aeronáutica, do Exército e da Marinha, e sim do ministro da Saúde e do presidente da República.
No afã de defender a democracia, que precisa mesmo ser defendida, muitos decidiram se opor a uma nota das Forças Armadas, que soou como advertência e, sobretudo, ameaça. Pode mesmo ser uma ameaça? Talvez sim. Mas também pode ser apenas uma manifestação de irritação com um tipo de crítica “infundada”.
O que os democratas precisam entender, como defensores da legalidade, é que o enfrentamento com os militares não é positivo. É adequado que todos se moderam — tanto os civis quanto os generais, brigadeiros e almirantes. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, mostrou-se à altura das instituições que representa, ao defender a democracia e, ao mesmo tempo, não atacar as Forças Armadas.
Há um aspecto pouco exposto pela imprensa — que tem razão em criticar o “excesso” dos militares, ao divulgarem uma nota que não tem como não ser interpretada como ameaça num país que viveu sob uma ditadura por 21 anos. O Brasil se livrou do regime discricionário há apenas 36 anos. A democracia é uma planta jovem no Brasil — se fosse uma pessoa ainda nem poderia ser vacinada.
O aspecto, crucial, é: só Bolsonaro ganha com o enfrentamento entre políticos e Forças Armadas. Se dependesse do presidente — não custa lembrar que o deputado federal Eduardo Bolsonaro, seu filho e porta-voz, disse que, para fechar o Supremo Tribunal Federal, basta um soldado e um cabo —, é provável que as Forças Armadas o apoiariam numa aventura golpista, para transformá-lo no Perón (ou Putin) brasileiro. No entanto, os militares não querem saber de golpe. Entretanto, se acuados, tanto pelos políticos quanto pela imprensa, podem começar a avaliar que Bolsonaro tem razão.
Entre os intelectuais e jornalistas, há os que dizem que a democracia brasileira é sólida e que não há mais espaço para ditadura no mundo. Bolsonaro, se se vestir de ditador, não teria apoio de outras nações. Será? A China e a Rússia são, afinal, Disneylândias ou Hades da democracia? Estados Unidos, Japão e Alemanha — o primeiro, o terceiro e o quarto países ricos do mundo — deixam de negociar com a China de Je Jinping e a Rússia de Vladimir Putin porque os dois países não são democracias clássicas (a China é uma ditadura comunista e a Rússia é uma democradura que mistura comunismo e czarismo)? De maneira alguma.
Às vezes a democracia soçobra quando menos se espera. A Alemanha de Bach, Beethoven, Goethe e Heine se tornou uma ditadura nazista (a de Adolf Hitler), entre 1933 e 1945, num, por assim dizer, piscar de olhos. Assim como a Itália de Dante e Leopardi embarcou — solene e alegremente — na aventura fascista de Benito Mussolini.
O mundo mudou muito, rumo à democracia, mas os recuos históricos são possíveis. Porque o futuro não está dado, não existe. Portanto, pode ser “melhor” ou “pior”.
Cautela, caldo de galinha e realismo não fazem nenhum mal nestes tempos covídicos. Pelo contrário, fortalecem a democracia — que é uma planta que precisa ser cuidada todos os dias. Para não fenecer e — dando lugar à erva daninha, quer dizer, à ditadura. As Forças Armadas podem ser aliadas contra possíveis projetos autoritários de Bolsonaro. Elas querem, podem e devem ficar ao lado dos democratas. Por que empurrá-las para aventuras das eternas vivandeiras, como Bolsonaro? Coragem, inclusive nas críticas, só vale mesmo quando amparada no realismo e numa percepção mais aguda das circunstâncias.