A disputa pelo apoio do governador Ronaldo Caiado mostra como a eleição pela prefeitura da capital resulta da “estadualização” da política municipal

Iris Rezende e Ronaldo Caiado: mais do que “cabos”, são dois “generais” eleitores na disputa da Prefeitura de Goiânia| Foto: Jackson Rodrigues

A política é a arte de superar conflitos por meio do consenso. Mas não todos os conflitos. Porque a democracia, que não prescinde de oposição, pressupõe a divergência, que, no lugar de travar, leva a sociedade adiante. Cabe aos eleitores decidirem pelos propósitos que avaliarem como mais adequados.

No momento, assiste-se a uma batalha política pela Prefeitura de Goiânia, a cidade mais importante de Goiás — com 1,5 milhão de habitantes e quase 1 milhão de eleitores. O que acontece na capital reverbera no interior. Trata-se, portanto, do grande laboratório político não só para as demais cidades quanto para a disputa do governo do Estado. Joga-se, a partir do município criado por Pedro Ludovico em 1933, os destinos estaduais. E vice-versa.

Costuma-se postular que Goiânia não elege o candidato “do” governador. Parece ser uma regra rígida, mas normas são, em política, costumeiramente quebradas. Na eleição deste ano, assiste-se a uma mudança de rota: os principais pré-candidatos, Maguito Vilela, do MDB, e Vanderlan Cardoso, do PSD, querem o apoio do governador Ronaldo Caiado. O motivo é o mais prosaico possível: mesmo o País atravessando uma crise recessiva, que afeta todos os Estados e municípios, o líder do partido Democratas permanece muito bem avaliado pelos eleitores. Pode-se sugerir que aqueles que querem ser bancados por Ronaldo Caiado o percebem como o “eleitor basilar”, aquele que, estando na campanha, pode fazer a diferença.

Este Editorial vai mostrar, a seguir, parte do que está acontecendo, denotando as principais novidades das articulações.

O articulador

Um dos principais fatos da eleição de Goiânia é que, de alguma maneira, está “passando” pelas mãos do governador Ronaldo Caiado. Há uma batalha, notadamente entre os dois favoritos, Maguito Vilela e Vanderlan Cardoso, para obter o seu apoio. Tanto que os dois conversaram com o gestor estadual.

Ronaldo Caiado é bem avaliado pelos goianos, pelos goianienses. É visto pela sociedade como um gestor eficiente, honesto e preocupado com a vida das pessoas. Por isso querem o seu apoio. Mas, ao contrário de outros tempos, a negociação política de agora tem outro matiz: seu caráter republicano. Fala-se em troca de apoio político: aquele que obtiver o apoio do líder do Democratas agora o apoiará na disputa da reeleição em 2022. Tal jogo é perfeitamente lícito, porque a articulação política é isto mesmo: uma troca de apoio. Em nenhum momento se falou de oferta de cargos e outras coisas. Na pauta das discussões está fincada a alta política. Os métodos mudaram e talvez os eleitores, ao aprovarem a gestão e o próprio gestor, estejam percebendo isto mais do que os próprios políticos.

Uma coisa é certa: a política de Goiânia gira em torno de Ronaldo Caiado, um articulador político de rara habilidade. O MDB de Maguito Vilela e o PSD de Vanderlan Cardoso, que aceitaram o diálogo com o governador, não têm como negar a evidência.

Pode-se dizer que Ronaldo Caiado é um político solar.

O avalista

Não se constrói o novo político consistente sem a experiência dos que vieram antes. Com quase 87 anos, o prefeito de Goiânia, Iris Rezende (MDB) — que liderava as pesquisas de intenção de voto —, desistiu da reeleição. O gestor municipal possivelmente avalia que cumpriu sua missão e, portanto, pode fechar seu ciclo histórico em Goiânia. De fato, o que ele mais ama fazer na vida é política. Não a política pela política. Mas sim a política que leva à gestão pública de qualidade, a serviço da sociedade. Trata-se de um gestor público da linhagem modernizadora de Juscelino Kubitschek, Pedro Ludovico, Mauro Borges e Irapuan Costa Junior (criador do Daia, o distrito industrial de Anápolis).

Mesmo tendo se afastado da disputa, Iris Rezende tem uma importância política imensa na capital. Aquele que conquistar seu apoio — para além da mera gravação de vídeos — passa a ter um capital eleitoral a mais, um reforço de peso inestimável. Assim como Ronaldo Caiado, o prefeito é um grande avalista.

Digamos que, ante o governador Ronaldo Caiado, Iris Rezende se apresente como “avalista” de Maguito Vilela. O que ocorre? O diálogo ganha credibilidade e confiabilidade.

Além do aval, numa possível aliança com Ronaldo Caiado, há outro: o aval perante os eleitores de Goiânia. De algum modo, Iris Rezende se tornou um símbolo de Goiânia, tal a sua identidade com a cidade. Ele conta, e muito. Transfere voto, portanto, mas só se o eleitor perceber que está realmente motivado com aquele que está apoiando. Mas não pode ser um apoio pro forma.

Vilmar Rocha: articulação no PSD passa por sua autoridade política e gestora | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

No PSD, o avalista de qualquer acordo, seja com Caiado ou com o MDB, é Vilmar Rocha. O ex-deputado federal é quem realmente comanda o partido em Goiás e não abre mão de sua autoridade. Ligado desde sempre ao presidente nacional do partido, Gilberto Kassab, trabalha para que as articulações passem pelas vias partidárias, e não por outsiders. O jogo dele é tão lícito quanto o dos demais.

2022 já chegou

É praxe que a eleição municipal seja uma espécie de laboratório da eleição estadual. Entretanto, a questão acirrou-se. A eleição para governador será realizada daqui a dois anos e um mês. Parece distante, e de certa maneira é. Mas não para políticos. Por isso 2020 tem sido usado na tentativa de constituir novas bases, com musculatura reforçada, para a disputa de 2022. Há quem esteja de olho em 2020, quer dizer, os políticos de mera posição municipal. Mas políticos “estadualizados” estão de olho tanto em 2020 quanto em 2022.

Com um governo bem avaliado, sem tropeços — a crise econômica não tem origem estadual (pelo contrário, a economia em Goiás vai bem, graças, em larga medida, ao sucesso sedimentado do agronegócio) —, Ronaldo Caiado tende a ser reeleito. Tende é a palavra. Todo governo, por melhor que seja, tem desgaste e não consegue atender todas as expectativas dos eleitores — cada vez mais exigentes. Por isso, o governador opera, com rara habilidade, no reforço de sua base política. De um lado, age para conquistar novos aliados. De outro, atua para retirar possíveis adversários do páreo e, também, isolando outros. Uma aliança com o senador Vanderlan Cardoso é útil por dois fatores. Primeiro, elimina-se um adversário de 2022 (Vanderlan adiaria seu projeto para 2026). Segundo, trava uma aliança entre o senador e o grupo do MDB. Já uma aliança com Maguito Vilela tanto retira Daniel Vilela da disputa para o governo quanto impede uma aliança do MDB com Vanderlan Cardoso em 2022. Ninguém deve se escandalizar: isto é política. Até alta política.

Vanderlan Cardoso: o senador do PSD é um dos favoritos para prefeito de Goiânia| Foto: Jane de Araújo/Agência Senado

Por outro lado, aquele que se aliar a Ronaldo Caiado se tornará o principal postulante à Prefeitura de Goiânia. O apoio do governador pode ser aquele empurrãozinho que falta(va) para o candidato “x” se eleger. Maguito Vilela e Vanderlan Cardoso, raposas políticas, sabem disso. Mais: se Iris Rezende entrar no páreo, de maneira firme, será um grande padrinho para Maguito Vilela. Se Ronaldo Caiado não entrar no páreo, em prol de Vanderlan Cardoso, o postulante do PSD ficará sem padrinho consistente, do ponto de vista eleitoral, na capital. Ronaldo Caiado, insistamos, é, ao lado de Iris Rezende, o diferencial na capital goiana.

Maguito Vilela e Vanderlan Cardoso

Na eleição de 2018, os eleitores decidiram, como se fossem agentes de um inconsciente coletivo, renovar a política patropi. Derrotaram figuras consagradas e elegeram novos personagens. Dois anos depois, os eleitores não parecem muito satisfeitos. Quem imaginaria que a direita, a esquerda e o centro, com apoio até de magistrados e procuradores de justiça, e inclusive de parte da imprensa, se uniriam para “liquidar” a Operação Lava Jato, lutando, de maneira desarvorada, para criminalizar não mais os corruptos, e sim aqueles — procuradores de justiça — que combateram a corrupção de maneira competente, tenaz e intimorata?

Maguito defende conciliação no MDB
Maguito Vilela, ex-governador: o possível grande rival do senador Vanderlan Vieira Cardoso em Goiânia | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

O presidente Jair Bolsonaro comemora sua popularidade, e com razão. Mas qualquer pesquisador sério sabe que está na margem de risco. Se surgir um candidato consistente, que possa derrotá-lo — hoje nem Lula da Silva o derrotaria —, os eleitores podem trocar de lado. A tendência é que o segundo turno de 2022 seja muito difícil para Bolsonaro, dada a possibilidade de formatação de uma frente ampla contra ele. A imprensa frisa que o presidente buscou o apoio do centrão para governar, e é isto mesmo. Mas é muito mais: Bolsonaro já está pensando numa aliança política para 2022. A crise econômica — o País continua sem crescer — e a pandemia do novo coronavírus, com seus mais de 125 mil mortos, podem desequilibrar a disputa, e talvez contra o presidente, que, de fato, é mais hábil do que pensam seus adversários, inclusive na imprensa.

Na disputa de Goiânia, este ano, os eleitores estão optando pela experiência. Por que a renovação de 2018 não foi tão renovadora assim? Em parte, sim. Mas o fator Iris Rezende talvez seja o responsável pelos eleitores estarem, ao menos neste momento, optando por políticos mais experimentados, como Maguito Vilela e Vanderlan Cardoso.

Se a administração de Iris Rezende é eficiente, se “não deixa a peteca cair” — a expressão é usada com frequência pelas pessoas —, a tendência é que os eleitores optem pela continuidade. Não é à toa que Vanderlan Cardoso e Maguito Vilela tenham sido prefeitos de duas cidades da Grande Goiânia — Senador Canedo e Aparecida de Goiânia — e terminaram seus mandatos muito bem avaliados. Os eleitores da capital, por certo, sabem de suas trajetórias nas cidades vizinhas. É um poderoso capital eleitoral.

Há evidências, de acordo com as pesquisas, de que os eleitores não querem apostar em candidatos pirotécnicos, desses que prometem o Céu na Terra. É provável que os eleitores nem cheguem a avaliar os candidatos novos, rejeitando-os não por seus defeitos, mas pelo único fato de não terem experiência administrativa e serem desconhecidos. Como se tornarão conhecidos? Um marketing político eficiente pode sedimentá-los no imaginário popular em pouco tempo? Talvez sim — o mais provável é que não.

Novos atores da política
Daniel Vilela e Gustavo Mendanha: os dois são a cara do novo MDB em Goiás | Foto: Reprodução

Assiste-se, no momento, à presença de uma nova geração de políticos atuando em todo o Estado e, claro, em Goiânia. A principal revelação é Gustavo Mendanha, prefeito de Aparecida de Goiânia. Ele cresceu à sombra de Maguito Vilela, mas se descolou e hoje tem luz própria, mas sem se afastar de seu modelo político, exatamente o ex-governador, seu mestre inclusive na arte da diplomacia.

Mendanha articula com desenvoltura, mas não teria se consolidado como um político referencial se não fosse também um gestor eficiente e moderno. Nas mãos de Maguito Vilela, Aparecida avançou. Sob Mendanha, avançou ainda mais, especialmente no campo tecnológico. A Aparecida, que chegou a ser vista como cidade-dormitório — centenas de pessoas trabalhavam em Goiânia e voltavam para dormir na cidade —, hoje é modelo para os demais municípios goianos, com serviços de qualidade e o uso da tecnologia para facilitar a vida (e a segurança) de seus moradores.

A consolidação política de Mendanha extrapolou Aparecida. Hoje, articula em Goiânia e no Estado. A recém aproximação do vilelismo com Ronaldo Caiado, dando frutos ou não, tem o dedo, hábil e diplomático, do jovem prefeito.

No MDB, há um jovem operando em todo o Estado. Trata-se de Daniel Vilela, presidente do partido. Ele está moldando o emedebismo e o que se vê é uma legenda renovada no Estado. Com menos de 40 anos, está se preparando para disputar o governo ou, dependendo das alianças de 2020, o Senado em 2022.

Dos líderes emedebistas, Daniel Vilela é o único que está articulando em todo o Estado, e não apenas em Goiânia. Na capital, o principal articulador é Maguito Vilela.

Lissauer Vieira, presidente da Assembleia Legislativa de Goiás, ao lado do governador Ronaldo Caiado: cotado para voos mais altos | Foto: Felipe Cardoso/Jornal Opção

O presidente da Assembleia Legislativa de Goiás, Lissauer Vieira, é outro jovem player. Tratava-se, até a ascensão a dirigente do Parlamento estadual, de um político unicamente do Sudoeste goiano. Agora, estadualizou-se. Tanto que é cotado para disputar mandato de deputado federal. Comenta-se também que pode ser o vice de Ronaldo Caiado em 2022. O fato é que seu nome está no jogo. Na recente operação política de Vanderlan Cardoso em Goiânia, o deputado atuou, com discrição, para se chegar a um acordo político-eleitoral.

Alexandre Baldy, com 40 anos de idade, é outro player. Firme no comando do PP, está articulando em todo o Estado e em Goiânia. Na disputa da capital, tem o que oferecer tanto aos eleitores quanto aos aliados políticos. O Progressistas tem três nomes para a disputa da Prefeitura de Goiânia: Joel Santana Braga, irmão de Baldy, o deputado estadual Rafael Gouveia e o ex-deputado federal Sandes Júnior. Pesquisas feitas por institutos sérios mostram que Sandes Júnior é o único que se aproxima tanto de Maguito Vilela quanto de Vanderlan Cardoso. Seu capital político é alto na capital. O PP pode lançar candidato a prefeito ou então o vice de um dos principais postulantes.

Alexandre Baldy, ex-deputado federal e ex-ministro das Cidades: um dos players da política de Goiás | Foto: Fábio Costa/Jornal Opção

Terceiro deputado federal mais votado em 2018, Zacharias Calil é um político relutante, um político não-político. Tem mostrado eficiência na Câmara dos Deputados, não se envolve em esquemas e, se disputar a Prefeitura de Goiânia, pode até não ganhar, mas dará um trabalhão para os apontados como favoritos. O problema de Calil, como político, é que não almeja a liderança. Aquele que pretende ocupar cargos majoritários tem de articular, dialogar com várias forças políticas. Não é o caso dele, que está satisfeito como deputado. Seu próximo projeto é disputar mandato de senador, em 2022. Mas é o coelho na cartola do Democratas em Goiânia.

Destoando do “Clube do Bolinha”, há a deputada estadual Adriana Accorsi, pré-candidata a prefeita pelo PT. Pode-se sugerir que, ao menos hoje, o PT mais a atrapalha do que ajuda. Pesquisas mostram que apenas Maguito Vilela, Vanderlan Cardoso e Sandes Júnior superam Adriana Accorsi. Seus números são positivos. Pode até não ganhar, dada a falta de estrutura política — a disputa em Goiânia cobra alianças amplas —, mas não está no jogo tão-somente para fazer figuração.

Ronaldo Caiado e Zacharias Calil: o deputado é o político não-político | Foto: Divulgação

Já a Dra. Cristina Lopes, uma mulher e política tão admirável quanto Adriana Accorsi, ao se aliar com Magda Mofatto, ficou parecida, em termos políticos, à deputada federal que comanda o Partido Liberal (PL) em Goiás. Mas Magda Mofatto não ficou nada parecida com Dra. Cristina. O pragmatismo da parlamentar está retirando a “pureza” da bela imagem da vereadora, uma política de primeira linha.

Por fim, uma palavra sobre o imponderável. Como disse o notável jogador Garrincha a um técnico: não há a possibilidade de definir táticas e estratégias perfeitas porque é preciso combinar com os russos. Quer dizer, a tática “x” depende do funcionamento da tática “y”.

Adriana Accorsi: em Goiânia acabou por se tornar maior do que o PT, que agora a atrapalha | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Não se sabe exatamente como vão se comportar os eleitores nas eleições deste ano — acredita-se numa alta abstenção — e, embora tenhamos apontado os favoritos, Maguito Vilela e Vanderlan Cardoso, não se sabe como serão avaliados durante a campanha. Por isso é preciso ressaltar que a eleição de Goiânia está aberta. Pode ser que outro nome — ou outros nomes — caia, de repente, nas graças dos eleitores. Portanto, não se deve subestimar Sandes Júnior (ou Rafael Gouveia), Adriana Accorsi, Dra. Cristina Lopes, Major Araújo, do PSL, Virmondes Cruvinel, do Cidadania, Talles Barreto, do PSDB, Wilder Morais, do PSC, Samuel Almeida, do Pros, Felizberto Tavares, do Podemos, Maria Ester, da Rede, Paulinho Graus, do PDT, e Zacharias Calil. O futuro, disse um filósofo, nem a Deus pertence. Isto é, não está pronto. Cabe aos homens escrevê-lo.