A capacidade do jovem tucano de reinventar-se, de não ter uma imagem estática, fácil de ser apreendida e criticada, é um fenômeno ainda pouco examinado por cientistas políticos, jornalistas, sociólogos e historiadores. Ele será governador de Goiás pela quarta vez. Um fato histórico

Marconi Perillo: o jovem tucano, de apenas 51 anos, contornou dificuldades tidas como intransponíveis, colocando a gestão em primeiro plano, e recuperou-se e foi reeleito / Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
Marconi Perillo: o jovem tucano, de apenas 51 anos, contornou dificuldades tidas como intransponíveis, colocando a gestão em primeiro plano, e recuperou-se e foi reeleito / Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Goiás teve grandes governadores, como Couto de Magalhães (1837-1898) e Pedro Ludovico (1891-1979).

O primeiro era presidente da província de Goiás; na época, no século 19, não se falava governador. Ele abriu estradas e trabalhou para criar e ampliar a navegabilidade no Rio Araguaia. No estilo do protagonista do filme “Fitzcarraldo”, do diretor de cinema alemão Werner Herzog, transportou em carros de boi um navio desmontado e o pôs para navegar no Araguaia. Era um homem culto (leitor de Hegel e Kant, professor do, mais tarde, presidente Prudente de Morais) e amigo do escritor Bernardo Guimarães, que foi juiz em Catalão e se consagrou como autor do romance “A Escrava Isaura”. Escrevia livros, falava inglês, francês, alemão e espanhol. Sabia latim e, diretamente com os índios, aprendeu o tupi. Morou em Londres, onde negociou recursos para a construção de uma ferrovia entre São Paulo e Minas gerais. Durante a Guerra do Paraguai, como general e presidente da província de Mato Grosso, pôs as tropas de Solano López para correr, perseguindo-as de maneira destemida e planejada. Era um financista competente (no melhor estilo Joaquim Levy), riquíssimo e espartano. E, humano, era depressivo.

No livro “Couto Magalhães — A Vida de um Homem” (Departamento Estadual de Cultura, 214 páginas, de 1970), o escritor Miguel Jorge anota um comentário, diria Mário de Andrade, interessantíssimo do general, político e explorador (o Livingstone brasileiro): “O administrador de Goiás, mais do que em outras províncias, tem obrigação, ou de pôr a termo a esta longa inanição em que vivemos, ou de largar o cargo e dizer: ‘Não posso’” (o que se esperava do ex-governador Alcides Rodrigues). Não fosse a resistência das elites locais, ele teria mudado a capital da Cidade de Goiás para Santa Leopoldina, à margem do Rio Araguaia. “Longe de prosperar, a cidade de Goiás tem decaído”, disse. “Continuar a capital aqui é condenar-nos a morrer de inanição, assim como morreu a indústria [a do ouro] que indicou a escolha deste lugar”. Observe o leitor que se está falando de um homem que morreu há 116 anos. O médico Hélio Moreira escreveu uma bela biografia romanceada, “Couto de Magalhães — O Último Desbravador do Império” (Kelps, 267 páginas), de um político de rara capacidade de gestão e criação.

Trinta e cinco depois da morte de Couto Magalhães, Pedro Ludovico, enfrentando as mesmas elites que praticamente expurgaram o pioneiro mudancista para a província de Mato Grosso, inaugurou a nova capital, Goiânia, em 1933. Com a mudança, iniciou-se em Goiás, além de um novo ciclo político, com outras elites políticas se estabelecendo, um processo de modernização similar ao modelo nacional de Getúlio Vargas. Às vezes, para um Estado deslanchar, precisa-se de um símbolo. No caso de Goiás, a nova capital é este símbolo. Acrescente-se que, sem Goiânia, dificilmente o presidente Juscelino Kubitschek teria construído Brasília no território goiano. Pode-se dizer que Goiânia é a mãe de Brasília.

Pedro Ludovico e Juscelino Kubitschek pensavam de modos parecidos. Pedro Ludovico percebia que, ao arrancar a capital do controle de grupos conservadores, que aparentavam estar satisfeitos com o baixo crescimento e desenvolvimento de Goiás, estava possibilitando o desenvolvimento regional e cristalizava a ideia símbolo de que as mudanças eram pra valer e incontornáveis. Inaugurava-se, por assim dizer, um novo tempo. JK, ao construir Brasília, estava dizendo ao Brasil que apostava na descentralização do desenvolvimento. Arrancar a capital do Rio de Janeiro, onde as elites nacionais estavam assentadas e distantes do restante do País, não era fácil. Porém, com uma energia e coragem impressionantes, o presidente desafiou os poderosos, inclusive alguns de seus aliados, e construiu a capital que deixou o Brasil com cara de Brasil, não apenas de Rio e São Paulo. A integração do País deve muito à ação do presidente bossa nova.

Corte para o presente

O que, se fosse vivo, Pedro Ludovico diria sobre o governador Marconi Perillo? Bem, como na redação não há especialistas em cartas psicografadas — costumamos dizer que a bola de cristal do jornalista é a razão —, não há como saber. Porém, a partir do que pensava Mauro Borges, que governou Goiás na primeira metade da década de 1960, pode se inferir, ao menos parcialmente, o que seu pai poderia sugerir sobre o tucano-chefe. Certamente o veria como um modernizador, na linhagem do governador que criou estruturas que definiram a expansão da infraestrutura goiana.

Mauro Borges era entusiasta do jovem político Marconi Perillo, que percebia como um modernizador de sua linhagem. Apontado como de esquerda, Mauro Borges não o era. Era, tão-somente, nacionalista, como, aliás, um militar da estirpe de Ernesto Geisel. De certa maneira, Marconi Perillo, como socialdemocrata, é um passo adiante. Quer dizer, não defende o capitalismo ortodoxo, neoliberal, e não segue a cartilha da esquerda, ou seja, não defende que o mercado merece excomunhão. Daí que Marconi preocupa-se com o social, entendendo que o Estado tem o papel de reduzir desigualdades — como sugere o economista francês Thomas Piketty —, porém, diferentemente dos populistas, que são experts em criar currais eleitorais a partir de programas sociais, notadamente os do estilo Bolsa Família, que cria “clientes fixos”, também preocupa-se com a expansão da economia, pondo-se ao lado dos agentes econômicos e mesmo buscando-os para investir em Goiás, por meio de incentivos fiscais.

O programa Bolsa Universitária é social, mas com porta de saída. Formado, o jovem não recebe mais a bolsa, naturalmente, que é repassava para outro estudante. Milhares de jovens pobres puderam estudar e conseguir um espaço adequado às suas esperanças no mercado por terem sido contemplados com os recursos do programa social. Formado e integrado ao mercado, o jovem, como cidadão, não se torna um cliente do Estado, ou melhor, de políticos. Segue a sua vida como quiser.

Claro que o governo de Marconi Perillo também adotou, antecipando o Bolsa Família dos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff, o Renda Cidadã, aliás modelo do programa social do governo federal. Ao contrário do que imaginam os liberais radicais, de corte neoliberal, às vezes não basta dar a vara para o indivíduo pescar. É preciso incluir o peixe. Há, por assim dizer, gerações “perdidas” — às quais cabe ao Estado amparar, e recuperando seus filhos por intermédio da educação. Durante anos, dada uma leitura banalizada do marxismo, viu-se o Estado como mero representante da classe dominante. Por mais que às vezes se “aproxime” das elites, o Estado representa — mais do uma classe, em detrimento de outras — a sociedade. Não raro o Estado tem de salvar os capitalistas do caos que geram para ganhar dinheiro rápido, sem nenhuma responsabilidade social. Isto ocorre no Brasil, na Alemanha, nos Estados Unidos; na verdade, em todos os lugares. O esporte preferido dos capitalistas é malhar o Estado, mas, nas crises, que eles próprios criam — e é uma tolice rematada acreditar que o capitalismo tem condições de funcionar inteiramente dentro de vias legais; só um moralista cego acredita que o capitalismo, com seu gigantismo, pode ser inteiramente institucional, legal —, o convocam, com certa urgência, com seus recursos, para salvá-los. Foi assim com Washington Luís e Getúlio Vargas, entre as décadas de 1920 e 1930, no Brasil, e também com Franklin Delano Roosevelt, nas décadas de 1930 e 1940, e com Barack Obama, nos tempos recentes, nos Estados Unidos.

Como todo estadista, Marconi Perillo não perde tempo com firulas ideológicas e filigranas. É um político objetivo e um gestor eficiente, focado em resultados para os cidadãos, isto é, para o todo, aquilo que podemos nominar de sociedade. Há algum tempo, quando se discutia se era possível construir um hospital de referência na área em o Sarah Kubitschek é visto como insuperável, com alguns acadêmicos dizendo que “sim” e outros sugerindo que “não”, dados os custos, Marconi Perillo construiu o Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo, cuja sigla, Crer, não deixa ser sintomática. Hoje, o Crer é o modelo indicado pelo Ministério da Saúde para Estados que planejam construir unidades de saúde semelhantes.

Na Educação, Goiás consagrou-se em 2014 por ter o maior índice no Ideb (que avalia o ensino básico do País). Em 2012, o primeiro colocado no Enem, Gustavo Henrique, hoje estudante de medicina, era estudante de uma escola pública do Estado.

Poderíamos arrolar outras coisas, mas soa como propaganda, e chegou a hora de falar um pouco do político, que agora pretende ter maior participação na política nacional.
Marconi Perillo tem apenas 51 anos e vai governar Goiás pela quarta vez. Depois de uma série de adversidades, que contornou por ter se dedicado mais à gestão do que à política do conflito, do debate infrutífero com opositores — no lugar de discutir “buracos” nas rodovias, ouvia as críticas e, quando articulou os recursos, mandou tapá-los, ou melhor, praticamente reconstruiu as rodovias, ampliando algumas (recuperou a infraestrutura do Estado) —, o tucano organizou o Estado, recuperou a popularidade e foi reeleito, derrotando, pela terceira vez, um ícone da política local, Iris Rezende, do PMDB. A capacidade do jovem tucano de reinventar-se, de não ter uma imagem estática, fácil de ser apreendida e criticada, é um fenômeno ainda pouco examinado por cientistas políticos, jornalistas, sociólogos e historiadores. Talvez precisem se mais distanciamento.

Trata-se de um político profissional, na linhagem estipulada pelo sociólogo alemão Max Weber. Full time, vive para a sociedade. No momento, assusta o meio político — até seus aliados — porque cada vez mais quer colocar o Estado a serviço do cidadão. Fala em Estado necessário, não em Estado mínimo. Porque tem uma visão mais ampla do Estado, como se disse acima. Comenta-se que o tucano-chefe quer tornar Goiás mais moderno para chamar a atenção do País e se consagrar como um político nacional. Assim, seria candidato a presidente da República, em 2018 ou 2022. Pode ser. Por que não? Chegou mesmo a hora de sonhar mais alto. Porém, esta é uma visão instrumental do jovem político. Na verdade, ele quer construir um Estado mais leve, mais barato para a sociedade, para que sobre dinheiro para fazer investimentos em benefícios da sociedade, do todo. Ele não está contra os políticos. Quer, apenas, que o Estado não sirva apenas a eles e a setores corporativos, e sim, insista-se, à sociedade.

Pelo exposto, e por outras questões não devidamente explicitadas, Marconi Perillo é o político e o homem do ano de 2014 em Goiás.