Justiça deve ser dura com corruptos, mas denunciantes e Imprensa precisam ter cautela

29 setembro 2018 às 19h20

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Nenhum indivíduo deve ser protegido dos tentáculos do Judiciário, mas este, o Ministério Público e a Polícia Federal não devem ser usados politicamente

Determinada pela Justiça, uma operação da Polícia Federal prendeu Jayme Rincon, presidente da Agetop, e outras pessoas, na semana passada. O ex-governador Marconi Perillo, do PSDB, não teve a prisão decretada porque é candidato a senador. Não deixa de ser suspeita uma operação a poucos dias das eleições — sobretudo considerando que o juiz Sergio Moro, da Justiça Federal, decidiu deixar o prosseguimento do processo de Lula da Silva sobre o sítio de Atibaia para depois das eleições. O magistrado não quis “contaminar” o processo eleitoral. O mesmo cuidado não se teve com os “suspeitos” goianos. O objetivo pode ter sido uma tentativa de “enterrar” a candidatura de Marconi Perillo a senador? Não se tem certeza, mas é provável. Seria a “pá de cal política”. A operação poderia ser feita no dia 8 de outubro? Sim, sem prejuízo algum para o processo — sabem advogados e não advogados.
O que se está discutindo não é o processo em si, mas a pressa da operação. Seu “sentido político” parece explícito. Na vida — e não apenas na política —, desde que não se esteja falando de crianças, não há inocência. O realismo domina a vida de políticos, policiais federais, procuradores de justiça, magistrados, advogados e jornalistas. Por mais que exista a “lei”, que deve ser obedecida, as decisões pertencem, no mais das vezes, ao mundo da subjetividade, e não inteiramente da objetividade. A “lei” é a “lei” — uma coisa, por assim dizer, “fria”. Juízes, desembargadores e ministros do STJ e STF seriam quase robôs — aplicando-a mecanicamente. A operação da “lei” se daria quase no piloto automático. O que ocorre na vida real, porém, é outra coisa — daí o surgimento do termo “jurisprudência”. Determinados juízes podem decidir, baseados na mesma lei, de maneiras diferentes. Curiosamente, os dois podem estar certos ou errados. Porque a lei pode ser interpretada, às vezes com mais ou menos rigor, por exemplo. A prisão de Jayme Rincon, de um filho, de um advogado e de um motorista não é ilegal. O que se está discutindo é a oportunidade. A celeridade em prendê-los, a menos de duas semanas das eleições, sinaliza que alguma coisa não está absolutamente certa. Houve uma tentativa de interferir no processo eleitoral e, aparentemente, de modo precipitado. Dado o apoio popular a certas decisões, quase um justiçamento (uma condenação antes do julgamento) para punir “corruptos”, certamente nunca se ficará sabendo o que realmente aconteceu.
Cautela e julgamento
A corrupção no meio político brasileiro é sistêmica — não é ocasional. Por isso, ao desbaratar o esquema de assalto aos cofres públicos, a Operação Lava Jato é altamente meritória e deve ser defendida por todos os brasileiros de bem, inclusive por aqueles que, cobrando um alto padrão dos políticos, nada cobram de si quando trafegam em seus automóveis na contramão, não respeitam a faixa de pedestres, não respeitam sinais de trânsito e dirigem numa velocidade altíssima e comumente letal para si e para outros.
Políticos, empresários, executivos devem ser investigados e, se as denúncias forem comprovadas, devem ser julgados pela Justiça. A Polícia Federal e o Ministério Público Federal — símbolos de alta qualidade e moralidade que ressurgiram no Brasil nos últimos anos — são responsáveis pela investigação e denúncia dos corruptos. Na questão da Lava Jato, apesar de percalços aqui e ali, o trabalho é altamente louvável e irretocável. Mas, ao contrário do que se costuma pensar — sobretudo as figuras radicalizadas, que ganharam expressão nas redes sociais —, nem todos os investigados e denunciados pela PF e pelo MPF são de fato culpados e, por isso, nem sempre são condenados.
Quem deve decidir se uma pessoa é culpada de crime, como corrupção, é a Justiça — representada por juízes, desembargadores, ministros. Depois de examinar a denúncia e conferir a expressão do contraditório, num trabalho exaustivo, é que um magistrado decide se o acusado será condenado ou absolvido. Portanto, enquanto um processo não tiver sido julgado, o adequado é que não se trate o indivíduo como “condenado”. Esperar a decisão da Justiça é prova de civilidade e, sobretudo, de respeito à lei e à convivência democrática. O uso de processos, sobretudo dos inconclusos, para fins políticos contribuem mais para gerar confusão e potencializar o discurso do ódio — e a execração da política — do que para fortalecer a democracia, a iluminação dos problemas e, consequentemente, sua resolução.
O leitor poderá perguntar: o que se está procedendo aqui é uma defesa de Jayme Rincon e de Marconi Perillo? Não é, não. O que se está sugerindo é cautela em relação a todos os indivíduos, independentemente se são políticos ou não. Se os dois forem julgados e condenados, então, que cumpram a pena. Até ações da Justiça podem ser questionadas (e reformadas) — para tanto existe a instância superior —, mas, concluídas, devem ser cumpridas. Respeitar as leis, portanto a decisão dos magistrados, é o caminho preciso para a aceitação de que fora da democracia não há solução, não há alternativa. O que se está propondo, também, é que a lei não seja instrumento do jogo político com o objetivo de destruir “A” ou “B” — não importa quem é a pessoa.
Na prática, o que se está defendendo, neste Editorial, é a Lei e, portanto, o trabalho dos magistrados.
ACM Neto e a Odebrecht
“Medicamento” democrático para não destruir vidas e reputações, a cautela deve ser de uso coletivo. O prefeito de Salvador, Antônio Carlos Magalhães Neto, o ACM Neto, pertence ao partido Democratas e é um dos mais qualificados prefeitos do país. O candidato do DEM a governador de Goiás, Ronaldo Caiado, é seu aliado e amigo — o que não desabona nenhum dos dois.
Quando disputou a eleição para prefeito de Salvador em 2012, ACM Neto teria recebido 2,2 milhões de reais da Odebrecht, segundo delação premiada de André Vital de Melo, ex-diretor da Odebrecht na Bahia. O executivo afirmou que a empreiteira repassou 400 mil reais de maneira legal e 1,8 milhão de reais no caixa 2.
A pedido de ACM Neto, Lucas Cardoso teria recebido os recursos da Odebrecht. “Comuniquei a Lucas que o valor aprovado era de 2,2 milhões de reais e que parte desse valor ia ser pago via caixa 2”, conta André Vital.
Na tabela de propinas da Odebrecht, ACM Neto é nominado de “Anão” — dada sua baixa estatura. O prefeito nega as irregularidades. Ouvido pela imprensa, disse que está “absolutamente tranquilo”.
Ao assumir o governo, ACM Neto decidiu repassar a “requalificação” da orla da Barra, em Salvador, à Odebrecht. O Ministério Público apurou que a Prefeitura investiu, com recursos próprios e federais, 58 milhões de reais na obra. Houve uma troca: a Odebrecht deu dinheiro para a campanha do líder do DEM e o prefeito repassou dinheiro para a empresa? Resta provar a conexão. Na delação premiada, André Vital sugeriu que houve “irregularidades durante o processo licitatório” para beneficiar a Odebrecht. O prefeito contesta a denúncia do ex-aliado. Sua prisão não chegou a ser pedida. Mas comenta-se que a Lava Jato destruiu seu sonho de disputar o governo da Bahia em 2018.
Rodrigo Maia, OAS, Odebrecht e UTC
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, é um dos mais promissores políticos do país. Líder do DEM, articula com desenvoltura na política nacional e do Rio de Janeiro. Como tantos outros políticos, responde a acusações graves.
A Polícia Federal, num amplo relatório — que no Supremo Tribunal Federal —, sustenta que Rodrigo Maia deve ser responsabilizado por “corrupção e lavagem de dinheiro”. Ele teria recebido dinheiro ilegal da construtora OAS. A PF sustenta a tese de que o deputado federal agia como “representante” da OAS no Congresso. Sua ligação era com Léo Pinheiro, ex-presidente da empresa.
Numa mensagem, Rodrigo Maia pergunta a Léo Pinheiro: “A doação de 250 vai entrar?” Logo depois da conversa, no dia seguinte, a OAS repassou 250 mil reais para a campanha de César Maia, pai do presidente da Câmara dos Deputados. Em 2014, o ex-prefeito do Rio de Janeiro era candidato a senador e recebeu, no total, 1 milhão de reais da empreiteira baiana.
Na planilha de propinas da Odebrecht, Rodrigo Maia aparece com o nome de “Botafogo”. Cláudio Melo Filho, ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht, disse, na sua delação premiada, que a empresa doou dinheiro ao presidente da Câmara dos Deputados. O deputado teria recebido 600 mil reais.
Rodrigo Maia recebeu 300 mil reais em doações da empreiteira UTC, na eleição de 2010.
Frise-se que Rodrigo Maia qualifica as denúncias de “absurdas e irresponsáveis”. “Sei que não cometi nada errado”, frisa um dos principais chefes políticos do DEM. Tão influente que indicou um político de Goiás para um ministério do governo do presidente Michel Temer.
Agripino Maia
O senador Agripino Maia, do Rio Grande do Norte, é uma das figuras mais expressivas do DEM em nível nacional. Numa ação que corre no Supremo Tribunal Federal, o líder do Democratas foi considerado réu. Ele teria recebido propina, no valor de 650 mil reais, da empresa que construiu a Arena Dunas, estádio de Natal. O ministro Luis Roberto Barroso, relator do caso, avaliou as provas substanciosas.
Agripino Maia divulgou uma nota em sua defesa: “Mesmo ciente de que a decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal tenha tão somente proclamado a necessidade de prosseguimento das investigações, causou-me profunda estranheza o fato de não ter sido considerado o farto conjunto de provas que atestam a minha completa inocência. Como afirmado por todos os ministros da 1ª Turma, o prosseguimento das investigações não significa julgamento condenatório. E é justamente a inabalável certeza da minha inocência que me obriga a pedir à Corte o máximo de urgência no julgamento final da causa”.
Lula da Silva

Lula da Silva é o maior cabo eleitoral do candidato do PT a presidente da República, Fernando Haddad. Preso em Curitiba, há vários meses, o petista-chefe está conseguindo transferir votos para seu pupilo, sobretudo no Nordeste. Condenado pela Justiça, em segunda instância, o ex-presidente jura inocência. Contrariando as provas, afirma que não é dono de um triplex no edifício do Guarujá. Noutro processo, alega que não é proprietário de um sítio em Atibaia.
Ao contrário do que dizem petistas radicalizados, Lula da Silva defendeu-se da maneira mais ampla possível, em todas as instâncias, o que indica que não houve violações de seus direitos.
Mesmo condenado e preso pela Justiça, Lula da Silva é popularíssimo. Tanto que nas campanhas de Fernando Haddad — réu num processo — e de Kátia Maria, candidata a governadora pelo PT em Goiás e uma política de rara decência, citam-no o tempo todo.
Produção do Silvio Berlusconi tropical
As operações contra a corrupção são cruciais, pois o dinheiro público é da sociedade, não é de políticos. Ao embolsar recursos, políticos estão contribuindo para reduzir investimentos em saúde, educação e segurança pública. Noutras palavras, atrapalham o crescimento e o desenvolvimento do país. Ao mesmo tempo, de maneira paradoxal, ao destruir parte das elites políticas — os melhores (nem eles escapam dos tentáculos das campanhas eleitorais dispendiosas), os medianos e os piores —, eventual e indiretamente podem colaborar para a prevalência de uma geração anódina, sem estofo intelectual e, mesmo, moral.
Jair Bolsonaro, do PSL, e Fernando Haddad, do PT, são candidatos mais qualificados do que Henrique Meirelles (MDB), Geraldo Alckmin (PSDB), João Amoêdo (Novo), Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede)? É provável que não. Entretanto, a radicalização de suas ideias — se ideias são — geram uma polarização que exclui as figuras mais moderadas e propositivas do processo eleitoral. Pode-se dizer que Bolsonaro “pede” Haddad e este “pede” aquele. São faces diferentes — direita e esquerda — mas irmanadas da radicalização política. São produtos da reforma agrária do ódio. É possível sugerir que Bolsonaro e Haddad são Silvios Berlusconis do Brasil.
Há quem, como Elio Gaspari, acredite que o objetivo número um de Haddad é indultar Lula da Silva. Pode até ser. Pois, quando um político diz que não vai fazer uma coisa, é preciso desconfiar. Talvez seja o que vai fazer. Mas o povão e parte da classe média se sentem atraídos por Haddad porque, em tese, representa a “volta” do consumo forte. É o consumo, o consumo, o consumo. O povão e parte da classe média se sentem atraídos por Bolsonaro porque, em tese, representa a ordem. É a ordem, a ordem, a ordem. A ideia de um mundo ajustado, sem problemas — o que é um engodo profundo —, e consumista, como os Estados Unidos, está por trás dos postulantes do PSL e do PT. Num país que já teve Getúlio Vargas, Osvaldo Aranha, Milton Campos, Bilac Pinto e Juscelino Kubitschek, na política, Ernesto Nazareth e Villa-Lobos, na música, Portinari, Tarsila do Amaral, Anitta Malfatti e Di Cavalcanti, na pintura, e Machado de Assis, Graciliano Ramos, Cecília Meirelles, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, na literatura, o que se deve sugerir é simples: a escolha entre Bolsonaro e Haddad empobrece a vida dos brasileiros. Os dois são filhos — indiretos, insista-se — da debacle gerada pela Operação Lava Jato e outras.
O que se recomenda
Os operadores da Justiça devem ser duros com os corruptos — todos eles, sejam do PT, do PSDB, do DEM, do PTB, do MDB, do PP, do PR —, mas os denunciantes, inclusive a Imprensa, precisam ter cautela. Não se deve condenar por antecipação, o que não significa que alguém deva ser protegido.