Em campanha para governador, o peemedebista sugere que o problema da violência pode ser resolvido num passe de prestidigitação. Como ministro, ficou conhecido pela frase “o crime, muitas vezes, é inevitável”

Iris Rezende e Barbosa Neto: os dois políticos precisam entender que a violência e a segurança pública são temas que não devem ser tratados meramente como questões eleitoreiras | Foto: Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção
Iris Rezende e Barbosa Neto: os dois políticos precisam entender que a violência e a segurança pública são temas que não devem ser tratados meramente como questões eleitoreiras | Foto: Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção

Há algum tempo, quando políticos de Goiás procuraram auxiliares da presidente Dilma Rous­seff, para sugerirem que boicotassem o governo do tucano Marconi Perillo, receberam um recado que revela estadismo e percepção de como a economia funciona de modo integrado. Rousseff teria dito que prejudicar um Estado é sacrificar o crescimento geral da economia. Não só. De maneira lúcida, teria apresentado a informação de que o crescimento do país, mesmo que ínfimo, depende basicamente daquilo que os economistas chamam de âncora verde, quer dizer, do agronegócio. O mau uso da política, para atender pleitos provinciais, tende a prejudicar a economia como um todo e reflete tanto na taxa de crescimento quanto na balança comercial.

Como informou o Tesouro Nacional recentemente, Goiás, com as contas em ordem, pôde pleitear e obter financiamentos facilitados pelo governo federal — que, a rigor, não é de Rousseff ou do PT, e sim do país (o Poder Executivo deve ser visto e aceito como uma “instituição”, não como propriedade partidária ou pessoal). Com dinheiro em caixa — parte dos recursos foi gerada internamente —, o governo de Marconi Perillo está fazendo um amplo trabalho de recuperação e ampliação da malha rodoviária de Goiás, um Estado que, em termos geográficos, é maior do que Portugal, Cuba e Israel juntos. Estradas melhores, além de mais amplas — algumas estão sendo duplicadas —, são fundamentais para ordenar e escoar a produção com mais facilidade. A recuperação do Autódromo Internacional de Goiânia, em tempo recorde e com qualidade elogiada por pilotos com experiência internacional, atrai eventos que, além da diversão em si proporcionada pelo esporte, fortalece e revitaliza tanto o comércio em geral quanto os setores de hotéis e restaurantes.

Ao mesmo tempo, o governo está investindo na construção de hospitais de referência, como o Hugo 2, em Goiânia, e um hospital regional na cidade de Uruaçu, no Norte do Estado. O Crer, ampliado, é mencionado pelo governo da presidente Rousseff como referência para outros Estados que planejam construir hospitais de reabilitação.

Os centros de recuperação de dependentes químicos (credeqs) começam a sair do papel e, possivelmente, serão outro modelo para o país. No momento, e isto em todo o país, os dependentes químicos cujas famílias têm recursos financeiros são tratados e, eventualmente, recuperados em instituições particulares, mas a um custo elevado. Famílias pobres não têm como custear o tratamento de seus integrantes que são dependentes químicos. Alguns são levados para “clínicas” dirigidas por religiosos, que, apesar da boa vontade e de alguns resultados positivos, não têm como fazer um trabalho médico-clínico rigoroso e, às vezes, nem mesmo têm instalações físicas adequadas. O governo de Goiás está mostrando ao país aquilo que a Europa constatou há mais tempo: o uso de drogas não é apenas um problema de polícia — é também uma questão, seriíssima, de saúde pública. E é um problema social e cultural. As pessoas precisam se tratar e, ao mesmo tempo, adquirir expectativa de que terão um “lugar” na sociedade. Os credeqs poderão ser, portanto, um local de tratamento e, ao mesmo tempo, de recuperação da estima do indivíduo e, indiretamente, de sua reinstalação como cidadão, e não como pária, na sociedade.

Com os comentários e informações acima se quer dizer que, com recursos disponibilizados, o governo de Goiás está recuperando e ampliando sua infraestrutura, para possibilitar o crescimento econômico, e também está investindo no indivíduo. Pode-se dizer, como está na moda, que o tucano Perillo está fazendo sua lição de casa. De­savisados podem concluir: “Com dinheiro, farto ou não, qualquer um faz”. Não é bem assim. O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, é do PT e tem o apoio maciço do governo de Rousseff. No entanto, faz uma gestão pífia e possivelmente não será reeleito (a senadora Ana Amélia de Lemos, do PP, tem chance de derrotá-lo). Tem-se a impressão de que, ao contrário de Perillo, Genro é mais ideólogo do que gestor.

Na edição de quarta-feira, 6, o jornal “O Estado de S. Paulo” publicou uma reportagem, “Em 2015, portos brasileiros esgotarão potencial”. A repórter Bárbara Bretanha escreve: “A falta de acessos às rodovias e às ferrovias vem causando um alto custo de movimentação de contêineres — o mais alto do mundo, 200 dólares por unidade. Sem investimentos, a capacidade dos portos brasileiros será esgotada em 2015”. Há indícios de que o governo federal, embora tenha recursos financeiros, não consegue investi-los e, às vezes, também investe mal. De 2003 a 2013, segundo o presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), Wilen Manteli, “o governo autorizou investimentos públicos totalizando R$ 19,46 bilhões, mas apenas R$ 9,29 bilhões foram usados. Entraves burocráticos impediram que o dinheiro fosse aplicado em melhorias”.

Num país que precisa crescer, portanto tem de exportar mais, a crise dos portos sugere que a presidente Rousseff, embora bem intencionada, não tem agido com precisão e eficiência. Há muito discurso, talvez muita reunião, mas pouca ação e escassa objetividade. Fica-se com a impressão de que os petistas sentem mais “prazer” participando de reuniões do que resolvendo problemas reais.

Segurança e eleição

Se na questão do transporte, que é essencial para dinamizar o crescimento da economia, o governo de Rousseff não acerta a mão — a Ferrovia Norte-Sul foi inaugurada com pompa e circunstância, mas não funciona —, imagine na questão da segurança pública. Durante anos, e a tese persiste, ainda que de maneira mais tênue, a esquerda adotou o discurso de que a violência é um mero produto das desigualdades sociais. De fato, as desigualdades sociais não devem ser desconsideradas, como às vezes faz o discurso liberal mais radical, mas a violência, em larga medida, se tornou organizada. O narcotráfico, para ficar num exemplo, é um negócio rentável e pode-se falar, sem receio de equivocar-se, que é organizado por “empresários” — alguns deles mantêm até negócios lícitos como maneira de “lavar” os frutos das ações ilícitas.

O governo de Rous­seff, assim como o de Lula, mas também como o de Fernando Henrique Cardoso, não combate a violência com rigor. Fala-se nas penitenciárias como locais de reeducação, adotando-se um discurso humanista louvável, mas elas devem ser vistas também, e quem sabe sobretudo, como locais de excluir os indivíduos que não aceitam as regras de convívio pacífico em sociedade. Por uma questão ideológica, sem amparo no Direito e na realidade, o petismo investe muito pouco na construção de presídios — como admitiu o próprio ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, do PT. O fato de não existir presídios suficientes, o que acaba por transformar os existentes em pocilgas às vezes inabitáveis, colabora para que alguns magistrados e policiais sejam, de certo modo, condescendentes com os criminosos. O juiz pode alegar que não há presídios suficientes e adequados — as celas estão quase sempre superlotadas — e, por isso, pode liberar presos considerados “menos periculosos”. Os policiais, alegando que prendem e os juízes “soltam”, às vezes fazem vistas grossas para alguns crimes. Eventualmente, acossados pelo discurso anti-polícia, que a esquerda impregnou na sociedade, policiais são poucos rigorosos no combate à criminalidade.

A segurança pública em qualquer país é vista como uma questão nacional, afinal os Estados não são isolados. Portanto, o governo federal deveria observar a questão com mais interesse. Há especialistas que sugerem a criação de um Ministério da Segurança Nacional. No entanto, possivelmente para omitir-se e, quiçá, investir menos, os presidentes da República — e não apenas Lula da Silva e Rousseff — preferem deixar a segurança nas mãos dos Estados, numa espécie de pacto federativo invertido, quer dizer, os recursos são concentrados nas mãos do governo federal, mas as crises, o combate à violência, são de responsabilidade quase que exclusiva dos governadores. A estrutura do narcotráfico é móvel, isto é, move-se por vários Estados, com a droga migrando pelo país. Teoricamente, a Polícia Federal está atenta ao problema; na prática, o combate fica nas mãos dos governos estaduais, que, com estruturas deficientes e não raro despreparadas, são obrigados a policiar fronteiras imensas.

Nas campanhas eleitorais, em todas, o tema da segurança pública, como reflexo das preocupações dos indivíduos — especialmente do medo da violência —, não sai da pauta. O problema é que a colocação do assunto em discussão não é feito como a devida seriedade., De repente, do nada, aparece um Barbosa Neto, com uma linguagem técnica que o transforma mais em robô do que num especialista, sugerindo reformas “macro-estruturantes” na segurança pública. O ex-deputado federal esquece que, quando ministro da Justiça, Iris Rezende, agora candidato a governador pelo PMDB, poderia ter contribuído, de maneira decisiva, para articular um programa de combate à criminalidade, com objetivos de curto, médio e longo prazo. No entanto, embora com poder, Iris não deu uma contribuição fundamental para o combate à violência. Pelo contrário, sua gestão ficou conhecida pela frase “o crime, muitas vezes, é inevitável”. A frase, que repercutiu em todo o país, foi muito criticada. A “Folha de S. Paulo” chegou a chamá-lo de “capitão do mato”.

O que Barbosa Neto e Iris sugerem é que o problema da violência pode ser resolvido com um toque de… mágica. Não pode, é claro. Os dois estão fazendo política eleitoral, não estão tratando a questão com a seriedade necessária. Lamenta-se isto porque, embora esteja mais preocupado com sua candidatura, Iris tem uma tradição de seriedade. Pergunta-se: o que Iris Araújo (PMDB), como deputada federal, tem feito para combater a violência no país? Qual foi o projeto que apresentou? Pedir intervenção no Estado é de um primarismo que deve chocar os magistrados da Justiça, seja a estadual, seja a federal. E explorar a dor alheia — de pais que perderam seus filhos ou de filhos que perderam seus pais — é quase um crime. É desumano. l