Irapuan Costa Junior planeja modernizar ainda mais a ação das polícias Civil e Militar e criar uma rede de proteção àqueles que defendem os cidadãos de bem

Foto: Jota Eurípedes

O novo secretário de Se­gu­rança Pública de Goiás, Irapuan Costa Junior, é um intelectual só­lido e um homem de Estado. Ab­dicou de morar em Portugal porque se considera, acima de tudo, um homem público.

Durante 20 anos, escreveu uma co­luna polêmica no Jornal Opção, sob o título de “Contraponto”. Seus artigos reverberaram nacionalmente, provocando intensos debates nas redes so­ciais. Mesmo quando criticado com ex­trema fúria por internautas ideológicos, nunca reagiu no mesmo tom. Suas respostas, quando avaliava que era preciso apresentar uma posição, eram sempre racionais e elegantes, com o objetivo de manter e reabrir o debate, nunca de fechá-lo. A crítica decente — posicionada e ilustrada — não o incomoda.

Engenheiro por formação — estudou no Rio de Janeiro e deu aulas na Universidade Federal de Goiás —, Irapuan escreve sobre vários assuntos, sempre com conhecimento de causa. Seus artigos contra a política de desarmamento patrocinada pelos governos do PT fizeram história e obtiveram, alguns deles, mais de 200 mil visualizações únicas numa semana. Um artigo sobre o saqueamento do BNDES e a política de apoio a países da América Latina, como Venezuela e Cuba (ganhou um porto de presente e dificilmente terá como devolver o que tomou emprestado ao governo patropi), e da África, como Angola e Moçambique, alcançou mais de meio milhão de visualizações únicas.

Há também o Irapuan lírico, capaz de escrever belos e flamantes textos sobre uma cachorrinha bassé e a respeito de uma delicada dedicatória que um homem escreveu para uma mulher nas primeiras páginas de um livro. Pode-se dizer que, nos melhores momentos, escreve prosa-poética. Há quem aponte que seu estilo clássico lembra, aqui e ali, estilistas da língua, como os escritores e padres Antônio Vieira e Manuel Bernardes.

Poucos críticos literários leram tanta literatura de qualidade quanto Irapuan. Pergunte a ele detalhes sobre dois escritores americanos — Cosmac McCarty, criador do seminal romance “Meridia­no de Sangue” (que o maior crítico americano vivo, Harold Bloom, percebe como um drama shakespeariano), e Jack London, autor de “Caninos Bran­cos” e “Apelo Selvagem”. Irapuan sabe tudo a respeito da prosa de ambos. So­bre Jack London, espécie de Mon­teiro Lobato dos Estados Unidos, pretende escrever um livro. Ele planeja ir aos Estados Unidos, visitando alguns lugares que foram frequentados e descritos pelo criador de “O Lobo do Mar” (um romance filosófico), com o objetivo de escrever uma obra a seu respeito.

Irrequieto, Irapuan decidiu traduzir livros. Começou logo por uma obra densa, “Primeiros Princípios”, do filósofo britânico Herbert Spencer. Começou a traduzir a partir do espanhol, mas, ao perceber insuficiências da versão, recorreu ao texto original, em inglês. Leitores especializados elogiam a elegância, a fluência e a precisão do trabalho. Em seguida, traduziu mais um livro, agora menor, do mesmo filósofo.

Irapuan escreveu dois livros, coletâneas de seus artigos publicados em jornais, notadamente no Jornal Opção.

O político

A história mais conhecida de Irapuan não é a descrita acima. Sua carreira política sempre ganha mais destaque. Na ditadura — que é tanto militar quanto civil (os civis geriram o planejamento, o sistema fazendário e a formulação jurídica), foi prefeito (nomeado) de Anápolis, foi presidente da Celg e, finalmente, governador. Na democracia, eleito nas urnas, foi senador (pelo MDB, era aliado e amigo de Henrique Santillo, outro homem público de rara decência), tendo brilhado na Comissão de Relações Exteriores.

Como governador, reeditou o jornal “Matutina Meiapontense” e a revista “Informação Goyana” — com o apoio competente de seu vice-governador, José Luiz Bittencourt — e, ao reinaugurar o Teatro Goiânia, trouxe a maior bailarina da época, Margot Fonteyn (1919-1991).

O poeta Aldair Aires, superintendente de Assuntos Culturais, contou ao Jornal Opção, numa entrevista, que Irapuan cobrava grandeza e era contra qualquer provincianismo.

As palavras do bardo Aldair Aires: “O Cine Teatro Goiânia foi praticamente demolido, por dentro, e reconstruído, não mais como cinema e teatro, apenas como teatro. Irapuan me chamou e disse: ‘Quero comemorar os dois anos de meu governo com a abertura do Teatro Goiânia. Ele deve ser aberto com um grande espetáculo. Vá ao Rio de Janeiro e contrate a Orquestra Sinfônica Brasileira’. Fui para o Rio e encontrei-me com o maestro Isaac Karabtchevski. Ele explicou que não podia inaugurar o teatro no dia 15 de março, como pretendia o governo, mas só no dia 20. Irapuan não aceitou. E disse, rápido: ‘Contrate Margot Fonteyn e Rudolf Nureyev’. Conversei com Dalal Achcar e ela ligou para Londres à procura de Margot. Ela estava em Mônaco e, depois, em Paris. Ela topou, mas Nureyev tinha outros compromissos. Irapuan achou uma saída: ‘Diga para Margot escolher o partner ideal’. Ela escolheu o bailarino David Wall. Ele chegou às 12 horas do dia 15 de março e às 21 horas dançou no Teatro Goiânia. O teatro estava lotado e a apresentação foi comentada durante meses. Irapuan vencera. Foi uma loucura, um evento nacional bancado por Goiás”.

Como governador Irapuan inscreve-se entre os modernizadores esclarecidos (como prova o incentivo à cultura). Ele deu apoio decisivo à ampliação do parque industrial do Estado. Quando o leitor visita Anápolis, ou passa pela BR-153, percebe que o município sedia o Distrito Agroindus­trial de Anápolis (Daia) — o maior de Goiás. O Daia agrega dezenas de empresas — como um dos maiores polos de fabricação de medicamentos do país e a montadora de veículos Hyunday, uma empresa de origem sul-coreana. Saiba, leitor, que o Daia é uma das criações de Irapuan. Há outras dezenas de obras de seu governo.

Segurança

O fato de ser ilustrado não significa que, como secretário de Segurança Pública, Irapuan será um nefelibata ou um irrealista. Pelo contrário, é pragmático e sensato. Não tem qualquer receio do debate sério e a favor da sociedade. Certos debates ideológicos são defesas mais de posições partidárias — de olho no jogo eleitoral — do que dos cidadãos de bem. Numa grave distorção, há quem trate criminosos como heróis, como vítimas sociais do sistema capitalista, e policiais como bandidos. Irapuan pensa diferente: por isso vai trabalhar para proteger aqueles que, de fato, defendem os indivíduos decentes — os policiais militares e civis.

Fala-se que, como secretário, Irapuan será da “linha dura”, quando é mais preciso sugerir que será da “linha justa”. Não se ganha a guerra contra o crime — cada vez mais organizado e espraiado pelo país, quer dizer, “nacionalizado” — advogando que policiais devem tratar a violência dos que não respeitam as leis com luvas de pelica. Policiais devem cumprir as leis, de preferência de maneira suave. Mas nem sempre é possível que seja assim. Por isso, quando houver confronto entre policiais e criminosos, urge que a sociedade proteja aqueles que a defendem, frise-se, os agentes da lei. Irapuan está certo quando sustenta que o policial precisa ser motivado e compreendido.

A retórica das ideologias da esquerda — que tende a sugerir que a origem basilar do crime é de matiz social — não contribui para a constituição de uma sociedade menos violenta. Pelo contrário, tal discurso evita uma ação mais dura e, ainda que de maneira indireta, contribui para fortalecer o crime, sobretudo o organizado.

Há Estados, como São Paulo, que combatem o crime organizado de maneira mais firme. Por causa disso, as organizações criminosas estão migrando para outros Estados, sobretudo para aqueles nos quais as polícias não estão preparadas, de modo adequado, para enfrentá-las. Se percebem que a polícia está fragilizada, por falta de incentivo ou sob pressão de certas ideologias — e nem se trata puramente das entidades que defendem os direitos humanos (algumas fazem um trabalho meritório) —, os criminosos (e não apenas os grupos do narcotráfico) criam um Es­ta­do paralelo, como no Rio de Janeiro. Ira­puan tem plena consciência disso. Ele não incentivará uma polícia “matadora”, violenta, e sim uma polícia fir­me, bem armada e preparada para com­bater aqueles que matam (não há bem equivalente à vida), assaltam e traficam.

Irapuan pretende modernizar a polícia, trabalhar com uma Inteligência eficiente, que contribua não só para combater o crime, mas também para evitá-lo.

Frise-se que o governo federal precisa ficar mais atento à nacionalização do crime organizado, ao seu espraiamento pelo país. A criação do Minis­tério da Segurança Pública pode ser um primeiro passo para desarticular o, digamos, “Estado criminoso”.

Quase vítima da linha dura

Ah, quem diz que Irapuan pertencia à linha dura sob o regime militar não sabe o que realmente está falando. Contra as pressões do capitão Marcus Fleury (que dirigiu a Polícia Federal em Goiás), homem forte da linha dura, o governador praticamente salvou esquerdistas dos tentáculos daqueles que não queriam a Abertura política. Fri­se-se que a linha dura chegou a tramar um golpe contra Irapuan, mas este sobreviveu politicamente porque era ligado ao presidente Ernesto Geisel, o formulador da política de distensão e abertura.

Perguntem ao escritor Antônio José de Moura, um dos mais importantes prosadores do país, a respeito de Irapuan. Mourinha, como é conhecido, dirá, por certo, que o governador se comportou da maneira mais democrática possível.

Vale lembrar que o secretário de Segurança Pública do governo de Goiás, na ditadura, era nomeado pelo governo federal. Nenhum governador — Otávio Lage (o único eleito nas urnas), Leonino Caiado, Irapuan e Ary Valadão — tinha condições de conter as arbitrariedades cometidas pelo aparato do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, pela Polícia Federal e pelas polícias Civil e Militar. As Forças Armadas controlavam tudo. Mesmo o presidente Ernesto Geisel teve de confrontar a linha dura e demitiu seu ministro do Exército, Sylvio Frota, porque, se não o fizesse, caía. Se militares afrontavam o presidente da República, um general de quatro estrelas altamente respeitado e poderoso, imagine o que fariam com um governador que decidisse contraditá-los.