A sociedade brasileira parece perceber que Aécio Neves é o instrumento para retirar a glacial Dilma Rousseff do poder e repassá-lo para uma espécie de Lula do tucanato

Lula da Silva: o criador do Lulopetismo, espécie de movimento político que submeteu o petismo, deve ser candidato a presidente da República em 2018, pois o PT tende a desistir da política do “poste”
Lula da Silva: o criador do Lulopetismo, espécie de movimento político que submeteu o petismo, deve ser candidato a presidente da República em 2018, pois o PT tende a desistir da política do “poste”

Campanhas eleitorais são sórdidas no Brasil, nos Estados Unidos e em vários outros países. Na pré-campanha da primeira eleição de Barack Obama para presidente dos EUA, políticos e assessores democratas se “engalfinharam” fisicamente e se atacaram verbalmente. Os “aliados” investigaram até a vida pessoal dos postulantes. A turma de Obama descobriu que o presidente Bill Clinton, para além de Monica Lewinsky, teve outros casos amorosos. Mesmo depois de ter deixado a Presidência, continuou tendo os seus casos e galanteava em vários lugares, como academias de ginástica. A vida da família de Obama foi vasculhada e muito do que os republicanos usaram depois foi levantado em primeira mão pela equipe de Hillary Clinton. Na Inglaterra, se o candidato é homossexual, ou se participou de alguma confraria homossexual em Cambridge — como o brasileiro Gilberto Freyre, autor do mais importante livro brasileiro, “Casa Grande & Senzala”, ao lado de “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, e “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda —, os adversários, às vezes antecipados pela imprensa, não perdoam e contam tudo, até exagerando.

Nas eleições brasileiras deste ano há um componente que não é novo, mas tem sido potencializado de maneira extraordinária: redes sociais e blogs. A linguagem que usaram para demonizar Marina Silva, uma política de vida praticamente monástica, impressiona pelo excesso. Pode-se falar em pancadaria verbal. Os grupos organizados criavam e punham as bombas na internet. Dali a pouco, de maneira sincronizada, os petardos apareciam em vários blogs e nas redes sociais. Muitos usuários do Facebook e do Twitter muitas vezes nem percebiam que estavam replicando alguma “ideia” bem orquestrada. Parecia uma coisa natural. Porém, textos e imagens bem elaborados sinalizam para uma certa sofisticação que escapa ao usuário médio. (Agora, basta retirar o nome de Marina Silva e colocar o de Aécio Neves.)

Marina obviamente não é a única vítima. A presidente Dilma Rousseff, uma política íntegra e sem envolvimento com corrupção — daí sua dificuldade para articular alianças, tendo de convocar Lula para entabulá-las —, foi e é atacada, com extrema virulência, pela armada tucana. Até sua vida pessoal, que não interessa ao público — desde que não esteja vinculada à sua atividade como presidente da República —, foi vasculhada e achincalhada. Chamá-la de “Dilmão”, para insinuar que é homossexual (não é, dizem amigos íntimos), é o de menos.

Reforçam-se mais os preconceitos, e não apenas contra Dilma Rousseff, mas, sim, muito mais contra os homossexuais. Afirmar que é corrupta, sem que haja nenhuma evidência de envolvimento pessoal com irregularidades, é outro excesso das redes sociais. Costuma-se perguntar: “Como ela não sabia da corrupção na Petrobrás, se tem todos os mecanismos institucionais, como informações da Agência Brasileira de Inteligência, para descobrir malfeitos?” Parece simples, mas não é. Às vezes, as pessoas não sabem nem mesmo o que está ocorrendo integralmente em sua casa.

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A corrupção é sistêmica e não é uma invenção do PT e dos governos de Lula da Silva e de Dilma Rousseff. O PT herdou esquemas corruptos e, para continuar governando sem problemas — a governabilidade tem de ser buscada a qualquer custo, ensina a realpolitik —, permitiu que fossem azeitados. O que parece que ocorreu é que, para se manter no poder sem contestação, o PT abriu as comportas da corrupção. Para piorar, com a ampliação do processo, o PT conspurcou-se. Aquele partido de “escolhidos” da década de 1980 cresceu e incorporou forças que, a rigor, são pouco católicas e, vá lá, pouco petistas, quase nada ideológicas. Tais forças foram absorvendo o PT e, hoje, é possível sugerir que o partido está no centro da corrupção.

Porém, e fica a ressalva, pode-se dizer que a presidente Dilma Rousseff, porque há corrupção em seu governo, é corrupta e que, moralmente, sujou-se? Por mais que a lógica indique que quem dirige um governo medularmente corrupto é corrupto, o bom senso — que não cabe usar como instrumento eleitoral — sugere que a presidente não é corrupta, não é venal. Há um certo purismo em Dilma Rousseff que a diferencia de Lula. Não se está dizendo que o petista-chefe, o criador do Lulopetismo — que é o lulismo controlando o PT, como se Lula tivesse se tornando um caudilho, ao estilo de Leonel Brizola —, é corrupto. O que se está explicitando, com certa cautela e para além das circunstâncias eleitorais ou eleitoreiras, é que Lula é um realista full time, desses que avaliam que, para manter o poder, deve se fazer qualquer coisa — inclusive negociar pactos faustianos com integrantes das elites provinciais, como José Sarney, Michel Temer, Jader Barbalho, Renan Calheiros, Fernando Collor e Romero Jucá. Não importa a história de cada um. O que importa é se ajudam ou não a manter o poder. O PSDB de Fer­nando Henrique Cardoso, que governou o País durante oito anos, fez o mesmo. A diferença, se há, é que parecia ter um controle maior da máquina pública, impedindo que quadrilhas organizadas saqueassem, a bel prazer, empresas chaves do governo, como a Petrobrás. Mas o País precisa discutir, de maneira mais ampla e livre, as privatizações do governo FHC. É provável que, embora Fernando Henrique não tenha se envolvido pessoalmente com esquemas corruptos, possa mesmo se falar em privataria. Não importa se os serviços melhoraram. Se houve erros, como corrupção, cabe a todos apontá-los.

Ataque e elogio de Lula a FHC

O Lulopetismo, sob o comando de Lula e tendo Franklin Martins como sargento, move um ataque brutal ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Acredita-se que Lula é o principal articulador dos torpedos e que um grupo de jornalistas e publicitários, além de petistas orgânicos, é o responsável por detoná-los na internet. FHC, no segundo turno, se tornou a besta fera. Porém, como demonstra o livro “18 Dias — Quando Lula e FHC se Uniram Para Conquistar o Apoio de George W. Bush”, de Matias Spektor, doutor por Oxford, nem sempre foi assim. O pesquisador mostra que Lula elogiou Fernando Henrique fartamente, porque este se comportou como estadista ao colocar a estrutura do governo à disposição de uma equipe do PT. Ao então primeiro-ministro britânico Tony Blair, o petista-chefe disse: “O presidente Fernando Henrique Cardoso jogou um papel importante nesta eleição [2002]. Primeiro, funcionando como magistrado; segundo, criando uma comissão de transição jamais vista em nosso continente”.

FHC pôs alguns de seus principais auxiliares, como o embaixador Rubens Barbosa e o ministro Pedro Parente, para apoiar a transição e facilitar as conexões internacionais. Lula e o PT eram malvistos nos Estados Unidos, mas o governo de FHC disse ao presidente George W. Bush e aos seus principais auxiliares que o petista era moderado e não abalaria a segurança jurídica do País.

Agora, depois de elogiar FHC como estadista, por ter feito uma transição democrática e aberta, sem ranços partidários e ideológicos, Lula e Dilma Rousseff, por uma questão meramente eleitoral, voltam a atacá-lo — sugerindo que ele quebrou o País. Hoje, o Brasil não está quebrado, mas não cresce. A presidente Dilma Rousseff culpa a crise internacional pelo crescimento praticamente negativo.

O jornalista Michael Reid, editor da “The Economist”, que acaba de lançar o livro “Brasil — A Turbulenta Ascensão de um País”, corrige a petista: “O Brasil ficou abaixo da média internacional [em termos de crescimento] por erros de política econômica e falta de mudanças estruturais para atacar o custo Brasil”. Se a presidente patropi estivesse certa ao responsabilizar a crise internacional pelo baixo desempenho da economia brasileira, todos os outros países teriam crescimento baixo — o que não ocorre. Os demais países do Brics vão bem; em alguns casos, muito bem.

Ao atacar FHC, o Lulopetismo, verdadeiro exército de reds, quer atingir, logicamente, o candidato a presidente pelo PSDB, Aécio Neves. O senador mineiro, obviamente, não é o puro da aldeia e, em Minas Gerais, governou com as mesmas forças conservadoras que estão com a presidente Dilma Rousseff, com ligeiras acomodações locais. A história do mensalão mineiro precisa ser relatada com a mesma ênfase com a qual se conta a história do mensalão petista. As críticas a Aécio no campo político e administrativo são lícitas, mas prováveis mentiras apresentadas como verdades não melhoram o debate político nem o País.

Dizer que é ou foi mulherengo acrescenta o quê? Aécio é jovem, bonito, endinheirado, poderoso, com os hormônios em dia. Até se casar, alguém poderia, em sã consciência, exigir que fosse monogâmico? Aliás, não se pode exigir nem agora. Talvez seja possível citar Liev Tolstói: não há lei, natural ou escrita, que obrigue um indivíduo, homem ou mulher, a amar outro indivíduo para sempre. Sugerir que espanca mulher, quando não se tem informação precisa sequer sobre uma agressão mais citada, também não acrescenta nada. O eleitor que acreditar neste tipo de “propaganda” maliciosa certamente também crê em mula sem cabeça e em curupira.

Dilma Rousseff e Aécio Neves: a petista e o tucano travam uma guerra brutal no segundo turno. Blogs e redes sociais estão sendo usados para desqualificar os adversários. A vida pessoal passa a ser pública em um jogo pesado pelo poder
Dilma Rousseff e Aécio Neves: a petista e o tucano travam uma guerra brutal no segundo turno. Blogs e redes sociais estão sendo usados para desqualificar os adversários. A vida pessoal passa a ser pública em um jogo pesado pelo poder

Costuma-se dizer que Aécio Neves é avesso à gestão. É um equívoco. Sob seu governo e no de Antônio Anastasia, em 12 anos, ajustou-se a máquina pública. Minas Gerais fez o primeiro ajuste fiscal digno de louvor. O segredo de Aécio Neves é que, enquanto faz política no estilo de Juscelino Kubitschek — dialogando diretamente com a sociedade, aparecendo nos locais públicos com frequência e sem o mau humor de Dilma Rousseff (o bom humor do mineiro é parecido com o de Lula) —, tem o auxílio de uma equipe azeitada. Um dos segredos do seu sucesso administrativo é a montagem de equipes eficientes e com autonomia para trabalhar. Antônio Anastasia, agora eleito senador, é um dos técnicos competentes que contribuíram para as bem-sucedidas gestões de Aécio Neves e, depois, para a sua própria.

Política não é o espaço adequado para inocentes. Política é guerra, às vezes, sem armas bélicas. Mas o belicismo verbal fere, e muito. O PT, para não deixar o poder, vai promover, já está promovendo, uma guerra brutal contra Aécio Neves e os políticos que o apoiam. As redes sociais vão ficar coalhadas de ataques rasteiros tanto de petistas quanto de tucanos. Não estranhe se verificar um crítico literário sóbrio e consciencioso de repente compartilhando diatribes ferozes, não raro falsas, contra Aécio Neves. Não fique estupefato se, de repente, ver um economista circunspecto atacando Dilma Rousseff com a bílis. O PT e o PSDB vão para o tudo ou nada neste segundo turno. Ninguém é santo. Ninguém é puro. As caras de santinhos ficam para os debates e para os programas eleitorais. Ou melhor, no programa eleitoral, o candidato pode até não “bater”, mas apresentadores, lendo textos muito bem elaborados, atacam com fúria e volúpia.

Mas por que todos, do PT ao PSDB, vão para o tudo ou nada?

Percepção sutil do eleitorado

Como sabem até as cadeiras do Palácio do Planalto, das mais simples às mais requintadas, Lula deve ser o candidato do PT em 2018, daqui a quatro anos. O Lulopetismo forjou um poste em 2010, Dilma Rousseff, e deu certo. A presidente derrotou José Serra, um dos quadros mais qualificados do PSDB de São Paulo, agora eleito senador, derrotando o petista Eduardo Suplicy. Em 2012, o Lulopetismo criou outro poste, Fernando Haddad, e o elegeu para a Prefeitura de São Paulo. Em 2014, o Lulopetismo produziu o terceiro poste, Alexandre Padilha, mas o petista não foi eleito governador de São Paulo; pelo contrário, ficou em terceiro lugar, atrás do governador tucano Geraldo Alckmin e do peemedebista Paulo Skaf. É o recado das urnas: a política do “posterismo”, se não morreu, está profundamente baleada.

Para presidente da República, no primeiro turno, Dilma Rousseff viu-se ameaçada, durante boa parte do tempo, pela ex-ministra Marina Silva, do PSB. Quando se fazia simulação de segundo turno, Marina aparecia em primeiro lugar. Porém, devido ao maciço ataque do PT — que conseguiu reduzir a pó sua imagem de santa imaculada, embora tenha a integridade dos mártires — e à sua fragilidade nos debates, potencializada por sua voz débil e até infantil, Marina desidratou-se e Aécio Neves cresceu e está no segundo turno. É o primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto do Datafolha e do Ibope.

Há uma percepção sutil entre os eleitores, que não é ideológica nem é articulada — talvez seja uma espécie de inconsciente coletivo —, de que agora é possível arrancar o PT do poder, porque o partido tem uma candidata que não é extremamente popular. Os programas sociais é que são populares, mas, sem Lula, estão se tornando mais institucionais do que individualizados, quer dizer, não há tanta identificação entre o Bolsa Família e Dilma Rousseff. É bom para o País, para a liberdade dos indivíduos, mas, politicamente, não é positivo para o Lulopetismo.

Dilma Rousseff não é forte eleitoralmente, pois não é hábil, não articula com desenvoltura e nem é política como Marina Silva e Aécio Neves. A petista é a candidata da estrutura, potencializada pelos programas sociais — afinal, diz-se nas ruas, o PT “gosta” dos pobres — e pelo apoio de Lula, o maior general eleitoral da história recente. Lula é um político brilhante e alcançou uma poderosa identidade com a sociedade. Embora esteja se desgastando, é um dos poucos políticos que tem admiradores entre os ricos, as classes médias e os pobres. Talvez o único. É um mito. Na Presidência, dada sua energia, tinha facilidade para colocar os brasileiros “para cima”, mais otimistas. É criticado pelo excesso de populismo, mas o que faz não é nada diferente do que faziam Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Lula é um dos grandes, mas às vezes usa seu poder de influenciar de maneira danosa, como quando manda seus comandados atacarem FHC gratuitamente ou quando defende o controle da imprensa — uma ideia que supostamente “comprou” de Franklin Martins, um jornalista, diga-se, que, durante anos, trabalhou no jornal “O Globo” e na TV Globo sem apresentar uma queixa contra o jornalismo dos “monopólios” e que agora se tornou um defensor de uma imprensa “monitorada” pelo governo federal. É o integrado que, na velhice, se tornou apocalíptico e, por isso, está se tornando uma figura quixotesca. Logo ele, um profissional qualificado.

Se Dilma Rousseff for eleita ou derrotada, o Lulopetismo não vai inventar um poste para a eleição presidencial de 2018. Vai bancar seu nome mais forte, e mais difícil de ser derrotado: Lula. Por saber que Lula possivelmente voltará na próxima eleição, e com chance de ser eleito, é que o tucanato está alvoroçado, assim como a sociedade. A única chance efetiva de arrancar o PT do poder é agora — em 2014. Fica-se com a impressão de que a sociedade brasileira está usando Aécio Neves como instrumento para arrancar Dilma Rousseff e o PT do poder. Talvez seja a velha fadiga de material.

Quanto a Lula, Mister Teflon, a sociedade parece entendê-lo não como integrante do PT — antes o PT é dele —, mas, sim, como um presidente dinâmico, alegre, jovial, que bebe uma caninha de vez em quando. Enfim, um ser humano como todos nós. Dilma Rousseff é tão glacial e fleumática quanto José Serra e Fernando Henrique Cardoso. O Brasil cansou-se dela e deles. Parece que vai optar pelo Lula do PSDB — Aécio Neves.

Mas está tudo decidido? Não. A máquina de guerra do PT é impressionante e os petistas não querem perder o controle do Estado. Se Dilma Rousseff perder, depois de o PT ter aparelhado o Estado, o país vai assistir uma procissão gigantesca de desempregados — o exército petista, sim, o que está nas redes sociais e blogs. Entretanto, se for eleito, Aécio Neves terá dificuldade para “limpar” o Estado do Lulopetismo. Os petistas vão infernizar seu provável governo, no Parlamento e nas ruas, com o objetivo de preparar o País para a volta de Lula.