O funcionamento das instituições, como Polícia Federal, Ministério Público e Justiça, sugere que o país avançou e está se tornando exemplo para o mundo

Luiz Inácio Lula da Silva: o petista é um grande e hábil político, mas, no lugar de fazer o país avançar, decidiu corromper o sistema político com o objetivo de perpetuar o PT no poder

O ex-presidente Lula da Silva tem uma longa his­tória nas lutas sindicais e políticas do Bra­sil. É provável que, no julgamento da história — que se processa quando os fatos estão assentados e, portanto, há menos passionalidade —, que apura mais a mé­dia do que os extremos, seu no­me fique maior do que o ex­pos­to hoje.

Críticos à direita do espectro po­lítico postulam que, ao longo do tempo, as preocupações sociais de Lula da Silva e aliados, como a ex-presidente Dilma Rousseff, se to­rnaram artifícios para obter re­sul­tados eleitorais positivos. Para manter a hegemonia, o governo pe­tista decididamente vinculou os pro­gramas sociais à figura paternal e populista do ex-presidente — o que sugere uma tentativa de con­trole sociopolítico. Mas estão en­ganados os que dizem que o in­te­resse pelo social, da parte do PT, não é genuíno. O apoio político aos governos petistas — foram qua­tro eleições vitoriosas consecutivas — deriva, em parte, do apoio ao consumismo (uma política, aliás, que está acima de decisões dos governos), mas também do fato de que investiram, com re­lativa qualidade, na melhoria da vi­da dos mais pobres.

Para além da corrupção, os in­di­víduos “compraram” a ideia de que os gestores petistas propuseram a construção de uma sociedade (mais) inclusiva. Porque, apesar dos pesares, a ideia era verdadeira, não era falsa. Numa sociedade de­si­gual como a brasileira, na qual hou­ve escravidão sistêmica, é mui­to difícil, senão impossível, que a integração se dê exclusivamente por meio do mercado (nem mes­mo o PSDB de Fernando Hen­rique Cardoso, que também in­vestiu no social, aceita este discurso). A intervenção do Estado é, por vezes, necessária, até seminal, para criar condições para am­pli­ar a igualdade de oportunidades. Os Estados Unidos, nação ti­pi­camente liberal, adota medidas de inserção social tanto para po­bres quanto para negros — desde pe­lo menos o primeiro governo de Franklin D. Roosevelt. Curiosa ou sintomaticamente, o investimento no social tem impacto po­si­tivo na economia.

Lula da Silva pode até ter se cor­rompido, como concluíram a Po­lícia Federal, o Ministério Pú­bli­co Federal e a Justiça Federal — num trabalho conectado altamente produtivo e que empolga o mun­do —, mas não é um monstro. É um homem de seu tempo, com defeitos e, claro, virtudes. É um líder — o que Dilma Rousseff não soube ser.

Meios e fins

O filósofo italiano Norberto Bob­bio sugeriu que, ao contrário da tese de que “os fins justificam os meios”, o mais preciso é que “os meios corrompem os fins”. Por que o PT, de paladino da anticorrupção, patrocinou o maior es­que­ma de corrupção da história do país? Formular respostas parece mas não é simples e não há, nes­te Editorial, espaço para um de­bate extenso.

O impeachment do ex-presidente Fernando Collor tem me­nos a ver com corrupção e mais com escassez de apoio político no Congresso Nacional. Quan­do tentou conquistar o apoio de de­putados e senadores, num acesso de realpolitik repentino, era tarde. Jorge Bornhausen e An­to­nio Carlos Magalhães eram hábeis operadores da corte política de Bra­sília, mas chegaram tarde para sal­var o mandato do político das Ala­goas de Graciliano Ramos.

O espectro de Fernando Col­lor assustou o PT, que não tinha ex­periência de governar o país, e seus líderes anteviram, de alguma ma­neira, a possibilidade de um im­peachment no futuro. Por artes de José Dirceu, um dos políticos mais qualificados do PT — mais mo­derado do que se costuma perceber —, com o apoio de Lula da Sil­va, o primeiro governo petista in­ventou o mensalão.

O mensalão era uma maneira de submeter a República patropi por meio de pagamentos mensais. Os tradicionais donos do poder eram pagos regiamente pela es­quer­da que, temendo ser provisória, planejava eternizar-se no po­der. Era um pacto que Goethe cer­tamente chamaria de “faustiano”. Deu certo até ser descoberto, de­nunciado, resultar em condenações e, até, prisões — como a de Jo­sé Dirceu, ex-prócer do PT.

A conexão entre o PT, a elite che­gante, e as elites políticas tradicionais — Renan Calheiros, Ro­me­ro Jucá, José Sarney, Valdemar Cos­ta Neto —, além da aliança com figurantes e protagonistas do cor­po técnico da burocracia estatal, não foi quebrada pela penalização do esquema do mensalão. Pe­lo contrário, os governos do PT po­tencializaram o assalto aos co­fres do Erário, repartindo o butim com políticos de alguns, como PMDB e PP. No processo de “corromper” para supostamente “go­vernar”, petistas também se lo­cupletaram — casos de José Dir­ceu, Antonio Palocci e Lula da Sil­va. Como disse Norberto Bob­bio, os meios corromperam os fins.

As instituições

No meio do caminho, apareceram vários drummonds — as instituições. A Polícia Federal investigou. O Ministério Público Federal de­nunciou. A Justiça Federal julgou e, em certos casos, condenou. Pa­ralelamente, a Imprensa, outra ins­tituição da democracia, publicou casos escabrosos — o que con­tribuiu tanto para as investigações quanto para o esclarecimento e mobilização da sociedade contra a corrupção. Polícia Federal, Mi­nis­tério Público, Justiça e Im­pren­sa resistiram às pressões — no meio do processo, parlamentares, adu­bados por seus interesses e pe­los interesses dos homens do Exe­cutivo tentaram controlar o MP e a Imprensa — e não se contaminaram. Percalços e alguns ex­ces­sos, aqui e ali, não desmerecem o trabalho ingente e competente das instituições mencionadas. Um país se torna de fato civilizado quan­do prevalece a vitalidade das leis — o seu cumprimento. A cria­ção de homens institucionais — cumpridores das leis — é o si­nal mais nítido de que a sociedade de­mocrática está instaurada e, sim, de maneira incontornável.

Na quinta-feira, 5, o Supremo Tri­bunal Federal decidiu não conceder habeas corpus para evitar a pri­são de Lula da Silva, condenado em segunda instância. A discussão a respeito é interminável e há argumentos — bons e ruins dos dois lados, os prós e os contra o petista — que, longe de ampliar o es­clarecimento, mais confundem a po­pulação. Mas há um fato irrefutável: o ex-presidente Lula da Sil­va foi condenado à prisão — a pou­co mais de 12 anos — e deve co­meçar a cumprir sua pena. O pe­tista-chefe tem o direito de es­per­near, lógico, mas não o de desrespeitar a decisão judicial.

Há, por fim, uma questão relevante e que merece registro. A con­denação de Lula à prisão é pe­da­gógica e mais uma prova de que a democracia está se tornando mais ampla no Brasil. Noutros tem­pos, dificilmente um homem tão poderoso quanto um ex-presidente da República seria condenado à prisão. Usaria tantos recursos (co­mo, aliás, tenta a defesa do pe­tis­ta) que passaria anos “escapando” dos tentáculos às vezes pouco se­veros da Justiça. O uso intensivo de questiúnculas é, no geral, uma maneira de proteger os ho­mens do poder, de quaisquer partidos políticos, e retardar e, até, evi­tar que cumpram suas “penas”.

Se “até” um ex-presidente da Re­pública, como Lula da Silva, po­de ser preso — depois de condenado em quatro instâncias (fala-se em golpe, mas o petista recorreu a todos os artifícios legais pa­ra escapar da penitenciária) —, os bra­sileiros entenderão que as leis ser­vem para todos, não apenas pa­ra os pobres. Só estão protegidos aqueles que cumprem as leis. O Brasil mudou — e para melhor, mui­to melhor.

Reclama-se, no círculo da es­quer­da, que o senador Aécio Ne­ves continua livre — assim como ou­tros protagonistas da República in­vestigada pela Operação Lava Ja­to e outras. Espera-se que, no mo­mento apropriado, o tucano de Mi­nas Gerais seja julgado com o mes­mo rigor com o qual foi julgado e condenado Lula da Silva.

Na semana passada, um jornalista de “O Globo” reclamou da pres­sa do juiz Sergio Fernando Mo­ro, de Curitiba, porque pediu a pri­são de Lula da Silva imediatamente à não concessão de habeas cor­pus para o petista. Ora, o que mais se reclama, inclusive nas pá­gi­nas deste jornal, é a respeito da fal­ta de celeridade da Justiça. O que se precisa é de uma Justiça que seja de fato justa, mas também mais rápida.

A impunidade está dizendo adeus ao Brasil.