Efeito pedagógico da prisão de Lula é indicar que ninguém está acima da lei no Brasil
07 abril 2018 às 22h41
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O funcionamento das instituições, como Polícia Federal, Ministério Público e Justiça, sugere que o país avançou e está se tornando exemplo para o mundo
O ex-presidente Lula da Silva tem uma longa história nas lutas sindicais e políticas do Brasil. É provável que, no julgamento da história — que se processa quando os fatos estão assentados e, portanto, há menos passionalidade —, que apura mais a média do que os extremos, seu nome fique maior do que o exposto hoje.
Críticos à direita do espectro político postulam que, ao longo do tempo, as preocupações sociais de Lula da Silva e aliados, como a ex-presidente Dilma Rousseff, se tornaram artifícios para obter resultados eleitorais positivos. Para manter a hegemonia, o governo petista decididamente vinculou os programas sociais à figura paternal e populista do ex-presidente — o que sugere uma tentativa de controle sociopolítico. Mas estão enganados os que dizem que o interesse pelo social, da parte do PT, não é genuíno. O apoio político aos governos petistas — foram quatro eleições vitoriosas consecutivas — deriva, em parte, do apoio ao consumismo (uma política, aliás, que está acima de decisões dos governos), mas também do fato de que investiram, com relativa qualidade, na melhoria da vida dos mais pobres.
Para além da corrupção, os indivíduos “compraram” a ideia de que os gestores petistas propuseram a construção de uma sociedade (mais) inclusiva. Porque, apesar dos pesares, a ideia era verdadeira, não era falsa. Numa sociedade desigual como a brasileira, na qual houve escravidão sistêmica, é muito difícil, senão impossível, que a integração se dê exclusivamente por meio do mercado (nem mesmo o PSDB de Fernando Henrique Cardoso, que também investiu no social, aceita este discurso). A intervenção do Estado é, por vezes, necessária, até seminal, para criar condições para ampliar a igualdade de oportunidades. Os Estados Unidos, nação tipicamente liberal, adota medidas de inserção social tanto para pobres quanto para negros — desde pelo menos o primeiro governo de Franklin D. Roosevelt. Curiosa ou sintomaticamente, o investimento no social tem impacto positivo na economia.
Lula da Silva pode até ter se corrompido, como concluíram a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a Justiça Federal — num trabalho conectado altamente produtivo e que empolga o mundo —, mas não é um monstro. É um homem de seu tempo, com defeitos e, claro, virtudes. É um líder — o que Dilma Rousseff não soube ser.
Meios e fins
O filósofo italiano Norberto Bobbio sugeriu que, ao contrário da tese de que “os fins justificam os meios”, o mais preciso é que “os meios corrompem os fins”. Por que o PT, de paladino da anticorrupção, patrocinou o maior esquema de corrupção da história do país? Formular respostas parece mas não é simples e não há, neste Editorial, espaço para um debate extenso.
O impeachment do ex-presidente Fernando Collor tem menos a ver com corrupção e mais com escassez de apoio político no Congresso Nacional. Quando tentou conquistar o apoio de deputados e senadores, num acesso de realpolitik repentino, era tarde. Jorge Bornhausen e Antonio Carlos Magalhães eram hábeis operadores da corte política de Brasília, mas chegaram tarde para salvar o mandato do político das Alagoas de Graciliano Ramos.
O espectro de Fernando Collor assustou o PT, que não tinha experiência de governar o país, e seus líderes anteviram, de alguma maneira, a possibilidade de um impeachment no futuro. Por artes de José Dirceu, um dos políticos mais qualificados do PT — mais moderado do que se costuma perceber —, com o apoio de Lula da Silva, o primeiro governo petista inventou o mensalão.
O mensalão era uma maneira de submeter a República patropi por meio de pagamentos mensais. Os tradicionais donos do poder eram pagos regiamente pela esquerda que, temendo ser provisória, planejava eternizar-se no poder. Era um pacto que Goethe certamente chamaria de “faustiano”. Deu certo até ser descoberto, denunciado, resultar em condenações e, até, prisões — como a de José Dirceu, ex-prócer do PT.
A conexão entre o PT, a elite chegante, e as elites políticas tradicionais — Renan Calheiros, Romero Jucá, José Sarney, Valdemar Costa Neto —, além da aliança com figurantes e protagonistas do corpo técnico da burocracia estatal, não foi quebrada pela penalização do esquema do mensalão. Pelo contrário, os governos do PT potencializaram o assalto aos cofres do Erário, repartindo o butim com políticos de alguns, como PMDB e PP. No processo de “corromper” para supostamente “governar”, petistas também se locupletaram — casos de José Dirceu, Antonio Palocci e Lula da Silva. Como disse Norberto Bobbio, os meios corromperam os fins.
As instituições
No meio do caminho, apareceram vários drummonds — as instituições. A Polícia Federal investigou. O Ministério Público Federal denunciou. A Justiça Federal julgou e, em certos casos, condenou. Paralelamente, a Imprensa, outra instituição da democracia, publicou casos escabrosos — o que contribuiu tanto para as investigações quanto para o esclarecimento e mobilização da sociedade contra a corrupção. Polícia Federal, Ministério Público, Justiça e Imprensa resistiram às pressões — no meio do processo, parlamentares, adubados por seus interesses e pelos interesses dos homens do Executivo tentaram controlar o MP e a Imprensa — e não se contaminaram. Percalços e alguns excessos, aqui e ali, não desmerecem o trabalho ingente e competente das instituições mencionadas. Um país se torna de fato civilizado quando prevalece a vitalidade das leis — o seu cumprimento. A criação de homens institucionais — cumpridores das leis — é o sinal mais nítido de que a sociedade democrática está instaurada e, sim, de maneira incontornável.
Na quinta-feira, 5, o Supremo Tribunal Federal decidiu não conceder habeas corpus para evitar a prisão de Lula da Silva, condenado em segunda instância. A discussão a respeito é interminável e há argumentos — bons e ruins dos dois lados, os prós e os contra o petista — que, longe de ampliar o esclarecimento, mais confundem a população. Mas há um fato irrefutável: o ex-presidente Lula da Silva foi condenado à prisão — a pouco mais de 12 anos — e deve começar a cumprir sua pena. O petista-chefe tem o direito de espernear, lógico, mas não o de desrespeitar a decisão judicial.
Há, por fim, uma questão relevante e que merece registro. A condenação de Lula à prisão é pedagógica e mais uma prova de que a democracia está se tornando mais ampla no Brasil. Noutros tempos, dificilmente um homem tão poderoso quanto um ex-presidente da República seria condenado à prisão. Usaria tantos recursos (como, aliás, tenta a defesa do petista) que passaria anos “escapando” dos tentáculos às vezes pouco severos da Justiça. O uso intensivo de questiúnculas é, no geral, uma maneira de proteger os homens do poder, de quaisquer partidos políticos, e retardar e, até, evitar que cumpram suas “penas”.
Se “até” um ex-presidente da República, como Lula da Silva, pode ser preso — depois de condenado em quatro instâncias (fala-se em golpe, mas o petista recorreu a todos os artifícios legais para escapar da penitenciária) —, os brasileiros entenderão que as leis servem para todos, não apenas para os pobres. Só estão protegidos aqueles que cumprem as leis. O Brasil mudou — e para melhor, muito melhor.
Reclama-se, no círculo da esquerda, que o senador Aécio Neves continua livre — assim como outros protagonistas da República investigada pela Operação Lava Jato e outras. Espera-se que, no momento apropriado, o tucano de Minas Gerais seja julgado com o mesmo rigor com o qual foi julgado e condenado Lula da Silva.
Na semana passada, um jornalista de “O Globo” reclamou da pressa do juiz Sergio Fernando Moro, de Curitiba, porque pediu a prisão de Lula da Silva imediatamente à não concessão de habeas corpus para o petista. Ora, o que mais se reclama, inclusive nas páginas deste jornal, é a respeito da falta de celeridade da Justiça. O que se precisa é de uma Justiça que seja de fato justa, mas também mais rápida.
A impunidade está dizendo adeus ao Brasil.