Revista liberal, “The Economist” é uma das melhores e mais respeitadas do mundo. Suas análises em geral são amplas e embasadas. Suas páginas acolhem debates sobre a economia de vários países e o Brasil, por ser uma das maiores potências globais, é analisado com frequência. Nem sempre os governantes aprovam suas análises críticas e, por vezes, corrosivas. No geral, excelentes — com idiossincrasias aqui e ali.

Na quinta-feira, 3, o “Estadão” traduziu e publicou uma análise da “Economist”, com o título de “Os investidores estão cada vez mais otimistas com o Brasil”. A reportagem da revista britânica mostra aquilo que nem sempre se vê na imprensa patropi: avaliações para além da disputa do Centrão por mais um naco de poder no governo do presidente Lula da Silva, do PT.

Certo: não há como não discutir o “apetite” por cargos e poder do Centrão de Arthur Lira (pP), presidente da Câmara dos Deputados. Certo: só coroinhas de primeira viagem acreditam que Lula da Silva pode “contornar” a turma centrãozista e governar só com os puros da aldeia.

Conversa com o Presidente, em Brasília | Foto: TV Brasil GOV
Lula da Silva: moderação do presidente agrada o mercado externo | Foto: TV Brasil

Realista, o petista-chefe sabe que, para governar, é preciso contar com certa “benevolência” dos “bons”, dos “mais ou menos” e, até, dos “ruins”. A vida real é dolorida e palavras belas, as que tentam criar paraísos na Terra, não ajudam a governar. Para gerir a máquina pública, o gestor nacional precisa, acima de tudo, de maioria relativamente confortável na Câmara e no Senado. Os cabelos cada vez mais brancos do ex-metalúrgico sugerem experiência, maturidade e pragmatismo. Realismo, enfim.

Produto jornalismo de um país antigo, que não perde tempo com certas firulas, “Economist” nem discute, ao menos na matéria em pauta, a questão do Centrão. Porque, insistamos, o Centrão é incontornável. O governo será melhor e mais rápido nas decisões, para obter resultados, se colocar a turma de Arthur Lira debaixo de suas “asas”. Na política quem não cede alguns anéis pode acabar perdendo todos os dedos.

Sete meses após a posse, “os mercados começam a se aquecer para o governo Lula. Em uma pesquisa recente com 94 gestores de fundos e analistas brasileiros, apenas 44% tinham uma visão desfavorável do governo, ante 90% em março. Em 26 de julho, a agência de classificação de risco Fitch elevou a nota de crédito do Brasil pela primeira vez desde que o país perdeu o grau de investimento, em 2018”.

A melhoria da imagem do Brasil não tem a ver so com o governo de Lula da Silva. “A invasão da Ucrânia pela Rússia colocou em risco as exportações de dois dos maiores produtores de grãos do mundo (Rússia e Ucrânia). A China suspendeu as restrições provocadas pela pandemia, aumentando a demanda por alimentos. Esses dois fatores tornaram os grãos brasileiros mais procurados. Só as exportações de soja poderiam responder por um quinto do crescimento econômico este ano. Isso está aumentando o superávit comercial do país, que já é grande”, ressalta e ressalva “Economist”.

Fernando Haddad | Foto: Marcelo Camargo/ABr
Fernando Haddad: realismo do ministro é aprovado por investidores | Foto: Marcelo Camargo/ABr

A crise entre a China e os Estados Unidos — que é um problema muito maior, incomparável, do que a guerra da Rússia contra a Ucrânia — e a possibilidade de o país de Joe Biden reduzir os juros, em 2024, estão levando os investidores a procurarem os países ditos emergentes, como o Brasil. Em 2022, mesmo com os equívocos do governo de Jair Bolsonaro, “o Brasil recebeu mais de 91 bilhões de dólares  em investimentos estrangeiros diretos, tornando-se o quinto maior destino de investimentos do mundo”, destaca “Economist”.

Robin Brooks, do Institute of International Finance, em Washington, disse à revista: “As pessoas definitivamente estão olhando para o Brasil agora de uma forma que não faziam nos últimos dez anos”. De alguma maneira, dada sua moderação e equilíbrio, Lula da Silva é uma esperança dos que têm dinheiro e precisam de segurança jurídica e não das maluquices isolacionistas preconizadas pelo bolsonarismo.

Ao contrário do que creem alguns, sobretudo no espectro da esquerda, “Economist” frisa que o fato de o Banco Central ser independente gera respeitabilidade para o Brasil no exterior. “As políticas do banco parecem ter valido a pena. A inflação anual caiu de 12% em abril do ano passado para 3,2% agora (embora a previsão seja fechar o ano em cerca de 5%).” A taxa de juros caiu de 13,75% para 13,25%. Ainda não é animador àqueles que precisam de financiamentos para fazer ou ampliar seus investimentos na área produtiva. Mas é um bom sinal. E uma taxa mais baixa, com inflação controlada, sugere que a economia está relativamente equilibrada. “Economist” pontua que “um fator que pode ajudar a manter a inflação baixa é a valorização do real em relação ao dólar”.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com suas posições moderadas, sem arroubos esquerdistas, agrada o mercado. Economistas e empresários atribuem ao auxiliar de Lula da Silva o firme interesse do governo federal pela aprovação de reformas, como a Tributária e o novo arcabouço fiscal (que também chamam de teto de gastos).

Com a Reforma Tributária, postula o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o PIB tende a crescer. A visão do dirigente do Bacen e a “Economist” parece grandemente otimista. Porque não se sabe como o país vai se adaptar às novas regras (há risco de caos, ao menos no início). Economias emergentes, como as de Goiás, da Bahia e do Ceará e Mato Grosso do Sul, para citar apenas quatro Estados, terão dificuldade sem atrativos fiscais para oferecer às empresas.

Substituto do texto fiscal gestado em 2016 — que o governo de Bolsonaro burlou com o orçamento dito secreto —, o arcabouço fiscal pretende ser mais flexível e, por isso, mais realista. “A nova regra limita o aumento dos gastos primários do governo federal a 70% do crescimento da receita do ano anterior, visando a alcançar um orçamento primário (ou seja, antes do pagamento dos juros) equilibrado no próximo ano e um superávit primário a partir de 2025. Se o governo não atingir suas metas, o crescimento dos gastos ficará restrito a apenas 50% do crescimento da receita do ano anterior e o governo não poderá aumentar os salários dos funcionários públicos. Com o tempo, isso deve estabilizar a dívida pública bruta do Brasil, que atualmente é de 74% do PIB, segundo o Banco Central”, anota “Economist”. O FMI indica outro dado: 90% do PIB.

Integrante da corretora e gestora Warren, Felipe Salto assinala que, no início de 2023, “havia muito pessimismo entre nossos clientes”. Sete meses depois, “muitos veem ‘alguns anos de bonança pela frente’”. O governo de Lula da Silva não assusta o mercado, que confia cada vez na estabilidade proporcionada pelo presidente, que, além de não ameaçar a democracia, está reabrindo o Brasil para o mundo, sem peias ideológicas. A política interior e exterior é pautada pelo pragmatismo.

Há grande interesse dos investidores na abertura do Brasil para a produção de “energia limpa” e acredita-se que Lula da Silva poderá transformar “o país numa potência verde”. O governo federal vai apresentar, já em agosto, “um pacote de cerca de 100 iniciativas ambientais., incluindo uma lei para criar um mercado regulado de emissões de carbono e outra para impulsionar indústrias verdes”. A gestão petista postula que centenas de bilhões de reais serão investidos, notadamente pela iniciativa privada.

Apesar do protecionismo francês, que, por vezes, age como uma velha potência colonial, o acordo de livre-comércio de quatro países da América do Sul — Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai — com a União Europeia deve ser firmado em breve.

A reportagem de “Economist” contém um equívoco, típico de liberais ortodoxos, ao apresentar o aumento dos investimentos sociais do governo Lula da Silva como “gastos”. Trata-se, a rigor, de apoio maciço ao desenvolvimento, mais do que mero assistencialismo, e um incentivo, mais direto do que indireto, ao crescimento. Os recursos, de cunho estatal, não vão para o desperdício. Pelo contrário, retornam ao mercado e, repetindo, reforçam o crescimento. “Lula aumentou os gastos sociais em seus primeiros 100 dias, com um crescimento anual de 24 bilhões de dólares”, diz a revista. A posição humanista do presidente, que deveria ser realçada positivamente, é apontada negativamente. E, como dissemos, não se trata só de humanismo, pois os recursos repassados aos pobres não ficam entesourados — retornam ao mercado, dinamizando-o.

O que “Economist” deveria sugerir é a criação pelo governo de Lula da Silva de programas de inserção social mais amplos, sobretudo a partir da educação. Investir em ensino de qualidade — e em melhores salários para os professores —, no setor público, é uma maneira altamente positiva de “distribuir” renda, sobretudo de inserir os pobres na sociedade — eles que estão à margem, desde sempre, digamos assim.