Daniel Vilela plantou em 2016 para Ronaldo Caiado colher em 2018?
05 novembro 2016 às 10h06
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O escritor modernista Mário de Andrade poderia usar as palavras “suspanto” e “estupidade” para interpretar a possibilidade de o deputado federal do PMDB aceitar ser vice do senador na disputa para o governo
O político eficiente é o que agrega. Mas um político, para se tornar vitorioso, não precisa transformar sua campanha numa arca de Noé. Porém, em sã consciência e com visão histórica, não se dispensa apoios qualitativos. Não há dúvida de que o prefeito de Aparecida de Goiânia, Maguito Vilela, o deputado federal Daniel Vilela, ambos do PMDB, e o senador Ronaldo Caiado, do DEM, são políticos de valor. Estão acima da média. Porém, como conjugar suas ideias e interesses político-eleitorais? É, de fato, possível juntá-los? O que explica uma possível união entre eles? Meros interesses eleitorais ou eleitoreiros? A junção entre forças tão díspares beneficia mais o vilelismo — o substituto hegemônico do irismo em Goiás — ou o caiadismo?
Leitores, sábios, poderão ressalvar: “2018 está muito longe”. Pode ser que tenham alguma razão, porque, em dois anos, o mundo muda muito — pessoas nascem, pessoas morrem — e o ciclo da vida continua. O mundo às vezes muda num instante, não raro pegando os indivíduos desprevenidos e não aparelhados para os novos tempos — o que frequentemente gera, diria Sigmund Freud, um mal-estar na civilização. Atribui-se ao mineiro Tancredo Neves (avô de Aécio Neves, mas um político muito mais substantivo, do porte de Ulysses Guimarães) a frase de que “não há cedo em política — só tarde”. É provável que, por razões diferentes, leitores e o ministro da Justiça do último governo do presidente Getúlio Vargas tenham suas razões.
Os brasileiros estão “cansados” dos políticos — eternos Judas e Genis. Por isso, a dois anos de uma nova eleição, não se interessam tanto por discussões sobre possíveis candidatos a governador. Porém, o fato de não se preocuparem com o assunto não significa que os políticos não estejam colocando as peças no tabuleiro e começando a movimentá-las. O futuro não chega de repente — vai sendo construindo aos poucos, tanto pelos mais lentos quanto pelos mais apressados, num poderoso baile dialético. Os políticos sabem, com rara clarividência, que o futuro é construído no presente, porque o futuro, a rigor, não existe, nunca existe, nunca existirá. O futuro é o nunca. O que existe é o presente, filho do passado e pai do futuro. O presente é o “tempo” no qual as pessoas vivem. O filósofo anglo-letão Isaiah Berlin sugeriu que os indivíduos devem desconfiar dos que pregam uma vida melhor só no futuro, não buscando melhorá-la no presente. Era e é uma crítica aos socialistas, que, como certos religiosos — o marxismo é uma das religiões laicas da humanidade; a outra é o Iluminismo —, pregam um presente de agruras para que se tenha um futuro paradisíaco. O resultado é que um presente desgraciado acaba por gerar um futuro desgraçado. Os meios corrompem os fins (o PT corrompeu e se corrompeu), notou o filósofo italiano Norberto Bobbio.
A prova de que o futuro é filho do presente, este ditador, é que Daniel Vilela, o jovem presidente do PMDB, trabalhou como um condenado em todo o Estado nas eleições de 2016, apoiando candidatos do partido e de partidos aliados, com uma energia que lembra a de Marconi Perillo em 1998. O que o “enfant” peemedebista estava fazendo mesmo? Plantando para colher em 2018. Ele provou duas coisas para os filiados do partido em Goiás. Primeiro, que é líder de fato. Líder é aquele que se faz presente, que empresta apoio ao lado, não a distância. Segundo, firmou-se como líder. Em decorrência, se tornou conhecido em todas as regiões. As bases do peemedebista estão plantadas, falta apenas sedimentá-las, com um pouco de adubo político — assistência frequente e ouvido atento aos seus rogos —, para que se tenha uma colheita produtiva em 2018.
Para formatar uma base político-eleitoral — apresentando-se, por sinal, não apenas aos eleitores peemedebistas, mas também aos demais eleitores —, Daniel Vilela contou com o apoio de alguns políticos, como Maguito Vilela, seu pai e mais importante figura do PMDB no momento. Daniel Vilela é a face radical de Maguito Vilela e Daniel Vilela é a face moderada de Maguito Vilela. Juntos, são a face renovadora do partido. Mas é preciso verificar se não querem mesmo ser uma força “subordinada”.
O objetivo do vilelismo — espécie de irismo modernizado e, portanto, arejado — é um só: bancar Daniel Vilela, ou Maguito Vilela (de mais estatura, por estar há mais tempo na política), para o governo de Goiás. Lançá-lo seria uma aposta no novo — o que, desde 1998, há quase 20 anos, o PMDB não faz. Frise-se que a disputa de 2018 poderá ser uma aposta do novo contra o novo. Se a base governista bancar José Eliton, do PSDB, ou Thiago Peixoto, do PSD, o peemedebismo terá coragem, ou condições, de bancar um postulante de 70 anos? O mais provável é que banque, para finalmente diferençar-se de sua história — o PMDB tem sido irmão do óbvio e, por isso, perdeu cinco eleições consecutivas para o governo do Estado —, um candidato como Daniel Vilela, que terá, em 2018, menos de 40 anos de idade.
O vilelismo está forte, até muito forte. Tanto que Maguito Vilela fez o sucessor, Gustavo Mendanha, em Aparecida de Goiânia. Um dos motivos é que articula com desenvoltura e eficiência. Se está bem, se tem dois líderes gabaritados, um novo e um com experiência, o peemedebismo vilelista vai bancar Ronaldo Caiado para governador, lançando o vice, Daniel Vilela? Em nome da união das oposições — enfim, do “juízo” (juízo em excesso às vezes não é sinônimo de bom senso, e sim de comodismo) —, o vilelismo se entregaria como noiva para um noivo sem dote? O que Ronaldo Caiado, político competente e atuante em Brasília, tem realmente a oferecer aos dois Vilelas? O nome? Sim, o nome é positivo. Mas, numa campanha majoritária, em termos de governo do Estado, não se precisa unicamente de um nome simbólico. O que mais se precisa é de uma base eleitoral sólida. Ronaldo Caiado pode oferecer alguma base eleitoral ao vilelismo? Não.
Assim, ao se aproximar (ou tentar se aproximar) do vilelismo, por intermédio de um padrinho, o prefeito eleito de Goiânia, Iris Rezende, o que Ronaldo Caiado quer é aquilo que não tem, e não trabalhou para construir: uma base política. Daniel Vilela dirá, em 2018, “plantei para Ronaldo Caiado colher”? Se disser isto, sobretudo se realmente tiver plantado para a colheita do presidente do partido Democratas, o jovem político estará dando uma banana a todos aqueles que foram apoiados por ele em 2016. Os prefeitos e vereadores eleitos pelo PMDB — acrescidos dos que foram derrotados, mas formam uma base sólida e leal —, se Daniel Vilela não disputar o governo para abrir espaço para Ronaldo Caiado, se sentirão traídos, até violentados politicamente. O PMDB, mesmo nos períodos mais difíceis, nunca foi cauda — sempre foi cabeça. O vilelismo vai trocar a cabeça pela cauda? Vai se tornar um avestruz político?
Os Vilelas, Maguito e Daniel, não têm nada de néscios; pelo contrário, com aquele jeitão malemolente e civilizado — eles têm um ar ausente (meio cara de paisagem, notadamente Maguito Vilela), mas prestam atenção em tudo —, são inteligentes, astutos e perspicazes. Por isso, sabem que, se estão “abrindo” o quadro de 2018, contribuindo para a renovação, dificilmente terão como “fechar” com Ronaldo Caiado. Como se diz em Jataí, a aprazível cidade do Sudoeste goiano, o cavalo não costuma passar arreado duas vezes na mesma porta. O político verdadeiro é aquele que aproveita as oportunidades, porque sabe que poderá não ter outra chance de disputar um pleito em condições quiçá ideais.
Portanto, se os Vilelas não lançarem um candidato a governador em 2018, mostrando que não entenderam os recados dos ventos da mudança, resta aos leitores, seguidos dos eleitores, dizerem: “A estupidade é um suspanto!”
Observe o leitor que este Editorial nem mesmo tocou na divergência histórica entre o peemedebismo e o caiadismo em Goiás. Pode parecer não ter importância, sobretudo na capital — sempre cosmopolita e tendente a olvidar o passado —, mas no interior uma aliança entre o udenismo histórico dos Caiados e o pessedismo histórico do peemedebismo é absolutamente incongruente. Não dará liga, por certo. Anote e, se quiser, cobre depois… de Maguito Vilela, Daniel Vilela e Ronaldo Caiado.
Esclarecimento
Ah, sim, “suspanto” e “estupidade” são palavras usadas pelo escritor Mário de Andrade, autor dos clássicos modernistas “Macunaíma” (romance) e “Pauliceia Desvairada” (poesia). Os termos, a rigor, não precisam de “tradução” (susto e espanto, por exemplo, fazem parte da vida de todos, pois o mundo do real não deixa de ser fabular). O leitor saberá lê-los à sua maneira.