O escritor modernista Mário de Andrade poderia usar as palavras “suspanto” e “estupidade” para interpretar a possibilidade de o deputado federal do PMDB aceitar ser vice do senador na disputa para o governo 

Maguito Vilela e Daniel Vilela: os dois líderes do PMDB de Goiás, mais fortes do que Iris Rezende no Estado, vão plantar para Ronaldo Caiado colher? Por quê? Querem ser uma força subordinada na política de Goiás?
Maguito Vilela e Daniel Vilela: os dois líderes do PMDB de Goiás, mais fortes do que Iris Rezende no Estado, vão plantar para Ronaldo Caiado colher? Por quê? Querem ser uma força subordinada na política de Goiás?

O político eficiente é o que agrega. Mas um político, para se tornar vitorioso, não precisa transformar sua campanha numa arca de Noé. Porém, em sã consciência e com visão histórica, não se dispensa apoios qualitativos. Não há dúvida de que o prefeito de Aparecida de Goiânia, Maguito Vilela, o deputado federal Daniel Vilela, ambos do PMDB, e o senador Ronaldo Caiado, do DEM, são políticos de valor. Estão acima da média. Porém, como conjugar suas ideias e interesses político-eleitorais? É, de fato, possível juntá-los? O que explica uma possível união entre eles? Meros interesses eleitorais ou eleitoreiros? A junção entre forças tão díspares beneficia mais o vilelismo — o substituto hegemônico do irismo em Goiás — ou o caiadismo?

Leitores, sábios, poderão ressalvar: “2018 está muito longe”. Pode ser que tenham alguma razão, porque, em dois anos, o mundo muda muito — pessoas nascem, pessoas morrem — e o ciclo da vida continua. O mundo às vezes muda num instante, não raro pegando os indivíduos desprevenidos e não aparelhados para os novos tempos — o que frequentemente gera, diria Sigmund Freud, um mal-estar na civilização. Atribui-se ao mineiro Tancredo Neves (avô de Aécio Neves, mas um político muito mais substantivo, do porte de Ulysses Guimarães) a frase de que “não há cedo em política — só tarde”. É provável que, por razões diferentes, leitores e o ministro da Justiça do último governo do presidente Getúlio Vargas tenham suas razões.

Os brasileiros estão “cansados” dos políticos — eternos Judas e Genis. Por isso, a dois anos de uma nova eleição, não se interessam tanto por discussões sobre possíveis candidatos a governador. Porém, o fato de não se preocuparem com o assunto não significa que os políticos não estejam colocando as peças no tabuleiro e começando a movimentá-las. O futuro não chega de repente — vai sendo construindo aos poucos, tanto pelos mais lentos quanto pelos mais apressados, num poderoso baile dialético. Os políticos sabem, com rara clarividência, que o futuro é construído no presente, porque o futuro, a rigor, não existe, nunca existe, nunca existirá. O futuro é o nunca. O que existe é o presente, filho do passado e pai do futuro. O presente é o “tempo” no qual as pessoas vivem. O filósofo anglo-letão Isaiah Berlin sugeriu que os indivíduos devem desconfiar dos que pregam uma vida melhor só no futuro, não buscando melhorá-la no presente. Era e é uma crítica aos socialistas, que, como certos religiosos — o marxismo é uma das religiões laicas da humanidade; a outra é o Iluminismo —, pregam um presente de agruras para que se tenha um futuro paradisíaco. O resultado é que um presente desgraciado acaba por gerar um futuro desgraçado. Os meios corrompem os fins (o PT corrompeu e se corrompeu), notou o filósofo italiano Norberto Bobbio.

A prova de que o futuro é filho do presente, este ditador, é que Daniel Vilela, o jovem presidente do PMDB, trabalhou como um condenado em todo o Estado nas eleições de 2016, apoiando candidatos do partido e de partidos aliados, com uma energia que lembra a de Marconi Perillo em 1998. O que o “enfant” peemedebista estava fazendo mesmo? Plantando para colher em 2018. Ele provou duas coisas para os filiados do partido em Goiás. Primeiro, que é líder de fato. Líder é aquele que se faz presente, que empresta apoio ao lado, não a distância. Segundo, firmou-se como líder. Em decorrência, se tornou conhecido em todas as regiões. As bases do peemedebista estão plantadas, falta apenas sedimentá-las, com um pouco de adubo político — assistência frequente e ouvido atento aos seus rogos —, para que se tenha uma colheita produtiva em 2018.

Para formatar uma base político-eleitoral — apresentando-se, por sinal, não apenas aos eleitores peemedebistas, mas também aos demais eleitores —, Daniel Vilela contou com o apoio de alguns políticos, como Maguito Vilela, seu pai e mais importante figura do PMDB no momento. Daniel Vilela é a face radical de Maguito Vilela e Daniel Vilela é a face moderada de Maguito Vilela. Juntos, são a face renovadora do partido. Mas é preciso verificar se não querem mesmo ser uma força “subordinada”.

O objetivo do vilelismo — espécie de irismo modernizado e, portanto, arejado — é um só: bancar Daniel Vilela, ou Maguito Vilela (de mais estatura, por estar há mais tempo na política), para o governo de Goiás. Lançá-lo seria uma aposta no novo — o que, desde 1998, há quase 20 anos, o PMDB não faz. Frise-se que a disputa de 2018 poderá ser uma aposta do novo contra o novo. Se a base governista bancar José Eliton, do PSDB, ou Thiago Peixoto, do PSD, o peemedebismo terá coragem, ou condições, de bancar um postulante de 70 anos? O mais provável é que banque, para finalmente diferençar-se de sua história — o PMDB tem sido irmão do óbvio e, por isso, perdeu cinco eleições consecutivas para o governo do Estado —, um candidato como Daniel Vilela, que terá, em 2018, menos de 40 anos de idade.

O vilelismo está forte, até muito forte. Tanto que Maguito Vilela fez o sucessor, Gustavo Mendanha, em Aparecida de Goiânia. Um dos motivos é que articula com desenvoltura e eficiência. Se está bem, se tem dois líderes gabaritados, um novo e um com experiência, o peemedebismo vilelista vai bancar Ronaldo Caiado para governador, lançando o vice, Daniel Vilela? Em nome da união das oposições — enfim, do “juízo” (juízo em excesso às vezes não é sinônimo de bom senso, e sim de comodismo) —, o vilelismo se entregaria como noiva para um noivo sem dote? O que Ronaldo Caiado, político competente e atuante em Brasília, tem realmente a oferecer aos dois Vilelas? O nome? Sim, o nome é positivo. Mas, numa campanha majoritária, em termos de governo do Estado, não se precisa unicamente de um nome simbólico. O que mais se precisa é de uma base eleitoral sólida. Ronaldo Caiado pode oferecer alguma base eleitoral ao vilelismo? Não.

Assim, ao se aproximar (ou tentar se aproximar) do vilelismo, por intermédio de um padrinho, o prefeito eleito de Goiânia, Iris Rezende, o que Ronaldo Caiado quer é aquilo que não tem, e não trabalhou para construir: uma base política. Daniel Vilela dirá, em 2018, “plantei para Ronaldo Caiado colher”? Se disser isto, sobretudo se realmente tiver plantado para a colheita do presidente do partido Democratas, o jovem político estará dando uma banana a todos aqueles que foram apoiados por ele em 2016. Os prefeitos e vereadores eleitos pelo PMDB — acrescidos dos que foram derrotados, mas formam uma base sólida e leal —, se Daniel Vilela não disputar o governo para abrir espaço para Ronaldo Caiado, se sentirão traídos, até violentados politicamente. O PMDB, mesmo nos períodos mais difíceis, nunca foi cauda — sempre foi cabeça. O vilelismo vai trocar a cabeça pela cauda? Vai se tornar um avestruz político?

Os Vilelas, Maguito e Daniel, não têm nada de néscios; pelo contrário, com aquele jeitão malemolente e civilizado — eles têm um ar ausente (meio cara de paisagem, notadamente Maguito Vilela), mas prestam atenção em tudo —, são inteligentes, astutos e perspicazes. Por isso, sabem que, se estão “abrindo” o quadro de 2018, contribuindo para a renovação, dificilmente terão como “fechar” com Ronaldo Caiado. Como se diz em Jataí, a aprazível cidade do Sudoeste goiano, o cavalo não costuma passar arreado duas vezes na mesma porta. O político verdadeiro é aquele que aproveita as oportunidades, porque sabe que poderá não ter outra chance de disputar um pleito em condições quiçá ideais.

Portanto, se os Vilelas não lançarem um candidato a governador em 2018, mostrando que não entenderam os recados dos ventos da mudança, resta aos leitores, seguidos dos eleitores, dizerem: “A estupidade é um suspanto!”
Observe o leitor que este Editorial nem mesmo tocou na divergência histórica entre o peemedebismo e o caiadismo em Goiás. Pode parecer não ter importância, sobretudo na capital — sempre cosmopolita e tendente a olvidar o passado —, mas no interior uma aliança entre o udenismo histórico dos Caiados e o pessedismo histórico do peemedebismo é absolutamente incongruente. Não dará liga, por certo. Anote e, se quiser, cobre depois… de Maguito Vilela, Daniel Vilela e Ronaldo Caiado.

Esclarecimento

Ah, sim, “suspanto” e “estupidade” são palavras usadas pelo escritor Mário de Andrade, autor dos clássicos modernistas “Macunaíma” (romance) e “Pauliceia Desvairada” (poesia). Os termos, a rigor, não precisam de “tradução” (susto e espanto, por exemplo, fazem parte da vida de todos, pois o mundo do real não deixa de ser fabular). O leitor saberá lê-los à sua maneira.