No momento em que o governo Temer faz um ajuste fiscal rigoroso, políticos, como o lavajateiro Romero Jucá, propõem a criação de um fundo misto, público e privado, para bancar campanhas eleitorais

Igor morski

No momento em que o Congresso age para alterar a Lei dos Partidos Políticos, uma voz ponderada é a do cientista político Jairo Nicolau. “A discussão sobre reforma do sistema eleitoral não devia ser feita nesta legislatura, por razões de legitimidade, da falta de apoio que ela tem na opinião pública”, afirma, em entrevista à repórter Fernanda Krakovics, de “O Globo” (edição de sexta-feira, 17).

Dada a crise política do país, com políticos de vários partidos altamente contaminados pela corrupção e investigados pela Lava Jato e outras operações, é preciso “ter muita prudência”, sublinha Jairo Nicolau, um dos maiores estudiosos do sistema eleitoral do país. “Um bom momento para mexer é depois que as apurações forem realizadas, que tiver um controle de como isso eventualmente contaminou o processo de eleição de deputados, saber como deputados estão envolvidos ou não. Uma reforma deve ficar para a próxima legislatura.” Uma reforma que contribua para aliviar pressões sobre políticos denunciados fatalmente terá de ser reformada em seguida. Portanto, não funcionará e servirá para gerar ainda mais frustração na sociedade.

Se a quantidade excessiva de partidos políticos contribui para travar os governos e o próprio Legislativo, que demora demasiado para decidir, o que resta fazer? Jairo Nicolau sugere “acabar com as coligações nas eleições proporcionais e estabelecer uma cláusula de barreira nacional”.

Fundo eleitorial

O Congresso planeja criar um fundo eleitoral público. Ou um fundo com financiamento misto — público e privado. Jairo Nicolau contesta a ação dos parlamentares: “O financiamento público exclusivo é uma temeridade. A gente tem notícias de investigação das contas dos partidos, do uso do fundo partidário (um político que chegou a comprar um helicóptero, com o dinheiro do fundo, mais para servi-lo do que pare servir ao partido). A própria demora do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em investigar as contas da [ex-]presidente Dilma [Rousseff] mostra que a Justiça Eleitoral hoje tem dificuldades. A proposta (em discussão) é a mais simples. Você simplesmente aumenta o dinheiro do Estado para as campanhas e pronto. O problema é que a gente não tem essa competência instalada hoje para fiscalizar essas contas. A gente não tem capacidade de fiscalizar a transferência de 4 bilhões de reais, 5 bilhões de reais que seriam usados em milhares de campanhas Brasil afora”.

Mas o problema vai além da fiscalização que não será possível fazer, na avaliação de Jairo Nicolau. O Fundo Partidário, que era de 300 milhões de reais, saltou para mais de 700 milhões de reais. Então, injetar mais dinheiro público em campanhas políticas seria um contrassenso, especialmente num momento em que o país faz um ajuste fiscal rigoroso, reduzindo os gastos do Estado, com o objetivo de que este seja menos dispendioso para a sociedade. Mais um fundo será praticamente a criação de um novo imposto a ser pago pela sociedade, já amplamente escorchada pelo governo federal. Num artigo, “O Globo” sugere que o caixa 2, mesmo sob pressão, continuará existindo. Quem vai controlá-lo? Ministério Público e a Justiça Eleitoral não têm estrutura para uma fiscalização global em todo o país.

Curiosa ou sintomaticamente, um dos políticos que mais estão discutindo as mudanças é o senador Romero Jucá (PMDB-RR), citado fartamente na Lava Jato. Ele é um dos defensores do fundo misto — com dinheiro público e privado. O sistema funcionaria assim: o dinheiro seria repassado para o fundo, e não diretamente para os partidos políticos. Em seguida, o fundo repassaria os recursos — de maneira proporcional — para as organizações partidárias. No estilo do Fundo Partidário. “Em tese, não haverá um direcionamento específico para um partido. Você estará contribuindo com a democracia, e não com uma entidade partidária diretamente. A gente está fazendo isso para evitar que setores mais organizados possam ter laranjas doando diretamente para determinado partido”, afirma o “angelical” Romero Jucá.

Lavajateiro, Romero Jucá frisa que um dos projetos pretende reduzir as penalidades aos partidos políticos, ao mesmo tempo que, teoricamente, “criará” mais transparência — o que “facilitará” o trabalho do Tribunal Superior Eleitoral. Na opinião do senador, os doadores de campanha têm sido “excessivamente” penalizados pela Justiça Eleitoral, que seria extremamente “rigorosa”. Em parte, apesar de não se sabe quais são suas intenções, o político tem razão. Possibilita-se que o indivíduo, como pessoa física, faça a doação, mas cria-se um sistema, extremamente punitivo, que o assusta e, deste modo, contribui para a redução da contribuição — o que reforça a prática do caixa 2 (como a doação indireta de empresas, o que é proibido por lei).

O sistema atual prevê financiamento das campanhas eleitorais por intermédio de recursos de pessoas físicas e do fundo partidário. Jairo Nicolau diz que o sistema, embora não seja ruim, precisa ser aperfeiçoado. “Falta”, por exemplo, a regulamentação, pelo Congresso, das “formas de financiamento” por pessoas físicas. “A França tinha um modelo parecido com o brasileiro de financiamento empresarial e fez uma transição para um modelo de financiamento individual (por pessoa física) que é um sucesso.”

Só que os políticos reclamam que não há “tradição de contribuição de campanha por pessoas físicas”. De fato, concorda em parte Jairo Nicolau, “não temos, mas a campanha do [Marcelo] Freixo no Rio [de Janeiro] mostrou que é possível arrecadar recursos em pequena escala quando você tem uma campanha ativa, com envolvimento cívico forte”.

Por que os políticos estão com pressa de aprovar as mudanças, para as quais alguns próceres já teriam convencido o presidente Michel Temer? Porque, para servirem para a eleição de 2018, o Congresso terá de aprová-las até setembro de 2017. No caso, a pressa pode ser inimiga da perfeição e, sobretudo, da correção moral.

Lista fechada

Há um grupo de políticos que torcem pela aprovação do sistema de voto em lista fechada. À primeira vista, parece positivo, pois valorizaria os partidos políticos. Na verdade, dada a montagem dos partidos no Brasil, com controle de caciques históricos, os eleitores terão, na verdade, pouco direito de escolha. Eles votarão nos candidatos previamente escolhidos pelos líderes partidários. A democracia se tornará um simulacro; na verdade, em termos políticos, o país se tornará praticamente autocrático. “O Globo” acrescenta uma informação: “Há um motivo forte, oculto: ao instituir a eleição por lista fechada de candidatos, o Legislativo não exporá nomes sob investigação no Supremo e mesmo já denunciados pela Procuradoria-Geral da República. Será um estrondoso estelionato eleitoral, cometido por vias legais. Com a suprema distorção de que, em muitos partidos, os caciques que escolherão os candidatos também farão parte da lista de Janot”.

O presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), garante que o presidente da República, Michel Temer, não vai vetar a proposta de voto em lista fechada. Quer dizer, aprovada no Congresso, será sancionada pelo presidente. “Eu senti do presidente que não há nenhum desejo de fazer veto se o projeto for aprovado nas duas casas”, frisa o senador peemedebista. O que significa a fala do presidente do Senado? Que há mais um acordão na pauta.

O ministro Henrique Neves, do Tribunal Superior Eleitoral, afirma que “uma grande preocupação do” TSE é “com a profusão de comissões provisórias dos partidos país afora”. Mas este é um assunto que a maioria dos políticos, sobretudo os que têm poder, nem querem discutir. Eles preferem manter comissões provisórias dirigindo os partidos, porque se trata de uma espada de Dâmocles sobre a cabeça dos líderes partidários, a criar diretórios definitivos.