Um grupo criminoso que faz uso da Estrela de Davi para embalar drogas cresce na zona norte do Rio de Janeiro. O Terceiro Comando Puro (TCP) é uma organização criminosa que se autointitula evangélica, e utiliza os símbolos religiosos ligados à crença para comercialização de maconha e cocaína, por exemplo. Apesar do símbolo tipicamente judeu, o grupo evangélico adotou a Estrela devido à crença pentecostal de que o retorno dos judeus à Israel resultará na segunda aparição de Jesus Cristo. 

Hoje, o TCP domina o Complexo de Israel, região composta pelas comunidades Parada de Lucas, Cidade Alta, Pica-pau, Cinco Bocas e Vigário Geral, e se destaca como uma das facções mais poderosas do Rio de Janeiro. Apesar da pregação e da adoção de símbolos religiosos espalhados pelas regiões controladas, o grupo é conhecido por desaparecimentos forçados em toda a região, além dos intensos conflitos com as forças policiais da capital fluminense.

À BBC News Brasil, a teóloga e pastora Vivian Costa, autora do livro Traficantes Evangélicos – Quem são e a quem servem os novos bandidos de Deus (2023), explica as implicações do fenômeno crescente. Segundo ela, os membros do TCP se intitulam como “Tropa de Aarão” (em referência ao irmão de Moisés) e se enxergam como soldados de Jesus. 

A Estrela de Davi e a bandeira de Israel são signos adotados pelo grupo e espalhados pelas comunidades que dominam, como forma de reforçar o controle literal e simbólico das áreas. Ao mesmo tempo, existe combate explícito a toda e qualquer expressão religiosa (pública ou privada) de outras matrizes.

“Tanto as manifestações no espaço público como no espaço privado foram proibidas de existir nesses territórios, com muitas casas de umbanda e candomblé destruídas e queimadas”, afirma Costa. Os dizeres “Jesus é dono do lugar” são marca do grupo. 

O movimento narco-religioso, da mesma forma como a própria fé evangélica, vem crescendo no Brasil, tendo situações como essas sido replicadas em outras grandes metrópoles, como Fortaleza e Salvador.  

Enquanto alguns cientistas políticos enxergam no movimento uma tentativa de organizações criminosas conseguirem mais poder e legitimidade, outros enxergam um reflexo legítimo da própria expansão da fé pentecostal no país. 

Intolerância

O Brasil tem testemunhado um crescimento expressivo da população evangélica, com projeções indicando que, em breve, esse grupo poderá ultrapassar os católicos e se tornar a maior força religiosa do país.

Essa transformação também impacta áreas sob influência de organizações criminosas, onde a presença da religião se faz sentir mesmo em contextos de controle territorial.

No Complexo de Israel, a dimensão religiosa ganha ainda mais destaque, um cerco às formas de crença diversas, desempenhando um papel profundo e amplamente disseminado no cotidiano da comunidade.

Registros oficiais mostram que espaços como terreiros de umbanda e candomblé foram fechados tanto dentro das comunidades como nas regiões vizinhas mais próximas. Costa compartilha que o catolicismo no complexo passou a ser adorado de forma mais privada, sem ocupar espaços públicos ou chamar muita atenção. 

Apesar do temor que o grupo criminoso impõe na população, o que acaba por reduzir as denúncias de intolerância religiosa, existe mandado de prisão emitido contra o chefe do Complexo de Israel, traficante acusado de coordenar ataques a templos de matriz africana em outra comunidade da Baixada Fluminense.

A pesquisadora destaca ainda que em outros momentos, símbolos religiosos diversos já foram adotados por grupos criminosos nessas regiões. Em outros momentos, a “narcorreligiosidade”, como foi chamado o movimento pela pesquisadora, já adotou símbolos como guias, crucifixos, velas e oferendas para pedir proteção, e o que se vê hoje na criminalidade seria uma adaptação no crime a um movimento religioso que acontece em todo o Brasil. 

“Se olharmos para o nascimento do Comando Vermelho e depois do Terceiro Comando e do TCP, a presença do catolicismo e das religiosidades afro estão ali desde a sua gênese”, finalizou Costa, indicando que a ligação entre crime e religião é algo anterior ao crescimento da fé evangélica no Brasil, e a atuação contemporânea do TCP é apenas uma vertente contemporânea da prática.