Conservador, alheio à política e conformado com o celibato. Esse é o perfil do padre brasileiro traçado pelo pesquisador – e também sacerdote – José Carlos Pereira no livro recém-lançado “Operários da fé”. Durante dois anos, entre 2019 e 2021, o autor entrevistou 1.858 colegas de clero para descobrir o perfil, a rotina e as queixas dos homens que servem a Igreja Católica nos quatro cantos do Brasil. “A maior parte é jovem e oriunda da zona rural”, completou o autor.

Na pesquisa, quando o assunto é política, a imensa maioria dos padres se mostram alheios a isso. 97,1% dos entrevistados disseram que não são filiados a partidos políticos, contra apenas 2,9% que disseram que sim. Além disso, a maioria não tem interesse em se candidatar a qualquer cargo eletivo (95,5%), nem concorda que padres se candidatem (72,7%). A maior parte também não apoia abertamente nenhum candidato durante eleições (80,2%).

Apesar de conservadores, a pesquisa revelou uma forte identificação do clero brasileiro com o Papa Francisco. “Ele tem uma aceitação muito grande entre os padres brasileiros, mesmo entre os padres mais conservadores”, revelou José Carlos que afirma que a proximidade justifica o dado. “O papa fala a língua que as pessoas entendem. Viemos de um antecessor que falava rebuscado, longe das pessoas. Papa Francisco é do acolhimento e toca em temas muito pertinentes da realidade do clero e da Igreja”, destacou.

Outro ponto polêmico abordado no livro é a questão da sexualidade. Apesar de 94,4% dos entrevistados afirmarem que não tinham dúvidas sobre a própria identidade afetivo-sexual, o autor acredita que o número pode não refletir a realidade. O autor lembra também que entre os que responderam não duvidar de sua identidade afetivo-sexual, pode haver tanto homo quanto heterossexuais.

No entanto, 86,4%, ou seja, a imensa maioria dos padres se revelou conformada com o celibato. O autor destaca, contudo, que ser celibatário não significa ser casto e que as duas definições costumam causar confusão. “O celibato está relacionado à condição de se manter solteiro, não casar e nem constituir família. Já a castidade seria a renúncia completa aos prazeres sexuais. E nem todos que adotam o celibato fazem votos de castidade, o que é caso dos padres seculares”, explicou José Carlos lembrando que esse tipo de sacerdote representa a maioria (78%) entre os que responderam à pesquisa.

Outro dado descoberto é que quase metade dos padres (43,4%) fazem ou já fizeram acompanhamento psicológico. Além disso, 9,6% fazem ou já fizeram acompanhamento psiquiátrico e 5,5% dos padres disseram não ser felizes. No livro, José Carlos chama atenção para o índice elevado de suicídios entre os sacerdotes, assunto que costuma ser tratado com muita discrição ou simplesmente ignorado pela igreja.

Ainda segundo o autor, o transtorno bipolar, a depressão, o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), os distúrbios alimentares, os transtornos de ansiedade, a esquizofrenia, a somatização e a psicopatia estão entre os problemas psiquiátricos mais comuns enfrentados por quem veste a batina. “A pesquisa mostrou dados preocupantes com relação à saúde do padre e revelou um índice bastante elevado de padres estressados, sobrecarregados com suas atividades”, comentou o pesquisador.

Sobre o autor

José Carlos Pereira é padre, professor, tem pós-doutorado em Antropologia Social, doutorado em Sociologia, Mestrado em Ciências da Religião e Bacharelado em Teologia e Licenciatura Plena em Filosofia. Faz parte do Núcleo de Estudos Religião e Sociedade, do Programa de pós-graduação em Ciências Sociais da PUC-SP.