A Globo também não botava fé no gaúcho. Perdeu a chance de transmitir uma das melhores lutas de brasileiros dos últimos tempos

Quando domingo o apresentador do “Esporte Espetacular” Ivan Moré  anunciou “Esse cara é ‘o’ cara”, para falar da vitória de Fabrício Werdum sobre  Cain Velázquez — até então o gigante mais temido do UFC na atualidade — estampava no rosto o sorriso sem graça como que a exprimir o que a Rede Globo tinha a dizer por não ter transmitido a luta.

É verdade que, mesmo entre os brasileiros mais fanáticos, a vitória do “Cavalo” (alcunha do campeão) era vista como zebra. A Globo também não botava fé no gaúcho, principalmente depois de levar duas “rés” com o mito decadente Anderson Silva (pego no antidoping) e o esforçado mas também em queda Vítor Belfort. Quem esticou o sábado para ver se pegava a luta com o tradicional “delay” exigido para a TV aberta foi para a cama chupando o dedo.

O palco escolhido era perfeito para coroar uma festa de Cain, detentor há três anos do cinturão dos pesados: a Cidade do México, terra natal de seus pais. Dana White, chefão do UFC, quer acelerar o reconhecimento de seu esporte por lá, onde ainda impera o boxe como luta hegemônica no gosto popular.

O sorriso aberto de Werdum enquanto ainda fazia a guilhotina sobre o agora ex-campeão Cain: certeza de que a vitória estava garantida | Reprodução de TV
O sorriso aberto de Werdum enquanto ainda fazia a guilhotina sobre o agora ex-campeão Cain: certeza de que a vitória estava garantida | Reprodução de TV

Mas vai ficar para outra vez. Werdum mostrou que não precisa ser marrento nem ter cara feia para vencer — aliás, que coisa estranha essa de dois marmanjos ficarem esfregando nariz com nariz porque vão lutar no outro dia. O brasileiro preferiu fazer caretas e abrir um sorrisão ao mostrar seu cinturão para os presentes. O espírito leve do gaúcho na pesagem, diante do estilo “poucos amigos” do americano poderia significar duas coisas: ou era um fanfarrão ou o Cavalo estava muito à vontade para lutar contra o touro indomável ali do lado. Era a segunda hipótese.

Daí que, depois de esgotar seu fôlego no 1º round, abatido com a falta de ritmo e com a altitude da capital mexicana — Dana White revelou que cinco lutadores do card da noite vomitaram depois dos combates —, Cain caiu. Virou um boneco com a cara vermelha em cima do tablado, à mercê de socos e joelhadas do rival.

A tática do treinador, absurda: o jeito é levar a luta para o chão, tomar a guarda e partir para a porrada em sequência (o chamado “ground and pound”, algo como “derrubar e esmurrar” em gíria inglesa). Tentar wrestling em vez de trocação. Isso com aquele que tem talvez o melhor jiu-jitsu da categoria.

Aconteceu o que iria inevitavelmente acontecer com essa opção: ao catar as pernas de Werdum, Cain levou uma catada de pescoço como contragolpe. Três segundos depois, ele se rendia. Finalizado. De brinde, nesse curto intervalo entre seu ataque e a rendição, o americano foi recebido com um sorriso franco do brasileiro, como que a dizer “que bom que você quis assim!”. Uma das melhores finalizações do ano, para fechar a melhor luta de um compatriota nos últimos tempos. E a Globo, hein?

Contestado como esporte por muitos, o MMA — sigla em inglês para algo como “mix de artes marciais” e esporte do qual o UFC é a organização mais importante — pode e deve ser visto além da violência, como esporte de estratégia e inteligência. Mais do que a contundência da força física, esses foram os pontos em que Fabrício Werdum se apoiou para buscar a vitória.

Em um mundo cada vez mais cheio de “posers”, e como é bom ter alguém vitorioso sem precisar de marra ou cara de mau. Melhor ainda que seja brasileiro.