por Abílio Wolney

Na solidão de um aposento simples, mas aconchegante, decorado pela cultura de livros novos e antigos, recorro a antigos jornais, digitalizados e transcritos na obra da nossa autoria e sob o título em epígrafe, lançada em 2011 e que traz fatos protagonizados por um grupo de 24 jovens de convictos da ideologia, os quais, como em outros pontos do país, se preparavam para uma guerrilha, fruto da articulação das Ligas Camponesas no início dos anos 60, cujo foco ficava na Fazenda Catingueiro, então município de Dianópolis e atual Rio da Conceição, no ponto fronteiriço entre ambos, hoje sudeste do Tocantins.

 Hoje com uma consciência religiosa melhor formada e depois do Mestrado em Direito e da labuta nas pesquisas como acadêmico de História e de Filosofia, suponho poder compreender onde está a necessária antítese ao materialismo histórico do grande pensador alemão Karl Marx e da sua prospecção.

  Todavia, o presente artigo se limitará a trazer fragmentos do material de época e render o nosso respeito ao ideário dos jovens que fizeram história no setentrião goiano, firmados na heróica convicção que tinham dentro do tempo e do período da força sonhadora da juventude e intelectualidade que desfrutavam em como estudantes universitários.

                O livro Movimento Comunista-Liga Camponesa, 1962 alberga razoável  acervo histórico referente a material jornalístico de 1967, coligido pelo Dr. João Rodrigues Leal,[1] narrando fatos protagonizados por aqueles moços, que, como em outros pontos do País, se preparavam para uma guerrilha em Dianópolis, fruto da articulação das Ligas no início dos anos 60, cujo foco ficava na Fazenda Catingueiro, com o projeto de se instalar também na Serra Negra em Almas, que se atingissem se tornaria uma espécie de “Sierra Maestra”.

As Ligas Camponesas eram organizações populares de trabalhadores rurais que penetravam os sertões, exigindo direitos trabalhistas elementares e terra para plantar e produzir. O movimento ia ganhando pontos nos sertões, com mínimas adesões nas cidades.

A movimentação dos trabalhadores rurais somava-se à influência da revolução cubana recém-vitoriosa. O Brasil era tomado por uma onda de ativismo proletário, cada dia mais radicais ante as desigualdades sociais. Gilvan e um grupo de militantes do PCB, exigiam da direção do partido uma posição mais à esquerda, mais firme.

Os dissidentes rompem com o partido e fundam o Movimento Revolucionário Tiradentes – MRT. Dentre os militantes do MRT, destacaram-se Gilvan Rocha[2], Carlos Montorroyo, Cleto da Costa Campelo Neto, Tarzan de Castro, Clodomir dos Santos Morais, Joaquim Ferreira e outros. Fundam, com outros dissidentes do PCB o Movimento Guerrilheiro do Norte de Goiás.

Narra Paulo Mamede[3] que “em 1962, dezenas de militantes do MRT e organizações afins deixam a cidade e espalham-se pelo país, para iniciar o que seriam ‘os focos guerrilheiros’. Gilvan era escalado para um foco no norte de Goiás. Treinavam táticas de guerrilha, faziam trabalhos assistenciais ‘para ganhar a confiança do povo’ e tinham acesso a alguma literatura.

A aventura, no entanto, não demorou muito. Os erros dos ‘guerrilheiros’ fizeram com que a repressão militar facilmente localizasse e desbaratasse o grupo. O episódio então foi bastante explorado pelos conservadores que já avistavam o que chamavam de ‘perigo vermelho’.

A revista O Cruzeiro, de 11 de dezembro de 1962, dá ampla cobertura ao caso, Gilvan é preso e enquadrado na Lei de Segurança Nacional, em pleno governo de João Goulart. A mesma facilidade encontrada pela repressão para desbaratar os ‘guerrilheiros’ Gilvan encontrou para fugir. Com a ajuda de membros da maçonaria escapole para Brasília e – de lá – volta para o Nordeste, onde articula, em Pernambuco e na Paraíba, a vanguarda do grupo Leninista.

Liga camponesa | Foto: Reprodução

Uma matéria do Jornal O Globo de 26 de janeiro de 1965 trazia uma matéria denuncista:

POR QUE A II GUERRA TERIA INFLUÍDO? [4]

Observemos o seguinte: a II Guerra Mundial foi desfechada contra a extrema-direita. A extrema-esquerda aderiu ao conflito como tábua de salvação. Na época, o nazi-facismo consistia no dilema decisivo: ou seria aniquilado, ou imprimiria a derrota imediata das liberdades humanas.

O comunismo internacional soube aproveitar a ocasião. No Brasil, seus agentes procuraram, com sutilezas, desviar para o integralismo batido em 1938 não apenas a ojeriza pela intentona de 1935, como acrescentar uma aparência de arbítrio aos rumores que a democracia renascente buscava, tonta com restos de sombras do Estado Novo.

Concebeu-se, assim, a admissão de esquerdas perdoadas, esquerdas para as quais correram, impunes e sem escrúpulos, tantos homens da direita, favorecidos pela memória virgem de gerações privadas de liberdade por cinco lustros.

Tratava-se de aproveitar o mercado de eleitores e, em nosso país de tamanhos paradoxos, não faltou mais o de ser pregado um socialismo justamente por figuras dos mais arraigados hábitos e condições burguesas!

Tal coisa não deixou de atingir o então esquecido Goiás. Ludovico quando lá, ainda interventor, proporcionava acolhida a comunistas sem coragem de enfrentar os castigos da metrópole: depois, aqui, já membro da Assembléia Constituinte, nutria esperança de ser embaixador em Moscou, entusiasmando-se num contágio incontável, com o livro do Deão de Canterbury, espécie de “linha saco” da literatura socializante naquela quadra em que aliados podiam ser também inimigos cordiais.[5]

CUBA E O RESTO.

Goiás foi palco de frequentes episódios de retardamento político, feudo de oligarquia demorada e extravagante. Estado mediterrâneo, sacudiu-se nos seus alicerces, com a industrialização florescente do após guerra. Para maior impacto sócio-econômico-político, a estrada que Brasília abriu compensou a perspectiva das verbas diminuídas. Pela estrada, um revolucionário sistema de comunicações e de vida se estabeleceu. E, nesse sistema, o caminhão encurtou para quatro e até três dias o prazo de transporte dos cereais que antes abarrotavam armazéns de Goiânia e de Anápolis, dependendo de uma estrada de ferro obsoleta que decidia da sobrevivência ou da morte dos negociantes. Os vagões carregavam até por seis meses a mercadoria, e na baldeação e na lerdeza registravam-se perdas que raro processo indenizava, não se falando no agravamento dos custos.

Com válvulas de respiração econômica, o Estado nos últimos quinze anos, experimentou saltos extraordinários: a situação energética da ninharia de 12 mil kv, teve potencial bruscamente aproveitado, sobretudo na Cachoeira Dourada, que já nas primeiras etapas da previsão superior a 400.000 kv abasteceu Brasília e amparou, na escalada, várias cidades ávidas do benefício. A demografia, acanhada em umas oito centenas de milhares de almas, adquiriu outra feição estatística, com quase dois milhões e meio de habitantes.

E em face dessa transformação, sem que se transformasse a concepção do socialismo destorcido pelos aproveitadores da II Guerra, olhos cúpidos enxergaram campo livre para batalhas político-personalistas.

Em Goiás, como em outros Estados, os comunistas em maioria cumpriam missões quase românticas. Não exibiam violência, davam-se com todos. O pior que faziam era acoitar, vez por outra, algum correligionário corrido, como em Anápolis, Luís Carlos Prestes sempre foi encontrar teto para sono tranquilo.

O progresso, porém, alterou esse comportamento. E, sem se dar conta da importância de uma mistura estimuladora. Jânio Quadros, em sete meses, agiu na base da pirraça, animando com suas causas os efeitos que Jango não soube distinguir para evitar.[6]

              A alemã/judia Olga Benário foi uma das figuras do movimento comunista no Brasil. Quem não se emocionou ao assistir a película “Olga – Muitas Paixões numa só Vida”? Esse filme de Jayme Monjardim, baseado no livro “Olga”, de Fernando Morais, foi produzido por Rita Buzzar e nos dá um spoiler remissivo às teorias de Karl Marx, que havia publicado com Engels “O Capital” em 31.03.1848, que adiante seria a matriz ideológica, por exemplo da Revolução Bolchevista de 1917 que culminou na formação da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, incendiando o horizonte pelo ideal marxista, a despeito de suas contradições práticas.[1]       

Fascinada pela doutrina marxista e conspirando contra o fascismo, Olga, filha única de pais ricos, podendo viver tranquilamente, enfeitada de adornos caros, que matariam a fome de tantos e supondo que nada estivesse errado no mundo já lhe seria uma intranquilidade, dada a sua vocação inata, visionária. Ela se questiona e ao mundo. Mas alguém a adverte:

– A maior loucura de um ser humano é querer modificar o mundo.

Entretanto:

– As jóias dos ricos poderiam matar a fome dos pobres – dizia.

Era preciso organizar os operários e nisso Olga fora acusada bem cedo pelo tribunal alemão de trair a Pátria. Foge, deixando os pais e a Alemanha, tomando a direção da Rússia. Por ali encontra-se com o brasileiro Carlos Prestes, que teria se auto-exilado com os companheiros em 1926, depois do fantástico giro da Coluna que teve o seu nome, decorrente da conspirata do forte de Copacabana – A Revolta Tenentista.

Havia várias guarnições militares dispostas à Revolução no Brasil.

Aquela mulher de brilho forte, encomendada para seguir o Major Prestes de volta ao Brasil, simulando estarem casados e escondendo algo da identidade dele, terminam sendo pegos no governo de Getúlio Vargas. O que era um simulacro de casamento, de fato passa a uma avassaladora paixão entre os jovens idealistas, que se casam.

Havia um forte movimento de esquerda no Brasil, como no resto do mundo. A aliança Nacional Libertadora cogitava derrubar Getúlioa. Era uma ameaça. Desde da Revolução russa havia um clima de conspiração no ar.

Vargas manda Prestes para o exílio e simplesmente deporta Olga para a Alemanha de Hitler, onde termina num campo de concentração nazista.

Antes, na prisão brasileira, havia percebido estar grávida da filha de Prestes, à qual dariam o nome de Anita, que veio a nascer numa prisão alemã. A criança seria encaminhada para um orfanato na Alemanha, ou pior, para um possível crematório. Mas abriram-lhe uma exceção. Anita passa a ser amamentada até mais de 6 meses, quando é tomada da mãe Olga, que fica nas grades do campo de concentração em Berlim.

Na prisão, no momento em que lhe arrebatam a filha, Olga se desespera ao extremo, como quem se entrega, desiste de viver:

– Eu não quero mais ter forças. Eu não quero mais ter coragem. Tiraram quase tudo de mim.

Mas não tiraram-lhe as idéias marxistas.

Eugênie Benário, mãe de Olga, foi morta no Campo de Concentração nazista em 1943, por ser judia. Hitler havia declarado a perda da nacionalidade alemã aos judeus, assim como o direito de se defenderem. Olga, judia, teve o mesmo fim da mãe nas câmaras de gás do Führer, o canibal assassino que horrorizou o mundo.

Deixou-nos a frase em que acreditava: “Lutei pelo justo, pelo bem, pelo melhor do mundo”.

Anos mais tarde, Prestes e a filha Anita receberiam, postumamente a carta escrita por Olga no campo de concentração nazista. D. Leocádia, mãe de Prestes, faleceu em 1943, sem nunca ter voltado a ver seu filho Luiz Carlos Prestes.

Prestes foi um dos primeiros presos políticos libertados em 1945 e só então recebeu a notícia de que sua mulher estava morta. Getúlio Vargas, eleito pela segunda vez Presidente do Brasil, suicidou-se em 1954.

A bebê Anita Leocádia Prestes havia sido entregue à mãe de Carlos Prestes, salvando-se do crematório nazista. Cresceu a salvo e vivia com sua tia Lígia Prestes no Rio de Janeiro, onde foi Professora Universitária.

É fato que a miséria cresce. Apenas migrou da Europa para a África, Ásia, América do Sul. Marx já dizia que uma das características do capitalismo é a miséria crescente. No mundo já ultrapassam a casa de 1 bilhão e meio de miseráveis, sejam os viventes dos países ditos socialistas e das vítimas do capitalismo selvagem.

Mas fico pensando que a grande doutrina socialista para a humanidade há de ter fulcro no Evangelho do Homem de Nazaré, que deixou o maior tratado de solidariedade a ser seguido na direção da alteridade entre os povos, pois alguém já disse que a Terra é um só País e o ser humano o seu cidadão.

O Estado brasileiro é protagonista de uma distribuição de rendas injusta, com uma pirâmide tendo no topo os ricos e uma grande base estratificada imensamente esmagada.

O egoísmo humano gerou o supérfluo, a introjeção de necessidades que não possuímos, enquanto há pessoas abaixo da linha da pobreza. Esse quadro secularizado gerou a ideologia. Como narra Pedro Ludovico, em seu livro de Memórias:

[…] Feuerbach, discípulo de Hegel, foi quem mais influenciou no espírito dos doutrinadores do Comunismo e não pregava que se devia impor o ideal socialista, embora extremista, a ferro e fogo. Achava que a educação das massas proletárias poderia levar o socialismo sonhado até a um sistema político sem governo, o que foi defendido pelo anarquista Kropotkine.

Houve muita desilusão por parte da juventude mundial, devido à crueldade com que os chefes comunistas tratavam os que não se entusiasmavam ou repeliam o novo regime.

Dos jovens goianos a que aludi, parece-me, nenhum, com o correr do tempo, abraçou o credo imposto pelo arbítrio soviético.

Tolstoi, Gorki, Dostoievski já defendiam, muito tempo antes, os direitos do povo russo, a emancipação dos camponeses, o respeito à consciência de todos, ricos e pobres, ignorantes ou instruídos. A Rússia foi sempre um pais dominado por famílias ou por homens que se eternizavam no poder. Dominavam “manu militari”, fuzilando e mandando para a Sibéria os indesejáveis, Ivan, o Terrível Pedro, o Grande, Catarina, todos cometeram excessos contra o povo.

Ninguém, porém, eliminou mais russos do que Stalin, pelo degredo na Sibéria ou pela execução sumária ou processos em que os réus eram obrigados a confessar estarem errados e que o Camarada número 1 é que tinha razão.

Em um dos célebres expurgos, pereceram, foram executados, Kamenev, Zinoviev e, também, Kirov, Trotsky, de maneira diferente, todos companheiros de Stalin, e cérebros da Revolução Russa.

Todos esses, vítimas da crueldade do “camarada número 1”, foram esteios do socialismo soviético. Lutaram pela implantação do regime. O próprio Lenine disse, dias antes de sua morte, não podia a Rússia ser entregue a Stalin, que era muito duro, muito frio e cruel.

Tanto assim que, depois de morto, os seus próprios companheiros fizeram a desistalinização, sentido que o herói, embora tivesse feito muito para o fortalecimento do comunismo, não devia ser tão endeusado, devido às qualidades negativas que havia manifestado no seu governo.

Era um herói para os ortodoxos, para os radicais, branco como a neve que no inverno cobre o solo russo, mas negro pelas violências, pelos massacres que ordenou. Para ele, o homem era uma unidade, um zero, e a coletividade subserviente, escrava, era o infinito.

Antes de galgar o poder, condenava a tirania dos Czares e suas camarilhas. Dominante, foi pior, foi cruel: Aut Coesar, aut nihil.

Marx, depois que descobriu a mais-valia e o materialismo histórico e dialético, criou uma verdadeira filosofia por que se deveriam guiar os simpatizantes de sua doutrina.

Há muita verdade nos pensamentos desse sociólogo alemão, que passou grande parte de sua existência na Inglaterra.

Ele e seu amigo Engel, também germânico, lançaram uma base tão atraente para a sua doutrina, que os políticos e intelectuais se entregaram à leitura dos seus livros, por curiosidade e pelo desejo de raciocinar sobre o seu idealismo e materialismo em torno das massas manejadas pelos capitalistas de todas as nações.

Houve então, o aparecimento do socialismo de direita, de esquerda e de extrema esquerda. Interessante: na afirmação dos que combatiam Marx, os argumentos deste eram contraditórios, Feuerbach, que se chocavam na interpretação ao ideal de Marx, o lutador pela libertação do operariado submisso e excessivo trabalho para enriquecer os seus patrões.[7]

O movimento é desbaratado. A imprensa nacional entra em ação

Era o dia 03 de dezembro de 1962. O sonho dos jovens socialistas estava frustrado. As estratégias da guerrilha estavam esmagadas pela repressão do aparelho do Estado.

O Jornal o O Globo, no Rio de Janeiro lançava a notícia em tons gizados:

NÚCLEO COMUNISTA EM GOIÁS TREINAVA PARA GUERRILHAS[8].

Três oficiais de gabinete do Governo Mauro Borges estão entre os acusados de preparar guerrilheiros, segundo os métodos de “Che” Guevara, no seu livro “Guerra de Guerrilhas”. São eles: João Neder, contra o qual se executou mandado de prisão. Tarzan de Castro e Natal Zacarioti. Os nomes dos demais envolvidos não foram revelados. Sabe-se apenas que o Juiz João M. Marques decretou a prisão preventiva de todos eles, enquanto se realiza inquérito.

A polícia descobriu mais de 200 homens treinando com armas modernas, no Município de Dianópolis, norte de Goiás, fronteira com a Bahia. Apreendeu grande quantidade de metralhadoras portáteis e outras armas de guerra. Trinta e seis elementos estão envolvidos na organização do núcleo comunista e contra eles o Juiz João Marques expediu mandado de prisão que ontem mesmo começou a ser executado. Informa-se também que um elemento vindo de Pernambuco participava do treinamento dos guerrilheiros. O inquérito policial está a cargo do Delegado Geraldo Deusimar de Alencar.

OFENSIVA EM GOIÁS.

A terceira manifestação foi a invasão de uma das fazendas das Ligas, em Dianópolis, Goiás, em 23 de novembro de 1962. mais uma vez foram apreendidos planos de operações de guerrilhas. Foi decretada prisão preventiva contra 26 membros das Ligas pelo Juiz Moreira Marques. Entre esses 26 estavam Clodomir dos Santos Morais, Amaro Luís de Carvalho e Joaquim Ferreira Filho, todos os quais haviam freqüentado o curso de treinamento em Manágua. Além destes inclui-se também outro companheiro de treinamento em Cuba: Clóvis José Esteves de Sousa.[9]

                A repressão estatal e o modo intolerante como são referidos 24 jovens, que terminaram presos e alguns exilados, mostra bem o preconceito e a falta de liberdade de ideologia política que marcava o País naquele período. É o que consta em edição do jornal O Estado de São Paulo pelo correspondente de Goiânia e de sucursal de Brasília:

DETERMINADA A PRISÃO DE 24 AGITADORES COMUNISTAS[10].

Apesar de as primeiras informações chegadas sábado à noite a Goiânia afirmarem que eram 36 os mandados de prisão preventiva contra os implicados no plano de agitação de Dianópolis, soube-se hoje que o delegado Geraldo Deusimar de Alencar pediu 24 prisões preventivas para os seguintes comunistas: José Jaime, João Nader, Tarzan de Castro, Benjamim Ferreira da Cunha, Clóvis José Esteve de Sousa, Gilvan Queiroz de Rocha, Valter Rodrigues Coelho, Marcolino dos Santos, Arlindo Alves de Sousa, Antonio Alves Dias, Luis Preto, Aiberê de Sá, Francisco de Cruz Botelho, Edmar de Amorim, Geraldo José de Lima, Antonio Jospe de Rocha, Leonardo Manuel Holanda Carneiro Cunha, Clodomiro dos Santos Morais, Amaro Luis de Carvalho, Carlos Montarroyos, Adauto Monteiro da Silva, João Meireles, Joaquim Ferreira Filo e Luis Inácio de Sousa.

Clodomir dos Santos Morais, é o autor intelectual do plano. Trata-se de ex-deputado comunista de Pernambuco. O líder do grupo era Amaro Luis de Carvalho, conhecido agitador profissional no Nordeste.

Até agora, as autoridades policiais conseguiram efetuar prisão apenas do sr. João Neder, que foi removido para um hospital desta capital sob a alegação de que seu estado de saúde é precário.

Comentou-se ontem à tarde que a prisão de Tarzan de Castro havia sido feita em Brasília, mas ainda ontem as autoridades policiais de capital federal desmentiram a notícia.[11]

A polícia não confirmou também a participação do sr. João Batista Natal Zacarioti, oficial de Gabinete do sr. Mauro Borges, nas atividades subversivas de Dianópolis.

O plano de agitação e subversão era organizado no lugar denominado Boqueirão de Conceição, distante de Dianópolis, oito léguas e só acessível a cavalo.

Os elementos foram inicialmente, dispersados pelo coronel José Seixas, chefe do Serviço de Repressão ao Contrabando, setor de Goiás. Logo depois elementos do Conselho de Segurança nacional chegaram ao local, conseguindo apreender metralhadoras, mosquetões e grande quantidade de balas, além de muitos homens em treino para guerrilha. Informada da ocorrência a Polícia goiana mandou o delegado Geraldo Deusimar de Alencar para presidir o inquérito pó determinação de Secretaria de Segurança Pública.

O delegado encontrou alguns livros de ensinamentos de técnicas de guerrilha, certa quantidade de munição e propaganda comunista que comprometia seriamente os indiciados. A delegacia de Vigilância e Capturas está incumbida de capturar os agitadores cujas prisões preventivas foram decretadas pelo Juiz de Dianópolis.

O Diretório do Partido Socialista Brasileiro encaminhou oficio ao governador Mauro Borges “estranhando” a prisão do sr. João Neder, que foi candidato a deputado estadual por seu partido e integra sua comissão executiva regional.

FATOS PRINCIPAIS.

O Gabinete do Departamento Nacional de Segurança Pública informou esta noite que há cerca de 20 dias, o cel. Nicolau Seixas regressou de Dianópolis para onde fora enviado como observador federal, fazendo um amplo e minucioso relatório onde faz sentir ao chefe de polícia “a urgente necessidade de aquartelamento de tropa do Exército na localidade”.

De tal fato o cel. Carlos Cairoli fez uma exposição ao Conselho de Segurança Nacional e outra para o governador Mauro Borges, de Goiás.

Do relatório apresentado – até agora mantido em sigilo – os fatos principais podem ser assim relacionados:

a) quero terras, onde grileiros são armados por posseiros para invasão permanente e respectiva garantia de posse;

b) infiltração esparsa de elementos estranhos ao meio rural que exercem uma influência perigosa para uma luta de suposta reforma agrária, com inspiração nordestina, de cuja região procedem os responsáveis pelos movimentos;

c) mina de ouro, que provoca disputas entre os grupos armados interessados na exploração de jazida e na grilagem de terras.

De todos esses fatos, “acrescidos de interesses ocultos de poderosos que fizeram construir até campo de pouso para maior facilidade na operação de descarga de arma, material, pessoal e respectivo embarque, dos mineiros extraídos” – o cel. Seixas deu conhecimento por meio de seu relatório ao chefe de polícia do DFSP, ao governador Mauro Borges, cientificando-o de necessidade do envio urgente de tropas do Estado para manter a ordem, evitar a perigosa infiltração de elementos havidos como comunistas, controlar e apurar a origem das armas ali chegadas e, judicialmente, garantir as decisões do juiz quanto à questão de terra.

Aliás, fora o juiz de Dianópolis que solicitara auxilio na Polícia Federal e logo após as observações feitas dera ciência que o governador de Goiás “estava interessado em liquidar os movimentos aparentemente subversivos mas não dispunha de meios adequados”.

Tal fato fez com que o cel. Cairoli, chefe do DFSP, mandasse outro relatório para o CSN, há menos de 15 dias, colocando-o a par das observações efetuadas pelo enviado especial e das dificuldades do governador Borges para enfrentar o “quisto em formação”.

Neste último relatório é então sugerida “a urgente necessidade do envio de tropa federal preferencialmente do Exército, não só para aquela região, como para outras, onde iguais movimentos estão surgindo de origem desconhecida mas que afluíram no planalto goiano com expansão para Mato Grosso e Bahia”.[12]

TRAIÇÃO NAS MATAS[13].

O juiz de Dianópolis decretou prisão preventiva de 36 elementos responsáveis pelo treinamento e organização de guerrilhas na fronteira de Goiás com Bahia. Eram cerca de 200 homens equipados, praticamente, com metralhadoras e, teoricamente, com o livro especializado de Che Guevara. E, o mais espantoso, é que, entre eles, figuram dois oficiais de gabinete do governador Mauro Borges: os srs. Tarzan de Castro e Natal Iscariotes. E foi, aliás, a própria polícia do governador que desmontou o foco subversivo.

O mais curioso é que o próprio sr. Mauro Borges veio ao Rio a fim de pedir a colaboração dos dólares de “Aliança para o Progresso”, com o objetivo de fomentar a exploração de riquezas do seu Estado. E nisso, provavelmente, reside o motivo de, seguindo o recente exemplo dos soviéticos em Cuba, haver desmantelado os seus mísseis em miniatura.

Esperamos somente que, no caso de se efetivar a possível gorilização chinesa no Caribe, o sr. Mauro Borges não volte a soltar os srs. Tarzan e Iscariores pela mata a mongolizar o Brasil Central.

A IMPRENSA GOIANA ACUSA O GOVERNO DE PROTEGER OS COMUNISTAS[14].

GOIANIA: A imprensa deste Estado acusa o governador de omitir-se ante a subversão da ordem no nordeste goiano, com a constituição de guerrilhas permanentemente treinadas. Denunciam os jornais ainda a infiltração de elementos reconhecidamente comunistas na administração estadual.

“O Popular” em comentário intitulado “Ainda é tempo”, diz: “Dois dos auxiliares do governo estão sendo buscados pela Justiça, como incursos em crime contra a segurança nacional, ao tempo em que um terceiro, o secretário do Trabalho, sai em peregrinação pelo Interior levando a tiracolo um sacerdote que, apesar de sua batina, é um agitador sem nenhuma consistência intelectual e que prega abertamente a subversão de ordem constitucional”.

Informa o jornal que o sacerdote, padre Alípio, recebe ampla cobertura do Estado, utilizando o Teatro de Emergência, do governo, para suas pregações.

“O Popular” refere-se depois ao treinamento de guerrilheiros em Dianópolis, ajuntando que “dois auxiliares diretos do governo, os srs. João Neder (já preso) e Tarzan de Castro (que se encontra foragido) estão envolvidos na sua direção”. Acusa ainda esses elementos, de alta confiança do governo, pois foram oficiais de gabinete, de participarem de tumultos em Jussara, “onde foram vistos distribuindo folhetos subversivos em comícios de camponeses, que promoviam para usufruí-los”.

O jornal lamenta a atitude do sr. Costa Paranhos, presidente do PSB, que protestou contra a prisão do sr. João Neder, “comunista confesso”.

A “Folha de Goiás”, em “Apelo ao Chefe do Governo”, confirma, em linhas gerais, as informações divulgadas por “O Popular”.

COMUNISTAS COMPRARAM FAZENDAS GOIANAS PARA TREINAR GUERRILHEIROS[15].

Dos enviados especiais.

DIANÓPOLIS, Estado de Goiás, 5 – Os dois mil moradores desta cidade, pequeno núcleo do Nordeste goiano, na região amazônica, já não comentam os acontecimentos de que já não comentam os acontecimentos de que foi palco recente com a presença aqui de agitadores comunistas, afinal expulsos pela ação de forças do Exército e da Polícia.

A cidade tem 500 casas e em algumas delas se podem ler dizeres hostis aos membros de Liga Camponesa que tentaram fundar as primeiras bases de agitação no Interior de Goiás.

Afora esses dizeres, pintados com tinta branca, a cidade, que teve um passado bastante tumultuoso, prefere agora ignorar que serviu de centro de um plano previamente traçado, mas contra o qual soube residir.

O dispositivo de agitação, que se instalou em três fazendas deste município, expandindo-se posteriormente para o município de Almas, comandava suas atividades do local denominado “Catingueiro”, nas proximidades do distrito de Rio de Conceição, a 40 quilômetros de sede municipal.

As outras duas fazendas coordenavam o abastecimento e o armamento. Todas elas, contudo, foram abandonadas pelos membros de Liga, depois que, a pedido do juiz de Direito de Dianópolis, dr. J. Moreira Marques, realizou-se no local uma diligência de segurança nacional, sob o comando do tenente-coronel Nicolau José Seixas, chefe do Serviço Federal de Prevenção e Repressão de Brasília.

A segunda e definitiva fuga deu-se um mês depois, a 23 de novembro, após uma batida feita pela guarnição de combates de polícia goiana.

Dos 26 implicados, contra os quais o Juiz Moreira Marques decretou prisão preventiva (ver o “Estado” de ontem), apenas dois foram detidos em Dianópolis; o processo foi instaurado no Foro local na fase de interrogatórios, com a expedição de cartas precatórias e editais de citação.

Os integrantes do “Dispositivo do Catingueiro” – como se chama – ao que se sabe, após a segunda fuga, embrenharam-se nas matas, apenas com a roupa de couro que vestiam, conseguindo alcançar a cidade de Barreiras, na Bahia, após uma exaustiva viagem a pé.

De Barreiras, seguiram para Recife, numa perua “Rural”, segundo informações das autoridades bahianas.

As duas intervenções militares contra o quartel-general do dispositivo resultaram na apreensão de grande quantidade de livros comunistas e obras de doutrina, algumas armas e outros apetrechos, além de um jipe Willys, com placa 1-28-10, de Recife. Documentos pessoais de identificação, fotografias, prospectos, manuscritos e anotações também estão incluídos entre os materiais apreendidos.

Revelam tais documentos a tentativa de se constituir aqui um núcleo de agitação vermelha que deveria depois estender-se por todo o Estado de Goiás; os documentos revelam também certa ingenuidade de seus autores, o que poderia fazer crer que se tratava de um grupo de jovens, inclusive estudantes universitários, empenhados em mais uma aventura.

Mais há certos fatos que destroem essa hipótese. Basta dizer que o grupo, em pouco mais de um ano, gastou certa de sete milhões e meio de cruzeiros num aglomerado de dez mil habitantes, que é a região compreendida pelos municípios de Dianópolis e Almas.[16]

O COMEÇO: CAMPANHA DE INVESTIMENTOS.

Os fundadores da Liga Camponesa de Dianópolis chegaram à cidade em princípios do ano passado, dizendo-se representantes de “grande e conceituada companhia de investimentos do Nordeste brasileiro”.

Seu objetivo declarado: a compra de terras no município, para cultura de cereais e criação de suínos.

Alegavam que era desejo de empresa aplicar grandes somas no município, pois assim não pagariam quantias elevadas para o imposto de rendas.

Inicialmente, a “Companhia Capitalista do Nordeste” adquiriu a fazenda “Catingueiro” próxima ao povoado Rio de Conceição, distante 40 quilômetros de sede municipal de Dianópolis.

O local, de difícil acesso, fica a mil quilômetros de Brasília.

No “Catingueiro”, iniciaram os membros de suposta empresa plantações de milho e feijão, oferecendo aos seus empregados salários superiores aos vigentes na região, que recebiam também assistência médica e dentária.

Posteriormente, o grupo adquiriu duas outras fazendas: “Antônio Alves” e “Cascavel”, ambas nas proximidades de Catingueiro.

No “Catingueiro”, ponto central do “dispositivo”, em pouco tempo as atividades agrícolas foram sendo relegadas a segundo plano.

Na fazenda “Antonio Alves”, diversas casas e outros melhoramentos foram construídos e reservados para servir de futuro arsenal.

Finalmente, “Cascavel” era a fazenda em que se localizava o serviço de abastecimento, onde grandes quantidades de provisões eram armazenadas. Os representantes da “Cia. Capitalista do Nordeste Brasileiro”, que adquirira as terras, em nenhum momento revelaram interesse pelos documentos de propriedade comuns em tais transações, embora tivessem feito os pagamentos à vista.

Aos poucos, a companhia transformou-se em liga camponesa, sob a designação de Associação Goiana do Trabalhador do Campo; seus estatutos foram publicados a 9 de junho no “Diário Oficial de Goiás”.

Constituída a liga – que, por seus membros, era chamada de “dispositivo de agitação” – passou-se à fase de pregação e propaganda e de organização de planos de guerrilhas.

A Liga, depois de constituída, desenvolvia paralelamente as suas atividades no Catingueiro um programa de assistência médica, dentária e social aos seus associados. Quase diariamente, promovia festas, com ênfase sobretudo nas datas comemorativas de revolução cubana e de URSS.

O esbanjamento de dinheiro era corriqueiro entre os integrantes de liga, que não se preocupavam com o vulto das despesas: era certo e garantido o recebimento de novos recursos financeiros procedentes do Recife.

Mas, em Dianópolis, as atividades da liga começaram a encontrar a forte reação dos moradores; a isso juntaram-se as primeiras providências de caráter preventivo adotadas pelas autoridades.

Isso forçou o desvio daquelas atividades, entre elas a promoção de festas, para o município de Almas, mais propício.

Dianópolis, além de ostentar nível mais elevado de vida, guarda na lembrança um passado sangrento; seus habitantes tem uma natural aversão a qualquer tipo de agitação política.

A cidade surgiu em torno de uma mina de outro, com o nome de Arraial de São José do Ouro, posteriormente mudado para São José do Ouro.

Em 1919, […] a polícia em represália executou reféns em praça pública; amarrados a troncos, os nove foram mortos a facadas. Uma inscrição, existente na pequena capela erguida no local das execuções, qualifica-as como “chacina oficial”. Esse tenebroso acontecimento provocou o êxodo da população de S. José do Duro, que procurou os municípios vizinhos para nova morada. Só muitos anos depois, começaram a voltar os habitantes, ainda desta vez atraídos pela mineração de ouro (atividade até hoje existente no município); em 1938, São José do Duro passou a chamar-se Dianópolis.[17]

PROCESSO.

As atividades do dispositivo passaram, posteriormente à execução de um plano de agitação, no povoado de Rio da Conceição, com instruções recebidas de Recife.

No Catingueiro, construíram os seus membros diversos postos de vigia em elevações vizinhas para permitir segurança aos Exercícios de guerrilhas. Esses postos foram destruídos pela força policial do Estado de Goiás, em fins de novembro.

Após a primeira batida militar ao Catingueiro, o promotor público de comarca de Dianópolis, sr. Antônio Alves França, ofereceu denúncia o juiz de Direito, instaurando-se o inquérito, com a decretação simultânea de prisão preventiva dos principais implicações, que são: Clodomir dos Santos Morais, que seria o autor intelectual do plano de agitação; Amaro Luís de Carvalho, chefe do grupo; Joaquim Ferreira; Cleto de Costa Campelo; Leonardo Manoel Holanda Carneiro Cunha; Gilvan Queiroz de Rocha; Walter Rodrigues Coelho; Marcelino Santos; Luís Preto; Antônio Alves Dias; Luis Inácio Souza; Aybire Sá; Edmar Amorim; Antônio José da Rocha; Adauto Monteiro da Silva; Geraldo Jorge de Lima; Benjamim Ferreira Cunha Júnior, todos do Estado de Pernambuco; João Meireles, do Rio Grande do Norte; Tarzan de Castro; Horácio de Oliveira; Clóvis José Esteves Souza; José Jaime; João Neder e Francisco da Cruz Botelho, todos de Goiás.

Deste, estão presos em Dianópolis Francisco da Cruz Botelho (proprietário rural no município) e Horácio de Oliveira.[18]

FINANCIAMENTO.

Havia fortes motivos para o temor em Dianópolis: a 40 quilômetros de cidade, os agitadores ensaiavam ataques de guerrilhas e procuravam armar-se e, ao mesmo tempo, com outras táticas, tentavam infiltrar-se entre a população.

A cidade sabia que o dispositivo era financeiramente poderoso. Freqüentemente, um de seus integrantes desembarcava de um avião da “VASP” ou da “Cruzeiro”, procedente de Brasília ou de Barreiras, na Bahia, conduzindo pesadas bolsas com dinheiro. Não procuravam esconder o conteúdo de bolsa; pelo contrário, exibia-o.

A fonte financiadora ainda é desconhecida. Sabe-se que o numerário procedia do Recife, mas se ignoram os fornecedores. Há quem suspeite venha o dinheiro de Cuba, embora nenhuma prova concreta existia até agora.

AUTOCRÍTICA.

No relatório elaborado pelo comando dos agitadores em que se recomenda a transferência do centro de suas atividades para outra região mais favorável, é feita uma autocrítica sobre o comportamento do dispositivo estabelecido no município de Dianópolis. O documento é este:

“Fazendo-se um balanço do tempo e do dinheiro gastos, chega-se logo à conclusão de que a produtividade dos trabalhos não vem correspondendo, resultando num inconteste prejuízo para o processo, o que obriga a examinar as razoes e descobrirmos as soluções, a fim de impedir esses descalabros e danos.

A maneira pela qual foi fundado esse dispositivo, isto é, a Companhia Capitalista, veio despertar nos moradores de região o desejo de tirar o máximo de lucros, todas as vezes que alguém se fizer necessário a referida Companhia.

Tomando um caráter excessivamente filantrópico (dentista, remédios, festas, presentes etc.) sem o mínimo de preparo político dos beneficiados, a Companhia ganhou caráter de instituição pública.

O desmedido interesse em beneficiar os moradores da região veio despertar nos camponeses a idéia de que somos os únicos beneficiados e que temos segundas intenções (cego desconfia de esmola grande).

A transformação de Companhia para Liga Camponesa veio fazer-nos desmerecedores da confiança dos moradores da confiança dos moradores locais, mesmo porque, quando ainda éramos Companhia defendiamo-nos renhidamente de acusação de que éramos Ligas Camponesas.

Os elementos que constituem este dispositivo, além do baixo nível político, não tiveram o mínimo de assistência nesse sentido, sendo levados mesmo a distanciar-se do almejado, dada a maneira como foram dirigidos, orientados, assim como o falso conceito de igualdade que leva os companheiros à vaidade e ao liberalismo.

Os novos companheiros, recrutados nesta região, não sofrem a influência desta mesma orientação, sendo levados a incorrerem nos mesmos erros, o que vem resultar em dificuldades ao bom andamento dos trabalhos.

A falta de disciplina e a falha de visão, tanto no comando como nos comandados, que é o reflexo do passado, produziram o descontrole do dispositivo, repletindo no estouro do orçamento.

Considerando tudo isso, achamos por bem adotar as mais imediatas e enérgicas medidas, no sentido de corrigir a todos os erros sob pena de permanecermos desta maneira, que é indubitavelmente prejudicial ao processo e a conseqüente contra-revolução.[19]

MATERIAL APREENDIDO.

O Serviço Federal de Prevenção e Repressão apreendeu no Catingueiro, além de documentos de identidade e manuscritos, mais os seguintes: 200 mil cruzeiros em dinheiro, um jipe “Willys” (licença de Recife 1-28-10), livros diversos, uma espingarda calibre 22, dois rifles calibre 44, três revolveres calibre 38, um revolver calibre 22, grande quantidade de balas, um binóculo do Exército, dois aparelhos de treinamento de telegrafia, rádios e malas.

Entre os livros encontrados no acampamento citam-se: “Declaração de Recife” e “ABC do Camponês”, de Francisco Julião, e “A Guerra de Guerrilhas”, de “Che” Guevara.

PERFEITA REDE DE ESPIONAGEM VIGIAVA TODOS OS PASSOS DAS AUTORIDADES EM DIANÓPOLIS[20].

DIANÓPOLIS, 6 – Nos cinco meses que se seguiram à criação de Liga Camponesa de Dianópolis – surgida de primitiva Empresa Capitalista Nordestina que adquiriu terras no município – a população de cidade passou por momentos de inquietação, na iminência de um ataque organizado no “Catingueiro”, sede do dispositivo de agitação.

Dianópolis tem de força policial apenas o delegado e um soldado; são quase nulas as possibilidades de defesa. Em nenhum momento, é verdade, os elementos do “Catingueiro” esboçaram qualquer tentativa desse tipo mas, em contrapartida, puseram em ação um perfeito sistema de espionagem, vigiando constantemente os passos das autoridades do município.

A figura do juiz Moreira Marques era a mais visada pelos agitadores, que acompanhavam todos os seus passos. A rede de espionagem do “Catingueiro” estendia-se amplamente, a ponto de poder oferecer todas as minúcias de uma viagem do magistrado a Brasília e Goiânia, feita por via aérea. A riqueza de pormenores era impressionante: o QG do “Catingueiro” soube até com precisão de horário, de substituição de bilhete de passagem na agência de “Cruzeiro do Sul”, de todos os locais percorridos pelo juiz e os nomes das pessoas com as quais teve contato.

Tudo isso deixa intranqüila a cidade mas, por outro lado, constituiu-se no principal motivo da atitude de seus habitantes, que reagiram aos objetivos de Liga.

Assim terminava o sonho de 24 ativistas das Ligas Camponesas em 1962, deixando um legado de coragem e uma voz estrangulada que ainda hoje ainda reboa pedindo justiça social e melhor distribuição de renda, que poderão ser levadas a efeito uma visão atualizada pela própria experiência civilizatória da democracia e do cristianismo, que eles próprios levaram à maturação nos espaços do debate político e do voto popular e direto, único mecanismo para nos livrar dos sistemas autoritários, nada obstante as desigualdades gritantes que o liberalismo econômico tem gerando.

                Dizia Winston Churchil que a democracia é o pior dos regimes políticos… excetuando todos os outros. Tinha razão ao fazer esta afirmação.

                 É que não há regimes ou sistemas perfeitos. Há, certamente, uns que são maus, outros menos maus e um que, pela sua própria natureza, procura a justiça tendo como base o respeito pela vontade do povo e que, por isso, se designa de democracia, o mais desejado por todos nós.

                  É preocupante a extinção dos Partidos Comunistas, pois, embora equivocados de fundo, a nosso ver, representam uma oposição, uma crítica constante ao liberalismo, à globalização, ao imperialismo do capital que vigora mascarado na nossa democracia de desiguais.

A diferença entre este regime e todos os outros é que só este garante o exercício dos direitos humanos, o respeito pela dignidade humana e a prática da justiça e da liberdade. Mas não é um sistema perfeito porque simplesmente regimes perfeitos não existem.

Outras fontes:

Jornais O Globo e o Estado de São Paulo.

ROCHA, Gilvan. Vermelho Cor de Esperança, pág. 5, Expressão Gráfica – Aldeota, Fortaleza—CE, 1996.

_______, Meio Século de Caminhada Socialista. Fortaleza, CE : Expressão Gráfica, 2008.

BOFF, Leonardo. Ecologia Mundialização Espiritualidade, Editora Ática – São Paulo-SP, 1996.

Sugestão de leitura:

Leiam o livro posterior a este e autobiográfico de Tarzan de Castro.


[1] Na ocasião, o autor concluía as Memórias de João Rodrigues Leal e então teve a idéia de transcrever os Jornais de época, que dariam entrecho a este livro.  No primeiro semestre de 2005, em meio ao azáfama da magistratura, com o apêndice da Justiça Eleitoral e da Diretoria do Foro da comarca, me sobravam as noites para descansar” escrevendo modestos trabalhos literários.

[2] Gilvan Queiroz da Rocha, também conhecido como Clovis Pinheiro, nos concedeu breve entrevista pelo telefone, numa das ligação que fizemos a Fortaleza-CE em meados de 2005. Educado e fiel à ideologia, mostrou-se firme nos seus objetivos. Adiante, “em 1963, Gilvan articula em Pernambuco e na Paraíba o grupo Vanguarda Leninista. A organização faz oposição ao governo de Miguel Arraes e passa a denunciar o “reformismo do PCB”. Alguns líderes são presos durante o governo de Arraes. É ainda, em 1963, que a Vanguarda Leninista conhece e adere ao trotskismo. O grupo alerta sobre a iminência do golpe de 1964 e é visto pela esquerda monopolizada pelo PCB como lunático. O golpe não pega o grupo de surpresa e com uma simples operação consegue despistar a repressão ainda despreparada: os militantes de Pernambuco seguem para a Paraíba e os da Paraíba para Pernambuco. O grupo só é apanhado pela repressão no final de 64. Vários membros são presos, outros fogem na clandestinidade para outros Estados”, segundo narra Paulo Mamede, no livro Vermelho Cor de Esperança, pág. 5, de Gilvan Rocha, editado pela Expressão Gráfica – Aldeota, Fortaleza—CE, 1996. Conheça o livro Bye, Bye PT, do mesmo autor.

[3]  Veja o prefácio do livro Vermelho Cor de Esperança, de Gilvan Rocha.

[4] Jornal O Globo, de 26-01-65.

[5] O Globo de 26 de janeiro de 1965

[6] O Globo de 26 de janeiro de 1965 com atualização ortográfica.

[7] TEIXEIRA, Pedro Ludovico, Memórias.

[8] Jornal O Globo, Rio de Janeiro, de 03.12.62.

[9] Idem.

[10] Jornal O Estado de São Paulo, de 04.12.62.

[11] O respeitável jornalista e escritor democrata Tarzan de Castro, escreveu uma autobiografia e citou o episódio. Este articulista o encaminhou-lhe na ocasião o livro em referência, embora não tenha sido citado.

[12] Jornal O Globo referido.

[13] Jornal Correio da manhã, terça-feira, Rio, de 04.12.62.

[14] Jornal O Estado de São Paulo, quinta-feira, de 06.12.62.

[15] O Estado de São Paulo, quinta-feira, 06.12.62.

[16] Idem.

[17] Idem.

[18] Idem.

[19] Idem.

[20]                Jornal O Estado de São Paulo, de 7.12.62.