A poucas semanas do início da Copa do Mundo, as críticas em relação a situação no Brasil aumentam no exterior

Tradução do título da fotomontagem: "Morte e jogos. O Brasil antes da Copa"
Tradução do título da fotomontagem: “Morte e jogos. O Brasil antes da Copa”

A frase que dá título a esse artigo é de autoria do colunista Ar­naldo Jabor, encontrada no texto de sua coluna publicada terça-feira, 13 de maio, no jornal “O Estado de São Paulo” (digital) sob o título “A pós-miséria”, na qual o autor comenta de forma preocupante a atual situação no Brasil.

De fato, o texto de Arnaldo Jabor é um grito de alarme e nenhum leitor sério e criterioso que o leie, independentemente de seu posicionamento político, poderá permanecer indiferente ante a preocupante e desoladora situação descrita.

Acompanhei, na medida do possível, com alguma intensidade, muito do que foi escrito na Europa sobre a situação no Brasil desde as primeiras manifestações em junho de 2013. Os comentários iniciais não chegaram a ser alarmantes. A mídia europeia, na época, já estava com as atenções voltadas a Sochi, cujo evento foi esfrangalhado textualmente aos extremos. A crítica a Sochi emudeceu logo que os esportistas russos brilharam com o maior número de medalhas.

Os acontecimentos na Síria, no Sudão, na Tailândia, na Ucrânia na Praça Maidan e na Crimeia, que ainda não chegaram ao fim, contribuíram para que as manifestações no Brasil ficassem em segundo plano. Enquanto isso a situação mudou.

Nestas poucas semanas que antecedem o maior evento esportivo do Planeta, à medida que se aproxima o início do Cam­peo­nato Mundial de Futebol, as críticas em relação a situação no Brasil aumentam em intensidade. A Europa e o resto do mundo aguardam com alguma expectativa mas com muita ansiedade o desenrolar dos acontecimentos durante o campeonato no país anfitrião. A mídia europeia, já com menos blandícia, em tom e conteúdo chega perto do alarme de Arnaldo Jabor.

Grande parte das matérias divulgadas é de autoria de jornalistas estrangeiros que se encontram no Brasil, como correspondentes de jornais europeus. Diante da impossibilidade de comentar tudo o que é divulgado, nos limitaremos a repetir, em tradução livre, algumas passagens de uma matéria publicada no semanário alemão “Der Spiegel”, em sua edição de 12 de maio de 2014.

A revista tem fama por sua linguagem clara e por suas críticas contundentes, razão pela qual a publicação não só tem amigos. Muitas de suas fotomontagens de capa tornaram-se célebres. A que ilustra esta matéria poderá dar margem a várias interpretações, mas primordialmente exprime de forma irrefutável as apreensões do mundo futebolístico no exterior, mas certamente também as apreensões de muitos torcedores brasileiros, bem como as das autoridades responsáveis e não por fim também as apreensões da própria Fifa.

Basicamente o “Der Spiegel” não diz o que já não tivesse sido dito pela mídia nacional, mas ditas as mesmas coisas por um órgão de imprensa estrangeira, chama mais atenção, irrita e dói, mais especialmente quando ditas num linguajar claro que com uma frase chega ao veredicto fulminante: a realização do Campeonato Mundial no Brasil é um“Eigentor”, isto é, um gol contra.

Segundo o semanário alemão as obras, ainda não terminadas, do Estádio Itaquerão, “representam de forma figurada tudo que poderá transformar este Campeonato no mais caro e caótico torneio da história da FIFA: explosão de custos, três operários mortos e nenhum prazo cumprido”. Mais adiante o “Der Spie­gel” opina: “Na cerimônia de abertura a presidente Dilma Rouseff estará sentada no camarote presidencial. Seria uma excelente oportunidade para um pronunciamento público de projeção mundial. Mas a presidente certamente prefirirá o silêncio pois receia as vaias do público. Um acontecimento inacreditável começa a cristalizar-se: a maior festa do mundo poderia transformar-se em fiasco justamente na terra do futebol”.

As matérias do “Der Spiegel”, ao todo dez páginas, assinadas por Jens Glüsing e Maik Grossekathöfer, vêm intercaladas com uma entrevista feita por Glüsing e Juliane von Mittelstaedt com o escritor Luiz Ruffato. A entrevista vem com o título “Sempre fomos violentos”, o que, à primeia vista, irrita. Mas Ruffato explica o assunto analisando a sociedade brasileira do ponto de vista histórico, e aí a temática se torna menos crítica. Luiz Ruffato foi, ao lado de Ana Maria Machado, o orador oficial na 65ª Feira do Livro de Frankfurt em 2013, na qual o Brasil fora país convidado. Seu discurso com o título “Democracia racial é um mito” foi amplamente comentado: “Rara-mente a­conteceu que na cerimônia de abertura da Feira do Livro tenha sido pronunciado um discurso tão crítico e recebido tão entusiasticamente pelo público”, comentou na é­poca, por exemplo, a revista “Faust-Kultur”.

Voltemos aos comentários do “Der Spiegel” que se tornam mais drásticos à medida que avançamos com a leitura: “Nas favelas do Rio a polícia se vê envolvida em sangrentas emboscadas com traficantes, e em São Paulo, todas as noites, gângsters incendeiam ônibus. No Rio, semana passada, moradores insatisfeitos destruíram mais de 400 ônibus em virtude da greve de motoristas. No mesmo dia, em São Paulo, um grupo ligado ao Movimento sem Terra bloqueou o trânsito. Houve demonstrações também em Belém, Florianópolis, For­taleza e Belo Horizonte. Tudo isso parece ser apenas o início dos protestos já anunciaciados durante os jogos. Pro­va­velmente só a seleção nacional poderia mudar este estado de ânimo.

Neste contexto a revista formula uma pergunta preocupante: “Mas o que acontecerá se a seleção brasileira não conseguir ir além das oitavas de final? Terminarão os jogos em batalhas de rua? Políticos e funcionários serão acossados nas ruas pela ralé?”.
Com a pergunta seguinte o “Der Spiegel” entra na história do futebol: “Com a Copa Lula quis coroar sua obra. Sessenta e quatro anos após o Ma­racanaço, quando o Brasil perdeu contra o Uruguay, o pentacampeão deveria conquistar o “Hexa”, o sexto título, em seu próprio território. Lula derramou lágrimas quando em 2005 o Brasil foi sorteado para a realização da Copa de 2014. Mas agora põe-se a pergunta: Será que o ídolo popular foi um ilusionista? Será que a ascensão do Brasil é um castelo no ar?… Muitos dos projetos iniciados por Lula são hoje apenas ruínas nas paisagens: aterros para linhas férreas sem trilhos, canais que terminam em lugar algum, pontes sem conexão com rodovias, bilhões de reais despediçados”…. “escolas e hospitais deterioram, carros congestionam as avenidas das cidades, falta de ônibus e metrôs, dois terços das casas não têm água encanada”….
“A sucessora de Lula, Dilma Rousseff, ao assumir o governo anunciou que não toleraria corrupção em seu governo. Mas agora revelou-se que a Petrobrás, o coração do capitalismo estatal brasileiro, está envolvida numa maracutaia impressionante. Milhões de dólares foram transferidos aos Estados Unidos de onde, aparentemente, foram parar em contas ilegais da caixa do partido”.

“A insatisfação da população em virtude das condições de vida mistura-se com raiva contra a FIFA que exigiu novos estádios que custaram milhões de euros. A alegria de ontem sobre a Copa transformou-se em ódio e rancor contra o governo e contra os funcionários futebolísticos”….” durante a cerimônia de abertura da Confederations Cup em Brasília a presidente foi vaiada pelos fãs. Em seguida ela (a presidente) apresentou um plano de cinco pontos que visava uma reforma do sistema político. Logo que as demonstrações amainaram, o projeto desapareceu na areia”.

“Em oututbro de 2007 quando o Brasil recebeu a incumbência para a realização da Copa o povo esperava que enfim as estradas seriam consertadas e as linhas do metrô aumentadas. Mas dos 49 grandes projetos que deveriam ter sido terminados no início deste ano, 13 estão paralisados, outros reduzidos ou postergados”.

O “Der Spiegel”, na matéria em questão, cita uma série de outros detalhes que critica arduamente. Além desta revista, críticas vêm também de outros lados. Assim, por exemplo, o Berenberg Bank de Hamburgo (fundado em 1590) juntamente com o HWWI (Hamburgische Welt Wirts-chaftsInstitut) criado em 2005 para analisar os documentos do HWWA (Hamburgische Welt-Wirtchafts-Archiv), um instituto de pesquisa que abriga bilhões de documentos sobre a economia mundial desde tempos imemoriais, analisaram a Copa no Brasil em seus efeitos posteriores. O economista Jörn Quitzau comentou os estudos autorizados pelo Berenberg Bank da seguinte forma: “Os resultados econômicos de tais megaeventos são insignificantes”.

Alguma firmas da construção, da segurança ou da gastronomia têm têm algum proveito imediato, mas não haverá maiores impulsos para uma economia a longo prazo. Análises feitas após os Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, e o Campeonato Mundial de Futebol da África do Sul, em 2010, confirmaram estas informações, explicou o economista Jörn Quitzau.
O economista-chefe do HWWI, Henning Vöpel, se referindo à Copa no Brasil declarou o seguinte: Os cálculos sobre custos e proveitos que antecedem todos os megaeventos sempre são exagerados e ultrapassem sempre os efeitos positivos. Assim, o Brasil calcula ingressos turísticos no valor de 5,5 bilhões de dólares. Em comparação o carnaval no Rio traz 3,2 bilhões de dólares. Em contraposição o país investirá cerca de 10 bilhões de dólares na Copa, uma cifra altamente criticada também pela população”.

Há analistas que afirmam que também nesta Copa no Brasil haverá dois vencedores. Um será a equipe vencedora do torneio; o outro é a Fifa que, segundo informações do “Der Spiegel”, embolsará 3,2 bilhões de euros em seus cofres na Suíça. Tudo isso sem pagar um centavo de impostos.

Há uma excessão nessa polêmica: a copa realizada na Alemanha em 2006. A Alemanha soube aproveitar o torneio para realizar uma bem planejada campanha publicitária sobre o país, sua população, suas cidades, usos e costumes, indústria, comércio, transporte público, culinária e sobretudo turismo. A campanha realizada pelo governo, com o Ministério de Relações Ex­teriores, com o apoio das embaixadas da Alemanha no Exterior, dos Institutos Goethe e outras instituições, inclusive com o apoio de empresas alemãs no exterior, surtiu efeito. Depois de 2006 turistas de todo o mundo, inclusive turistas que nunca vieram à Alemanha, de repente se interessaram pelas belezas do país, por sua história e por suas suas lindas paisagens.

Graças a esta campanha a Alemanha está tendo proveito até hoje. Apenas uma exemplo. Até 2006 a Floresta Negra era visitada por franceses e suíços, ambos de países limítrofes. Hoje a Floresta Negra é visitada por turistas de todo mundo. Até turistas israelenses, que antes de 2006 não demostravam interesse por aquela região, hoje ultrapassam em número franceses e suíços.

A Alemanha nem sequer tem um ministério de turismo, nem tem uma organização à la Embratur, que foi criada e é financiada pelo governo para promover o turismo no exterior, mas que na verdade não promove nada. Fato é que na Europa nada foi informado sobre o país, sobre sua história, suas conquistas, sua grandeza geográfica, suas praias e demais belezas naturais, suas possibilidades agrícolas e industriais e uma infinidade de tópicos mais que poderiam ter sido divulgados em forma de campanha publicitária bem planejada para promover o país turisticamente. A Embratur perdeu uma grande oportunidade para promover o país. Deixou o trabalho à mídia, e esta tende a divulgar o pior.

Diante desta inércia não faz nenhum sentido um governo manter um ministério de turismo, nem uma organização à la Embratur. Países desenvolvidos não têm este tipo de instituição supérflua. Deixam o turismo em mãos de empresas particulares e o negócio anda. Anda sempre quando o país tem algo a oferecer turisticamente. O Brasil tem, mas não aproveitou.

Na madrugada de segunda-feira, 12, um grupo de encapuzados ataca a Embaixada do Brasil em Berlim com pedras. Quando a polícia chegou ao local, os malfeitores já tinham fugido. A perícia policial revelou que cerca de 80 pedras foram atiradas contra o prédio, danificando 31 janelas e pondo em perigo “a integridade física das pessoas que trabalham e residem no prédio da embaixada”. Logo nas primeiras horas da manhã um grupo de esquerda não identificado divulgou um manifesto via internet assumindo a autoria do ato de vandalismo. O manifesto termina com a expressão: “Não vai ter copa”. Curiosamente a pergunta com a qual fui confrontado várias vezes durante estes últimos três meses soa de forma muito semelhante: “Como é, vai ou não vai ter copa”?

Responder o quê? É claro que anseio em ver uma copa limpa, alegre, sem baderna, uma presidente sorridente sem receio de se manisfestar e que quer ver “a Copa das Copas”, uma copa com muitos gols e com o hexa vitorioso.

O Ministério de Relações Exteriores da Alemanha periodicamente publica uma informação dirigida a todos os viajantes alemães que por razões profissionais ou turísticas viajam pelo mundo. O ministério alerta sobre países de muito ou menos risco. Em seu último boletim, divulgado em abril passado, a pasta incluiu o Brasil como país de alto risco. É a primeira vez que o Brasil se encontra nesta lista.